Quem conhece bem a região serrana sabe que dentro da área do município de Casimiro de Abreu existe uma localidade chamada “Quilombo”. Este nome desperta a curiosidade por não condizer com o perfil de seus habitantes que ali residem há décadas. Querendo entender porquê aqueles descendentes de suíços moram num local cujo nome se remete ao período de luta pela liberdade e resistência contra a escravidão, a historiadora Renata Lira fez uma pesquisa por mais de 10 anos e a transformou em monografia, filme, dissertação e, agora, livro. O lançamento de “Quilombo na Serra do Mar: a ousadia de lutar pela liberdade” acontece nesta quarta, dia 14, na Câmara de Vereadores, às 17h.
Renata conta que só conseguiu publicar o livro originado de um trabalho minucioso sobre a localidade depois de realizar uma campanha de financiamento coletivo, embora tenha feito esforços para que o Poder Público local se apropriasse e incentivasse a população, sobretudo os estudantes, ao conhecimento sobre a história do município. “É lamentável que a influência da cultura africana seja tão desconhecida pela população da cidade. O conhecimento é libertador e a educação, emancipadora!”, declarou a historiadora que, como contrapartida aos apoiadores autônomos do livro, está distribuindo exemplares em bibliotecas e escolas do município.
Na pesquisa, que é uma verdadeira aula de história do Brasil, Renata encontrou um documento em que descendentes dos imigrantes propõem medidas para minimizar a importância da influência africana na constituição do município de Casimiro de Abreu.
A historiadora conta que um dos lugares especiais escolhidos pelos quilombolas para viver foi a Serra do Mar, onde a colonização portuguesa ainda não tinha avançado, até o início dos anos de 1800. No início dos anos 1820, por ordem de D. Pedro, Príncipe Regente, seus habitantes foram expulsos de suas terras, entregues às recém-chegadas famílias suíças, cujo bicentenário da colonização no Brasil também ocorre este ano.
O Quilombo de Casimiro de Abreu começou a ser destruído pela colonização suíça, que não teve sucesso absoluto em seu empreendimento, porque ele continuou até o século XX. A destruição cabal se deu durante a ditadura militar, depois do AI-5, entre o final da década de 1960 e começo da década de 1970.
Características visíveis até hoje denotam que a localidade era realmente um quilombo: o difícil acesso, a subida íngreme (que até pouco tempo só podia ser feita com veículo tracionado), a altitude aproximada de 750 metros (o que permite uma ampla visão de toda a área) e vestígios de uma agricultura bastante antiga. Durante a pesquisa na Biblioteca Nacional, no Pró-Memória de Nova Friburgo e por meio da aquisição de alguns outros materiais sobre a colonização, tais como manuscritos recolhidos no Brasil e vindos da Suíça, notícias de jornal, censos populacionais, mapas antigos e contemporâneos, fotografias e até mesmo telas da região pintadas por Debret e Rugendas, Renata Lira encontrou provas reais de que a localidade, de fato, era um Quilombo. Entre os documentos, a historiadora descobriu matérias no Diário do Rio de Janeiro, um jornal de quase 200 anos, tratando de pelo menos três quilombos localizados em Macaé e na região serrana.
O Quilombo de Casimiro, localidade vibrante e até pouco tempo quase desconhecida, de luta contra a escravidão, foi relegado ao ostracismo, como se a comunidade de ex-escravos nunca tivesse existido. Apagada literalmente do mapa, a comunidade de escravos fugitivos manteve vestígios na região onde um dia existiu e onde ainda hoje vive o senhor Alci da Silva, mais conhecido como “seu Cici”, um dos sobreviventes do povo quilombola. Com aproximadamente 109 anos, é membro da última família de negros que viveu na localidade serrana, mas que foi expulsa por descendentes de colonizadores suíços, há mais de 50 anos. Atualmente ele mora em outra localidade, também na serra casimirense.