O Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac) informou, com exclusividade, para a reportagem da Prensa que vai realizar uma vistoria técnica, na primeira semana de abril, ao Quilombo da Baía Formosa, em Armação dos Búzios, local onde foi descoberta no mês passado uma formação rochosa de mais de dois bilhões de anos e que remonta ao período da separação dos continentes americano e africano.
O secretário de Cultura e Patrimônio Histórico de Búzios, Luiz Romano Lorenzi, protocolou nesta semana um pedido de tombamento da “rocha africana” junto ao Inepac. A visita à Baía Formosa servirá para instruir os estudos e elaborar a ficha de inventário do bem. O Instituto não deu prazo para a conclusão do processo.
“Os tombamentos partem de um estudo criterioso do bem cultural, que envolve, entre outros aspectos, a descrição do sítio, a descrição pormenorizada do bem e de seu estado de conservação, a sua história, a análise de sua importância cultural, e a definição de uma área de proteção da ambiência. No Processo de Tombamento se evidencia, seja nos estudos, pareceres, despachos ou demais manifestações, o caráter multidisciplinar e altamente especializado de todos os profissionais envolvidos”, disse, em resposta ao questionamento da Prensa.
Responsável pela descoberta do rochedo no último dia 15 de fevereiro, a geóloga Kátia Mansur acredita que o processo de tombamento será bem-sucedido, dada a relevância histórica e cultural do achado geológico buziano.
“Tem que ter um parecer, imagino que a gente possa ajudar nisso. Acho que é importante essa ligação da ciência com a cultura, da história da terra com a história das pessoas. Eu entendo que isso é patrimônio. Faz todo sentido o Inepac, como Instituto Estadual do Patrimônio Cultural, aprovar uma solicitação dessa, principalmente considerando o interesse do município. É muito possível que o Inepac se envolva nesse processo, mas depende de como isso vai ser entendido por eles”, destacou a geóloga, para a Prensa.
Romano também aguarda um parecer favorável do Inepac, de olho na futura exploração turística e cultural do geossítio.
“Estamos elaborando um projeto de visitação geológica, contando a história de Armação dos Búzios através das rochas. Esse achado é de grande importância para a comunidade científica, para os povos quilombolas e toda a cidade de Armação dos Búzios que, através dos pontos de interesse cultural, pode apresentar para os moradores e visitantes a nossa linda história”, enalteceu Romano.
História de um povo contada pela natureza
Doutora em Geologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e referência acadêmica na área de Geoconservação, a pesquisadora Kátia Mansur destacou a importância da descoberta da “África Geológica” em Búzios, frisou que a incidência desse tipo de rochas se estende por toda a região, mas que o achado estreita os laços com a população do Quilombo de Baía Formosa.
A descoberta próximo à sede do quilombo aconteceu durante uma das idas com a equipe da Secretaria de Cultura e Patrimônio Histórico de Búzios para um projeto de sinalização das pedras culturais do município. Os esforços fazem parte do projeto Geoparque Costões e Lagunas do Rio de Janeiro, com objetivo de buscar a chancela internacional da Unesco.
“Essas rochas ocorrem na região que se chama domínio tectônico de Cabo Frio, que vai desde Maricá até Macaé, fazendo o triângulo com Arraial do Cabo. O que acontece é que a gente não tinha encontrado essas rochas na área do quilombo. Como a gente vem trabalhando com eles num projeto de geoturismo étnico já há bastante tempo – fez uns painéis para o quilombo sobre uma nascente que eles têm e sobre um ponto de cultura com os blocos de quartzo na área do Peró – já tem uma relação já antiga de trabalho, com o Quilombo da Baía Formosa”, explica.
A especialista destaca que o afloramento rochoso cabe no projeto de turismo étnico desenvolvido pelo quilombo, que possui base ambiental e faz uma relação das questões ancestrais da população quilombola com a própria terra em que vivem. Kátia Mansur pontuou os motivos que aumentam a relevância do achado natural.
“Acho que o que faz essa questão incrível é que ela uma região muito plana, não era de esperar encontrar esse afloramento. Então é um afloramento inesperado, ele foi uma descoberta, o que é muito bacana. E a outra coisa é justamente dentro do território quilombola encontrar um conjunto de rochas que mostram uma rocha africana, formada durante a colisão da África com a América do Sul, no que a gente chama de orogenia (processo de formação de montanhas) Búzios, porque as rochas dessas orogenias mais clássicas estão em Búzios e a separação da África. E isso tudo dentro de um território quilombola”, finaliza.