Texto: Alfredo José Altamirano – Pesquisador da Secretaria Municipal de Turismo e Cultura de Búzios
Foto: Ronald Pantoja
A história do Pai Vitório constitui uma das lendas pouco conhecidas na Região dos Lagos, mas de grande importância para a cultura e o turismo de Búzios. Esta foi perpetuando-se na tradição oral durante quase mais de um século até os dias de hoje, fazendo parte da identidade cultural buziana e da Região dos Lagos.
Embora não existam registros, datas nem detalhes desse evento. Uma neta de pescadores africanos, residente na Rasa, conhecida como Dona Uia, aponta o relato oral de um antigo naufrágio que ocorreu nas proximidades da praia da Rasa. Sobre esse afundamento existem duas versões. A primeira narra que o Pai Vitório era o nome de uma nau negreira clandestina de origem portuguesa que afundou próximo ao morro do mesmo nome. A lenda explana que certa noite de inverno quando tudo estava nublado e águas agitadas, chegou uma nau lusa repleta de negros, entre homens, mulheres e crianças, todos nus e com grilos nos tornozelos. A longa viagem da embarcação negreira que vinha desde a África ocidental, todos cansados com fome e sede, foi afundada pela armada inglesa perto aos rochedos da Ponta que leva o nome de Pai Vitório. Os poucos sobreviventes fugiram para as restingas da Rasa, naquela época tudo era mato, escondendo-se detrás da ex-fazenda Vila Verde. Parece que existe um cemitério de negros próximo a essa antiga fazenda. A segunda versão conta que um jovem africano, exímio nadador, foi o único que conseguiu salvar-se dessa tragédia. Teria sido um milagre. Com o passo do tempo, esse homem, salvo pelas águas da Rasa, foi conhecido como o Pai Vitório, em lembrança da nau afundada, que se transformou em pregador da religião cristã. Assim, esse padre rezador de origem africana era carismático, respeitado e milagroso. O abade, de estatura média, magro e de cabelos brancos, vestia uma túnica de cor marrom que chegava até o chão. O Pai Vitório subiu no topo do morro, que hoje leva o seu nome, ascendendo uma lâmpada permitiu iluminar a rota para o desembarque, do contrário eles encalhariam em naufrágio e morreriam batidos contra as rochas. E assim, o pai Vitório salvou centenas de pessoas e com sua reza curava outras tantas, os quais seriam posteriormente os primeiros habitantes da Rasa, sendo o bisavô do Senhor Luiz da Rasa e, porém, dos prístinos buzianos.
A análise comparativa dessas duas versões faz concluir que a primeira tem a ver mais com a realidade do contexto sócio-histórico colonial e a segunda é uma criação de um personagem imaginário bom, cristão, herói e salvador frente aos maus, os ingleses. Naquele momento, Búzios tinha-se transformado em ponto clandestino de desembarque de escravos africanos liderado por José Gonçalves da Silva, sendo perseguidos pela marinha inglesa e brasileira, os quais ancoravam tanto nas praias José Gonçalves e Caravelas quanto nas da Gorda e da Rasa e daí levados para a Fazenda de Campos Novos através da trilha do Trapiche. Essa trilha está sendo pesquisada por nossa equipe. Em suma, esta lenda constitui uma das mais belas histórias da colônia de Armação dos Búzios e do surgimento do bairro da Rasa em 1850.
Fotos Ronald Pantoja