Por Luciano Moojen Chaves.
Morávamos em um belo castelo, no Centro Histórico de Porto Alegre (Castelinho do Alto da Bronze). Que era também famoso espaço cultural. Música, pintura, literatura. Lugar frequentado por Manuel Bandeira, Lupicínio Rodrigues, Mário Quintana, Cecília Meireles, Iberê Camargo, Carlos Scliar, o então Governador Brizola, Fausto Wolff, João Goulart e tantos outros…
Meu velho era o “Dono da Noite” da capital gaúcha. Comandava três boates, frequentada pela alta sociedade gaúcha. Ibrahin Sued chamava-o carinhosamente de “Carlos Machado dos Pampas”; numa reverência ao então dono da noite carioca.
Em 1962, Jango assume a Presidência da República. Pede para meu Pai deixar Porto Alegre para ser redator da Rádio Nacional do Rio de Janeiro (Maior veículo de comunicação do Brasil, na época). Onde ele defendia com muita garra as reformas e os ideais nacionalistas.
Em tempo: Atualmente o Castelinho do Alto da Bronze é um importante Centro Cultural da capital gaúcha. Sob o comando da brilhante poeta Sandra Santos. Ano que vem, este centro de cultura publicará livro inédito de poesias de meu saudoso Pai. Com textos elogiosos de Carlos Drummond de Andrade, Mário Quintana, Manoel Bandeira, Érico Veríssimo, Cecília Meireles e outros.
Fomos morar em um casarão na Praia da Moreninha, Ilha de Paquetá.
Com o golpe militar de 64, Jango foi deposto e exilado. Meu velho demitido, preso e torturado. Foi recuperado moribundo pelo General Cordeiro de Farias, amigo de nossa família. Nunca foi comunista. Vários “comunistas de carteirinha” trabalhavam na Rádio. Cito Mário Lago, Dias Gomes, Paulo Gracindo, Vanda Lacerda e outros. Todos demitidos e penalizados.
Nossa vida degringolou… Fui enviado para casa de parentes, no Sul. Namorei prima irmã. Tio descobriu… Fui expulso. Consegui vaga em uma pensão da pior qualidade na Cidade Baixa (2). Oito homens no mesmo quarto. Já habitava em mim o vício da leitura. Certo dia resolvi não almoçar. Fiz um lanche. Com a grana que sobrou, comprei fio, bocal, tomada e lâmpada. Enrolava no beliche… Lia de tudo. Até mesmo jornais e revistas descartados. Numa noite, o dono da tal pensão pegou-me em flagrante, lendo de madrugada. Fui multado, pois a luz deveria ser desligada às dez da noite. Até sarna peguei neste local!
Papai ajudou muita gente e deixou muitos amigos no Sul. Saudoso Ruy Paraguassú quando tomou conhecimento de minha situação, procurou-me…: “Tu vais morar na minha casa. Não precisarás pagar nada. Nem comida”. Deu-me de presente uma maravilhosa máquina de escrever. Este “empurrão” alavancou minha vida. Estudando como um doido, passei no concurso do Banco do Estado do Rio Grande do Sul. Não aguentei a labuta amarga. Em um ano, pedi demissão e voltei para o Rio.
Nunca mais minha carteira de trabalho foi assinada. Especializei-me em Marketing Cultural, no Centro Cultural da Faculdade Cândido Mendes de Ipanema. Montei Escritório de Arte.
Contabilizo trinta e quatro mostras de Arte nos lugares mais interessantes de Copacabana e Búzios. Inaugurei oito novos espaços culturais. Somente no saudoso e chiquérrimo Le Meridien Copacabana, montei quatorze mostras. Tenho Galeria de Arte onde nada esta à venda. Meu acervo. Quarenta e duas telas – de diversos tamanhos – assinadas por treze artistas.
Vejam a loucura do trauma. Falta de mesa de cabeceira, na tal pensão…
Noutro dia, diarista veio limpar nossa casa. E ela…: “São dez as miudinhas”. E eu: “Estas falando do quê?”. “Das mesinhas pequenas. Limpei todas”. Não tinha notado. Nem nunca me liguei nisto. Inconscientemente fui adquirindo. Sou rato de antiquários… E, tenho também pés de abajur para todas elas…
Vida que segue.
(1) Ovídio Chaves: Jornalista, Compositor e Poeta premiado pela Academia Brasileira de Letras.
(2) Cidade Baixa era uma localidade pobre do centro de Porto Alegre. Hoje em dia é o lugar da moda. Tipo Baixo Leblon e Baixo Gávea. Bons restaurantes…
Texto de opinião. Não corresponde necessária mente a opinião do Prensa.