A reflexão desse texto é uma abordagem a um artigo que muito chamou minha atenção e também preocupação.
Por *George Berner
O artigo trata-se de um comentário do professor Ruy Braga, do departamento de sociologia da USP. Faz referência ao livro de um pensador social estadunidense chamado Guy Standing, chamado ´O precariado: a nova classe perigosa´ (São Paulo, ed. Autêntica, 2013), já publicado no Brasil.
O livro, segundo a abordagem de Ruy Braga, trata-se de uma bem estruturada análise sobre o surgimento de uma ´nova´ classe social, o “precariado”, na definição de Standing. O termo refere-se a “um novo grupo de pessoas despojadas de garantias trabalhistas, submetidas a rendimentos incertos e carentes de uma identidade apoiada sobre o trabalho.”
No livro, Standing analisa os meios pelos quais, segundo Ruy Braga, “a globalização econômica por meio da flexibilidade do trabalho ampliou incessantemente o tamanho do precariado e é verdadeiramente arrasadora”.
Segundo o professor, Standing submete a sua reflexão as relações de trabalho nos países de capitalismo avançado da Europa e Estados Unidos, porém, dando pouco espaço aos países de economia menos estruturada, como é o caso dos países da América Latina ou “Sul Global”.
No comentário de Braga, o autor da obra menciona que esses “indesejáveis” ou “precariados” foram deserdados da herança das garantias sociais e trabalhistas de seus antepassados, sendo por isso, o “filho indesejado do casamento do neoliberalismo com a globalização do capital“.
Essa geração desprovida e “destituídas das garantias sociais relativas ao vínculo empregatício, a segurança no trabalho, às formas de reprodução das qualificações, à segurança da renda e à falta de representação política” podem ser objetos de manipulação nas mãos do grande capital.
Toda aquela segurança garantidas pelo Estado de Bem-Estar Social, no período pós-fordista, o que o sociólogo polonês Zygmunt Bauman classificou de Modernidade Sólida, e que, agora, com a fusão do grande capital financeiro e tecnológico, o neoliberalismo financeiro-corporativo, vem negar a estas gerações de jovens, que outrora foram conquistados por gerações passadas, conhecidas por baby boomers.
Numa outra abordagem de Standing, capturada pelo professor Ruy Braga, nos diz sobre certas características dessa geração de “precariados” e nos mostra um aspecto assombroso. Uma realidade construída com intolerância, retorno a um nacionalismo xenófobo e grosseiro, “enfatizam a contribuição de Guy Standing ao debate público contemporâneo: o alerta sobre a natureza perigosa, isto é, neofascista, dessa nova classe”.
Segue adiante Guy Standing, perfilando sua serena análise sobre o perfil do “precariado” como sendo uma geração “alienada, ansiosa, insegura, infantilizada, oportunista, cínica, passiva – tanto mental como politicamente – além de detentora de um estado psíquico nebuloso. Não é de se estranhar, portanto, que o precariado seja considerado potencialemente hostil ao regime democrático, além de uma presa fácil aos direitistas.”
Mesmo num cenário geográfico-político, como a Europa Ocidental e até os Estados Unidos, até por conta de suas diversidades étnica, econômica, histórica e social, temos certas similaridades com uma realidade pra cá do “Atlântico Sul”.
Numa perspectiva da América Latina, com as novas mudanças no campo do trabalho e da reforma da previdência, passando pelas “novas” políticas no campo da educação, como a proposta de uma reforma do ensino médio “modernizador”, estamos num paralelo similar à definição do conceito de Standing.
Um artigo do economista estadunidense Jamie Morgan, membro do comitê editorial do Journal of Critical Realism, como bem classificou em seu artigo “Linguagem Privada, Vocabuláio Público”, onde o texto trata de um conflito geracional. Diz um trecho de Morgan “Há aqueles que aceitaram o inevitável e aqueles que não aceitaram. O inevitável, naturalmente, é a linguagem do mundo de pernas para o ar do neoliberalismo. A linguagem básica, das forças dos imperativos e das necessidades do mercado, faces as quais só se pode aquiescer.”
Ao lidar com essas realidades, seja na Europa, na Ásia, na África, nas Américas, os arautos do poder mercantil, globalizado, dissimulam seus discursos, por vias eleitorais, forjando e floreando os graves problemas da pobreza, fomes, dívidas, degradação ambiental e humana.
E como bem assenta Jamie Morgan “ao invés demasiada intervenção constitui o mal e não a cura. É como dizer que as armas não matam pessoas, as pessoas são que matam pessoas.”
*Leia outros textos do George Berner,, professor de Sociologia da Rede Estadual de Ensino. Mora em Cabo Frio.
FONTE: Revista Sociologia; Ed. 52; Escala, Editora.
Braga, Ruy, pág. 50; comentário sobre a obra de Guy Standing)
Revista: Letra Livre; Linguagem Privada, Vocabulário Público)