Neste sábado (1), Búzios recebeu a 16ª edição da Festa de Iemanjá, evento que já faz parte do calendário cultural da cidade. Realizada pelo terreiro Kwe Asé Dóya Nidan, sob liderança de Mãe Fernanda de Oyá, a celebração aconteceu, como de costume, no Píer de Manguinhos, reunindo fiéis, simpatizantes e admiradores das religiões de matriz africana. Este ano, a festividade contou com um reforço histórico: a presença da secretária da monarquia do Reino de Dahomé, no Benin, fortalecendo a conexão entre a África e a tradição religiosa preservada no Brasil.
O Papel de Mãe Fernanda e o Legado do Candomblé em Búzios
Líder espiritual respeitada, Mãe Fernanda é uma referência do Candomblé na Região dos Lagos. Fundadora do primeiro terreiro de Búzios, Kwe Asé Dóya Nidan, há 18 anos. Mãe de santo, há quase três décadas, Fernanda carrega o título de Gaiaku, o mais alto grau dentro da tradição do Candomblé, indicando que já cumpriu todas as obrigações espirituais com os orixás. Aos 71 anos, segue comprometida com sua missão de acolhimento e orientação espiritual.
Nascida em Portugal, em uma família católica tradicional, sua jornada espiritual começou ainda na infância, quando problemas de saúde levaram seus pais a buscar tratamento na umbanda. Por 23 anos, ela seguiu essa linha religiosa, mas, ao adoecer novamente, foi aconselhada a buscar o Candomblé. Desde então, sua vida se transformou e, com o tempo, tornou-se uma referência no culto afro-brasileiro em Búzios e no Brasil.
Seu terreiro, localizado no bairro Rasa, é um espaço de acolhimento e fé, oferecendo atendimentos espirituais através do jogo de búzios e organizando celebrações anuais, como a Festa de Oxum (em maio) e a Festa de Oyá (em outubro, seu orixá regente). Em 2019, o local sofreu um ataque durante uma festividade, quando pedras foram arremessadas contra o barracão, um episódio que evidenciou a intolerância religiosa ainda presente na sociedade.
“A sociedade tem dificuldade de compreender as diferenças. Isso é do ser humano, mas o nosso trabalho é ajudar a gerar um mundo de tolerância e paz. ”, reflete Mãe Fernanda sobre os desafios enfrentados por praticantes das religiões de matriz africana.
Festa de Iemanjá: Devoção e Sustentabilidade
A celebração deste ano reafirma o compromisso dos organizadores com a preservação ambiental. Para evitar impactos negativos, a festa não contou com fogos de artifício, garantindo o respeito à fauna local. Os rituais incluíram cânticos, oferendas e momentos de reflexão, em uma cerimônia que busca a conexão entre os devotos e a Rainha do mar.
A Praia de Manguinhos se tornou mais uma vez palco de uma das mais importantes manifestações culturais afro-brasileiras da região, reforçando a diversidade religiosa de Búzios. O evento cresceu ao longo dos anos, fortalecendo não apenas a fé dos adeptos, mas também o reconhecimento da importância das tradições afrodescendentes no Brasil.
A Conexão entre Brasil e o Benim
A presença da secretária da realeza do Reino de Dahomé, Gayakú Vera Pano, na festa deste ano reforça um laço ancestral. O Benim, país de forte influência no Candomblé, reconhece o terreiro de Mãe Fernanda como um dos guardiões da tradição africana no Brasil. A monarquia do Reino de Daomé, uma das monarquias constituintes do país, mantém vínculos históricos com a diáspora africana, e o terreiro buziano é um dos poucos a preservar práticas rituais inalterados desde os tempos da escravidão.
Os Monarcas de Benin já estiveram no Brasil, no Ásè maior da Nação Jeje-Mahin, o Kwè Cejá Obafú Nidan, localizado em Cachoeira, na Bahia, consolidando essa relação com o país. O reconhecimento do terreiro de Kwe Asé Dóya Nidan como parte desse legado reforça a relevância cultural e espiritual da comunidade religiosa de Mãe Fernanda.
A Preservação da Tradição e a Luta Contra a Intolerância
Ao longo dos anos, a Festa de Iemanjá em Búzios se tornou um espaço de resistência cultural e religiosa. Apesar de episódios de intolerância, a celebração segue firme, promovendo a valorização do Candomblé e do respeito à diversidade.
“Fui avisada de uma missão grandiosa”, afirma Mãe Fernanda ao relembrar sua trajetória. Sua dedicação ao terreiro e às festividades religiosas ajudou a fortalecer o Candomblé na região, tornando Búzios um dos poucos municípios a contar com uma tradição consolidada de celebração pública a Iemanjá.
Neste sábado, fiéis e admiradores se reuniram mais uma vez para saudar a Rainha das Águas, reafirmando a força de uma fé que atravessa gerações e fronteiras, mantendo viva a tradição ancestral de conexão entre o Brasil e a África.