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Eu assisti ao documentário sobre a “outra História do Golpe de 64”. Entre Armas e Livros”, um documentário produzido e distribuído nas redes sociais pela produtora “Brasil Paralelo”, é a versão brasileira daquilo que nos Estados Unidos passou a ser conhecido como “alternative facts”, expressão que ganhou notoriedade com a eleição de Donald Trump, ou seja, a partir de 2016.

Entre Armas e Livros” é um documentário que em poucos dias ganhou milhões de visualizações no YOUTUBE. Tudo indica que ele não foi produzido para ser exibido nos cinemas, mas para servir como uma eficiente peça de promoção nas redes sociais. A plataforma de vídeos do YOUTUBE é o ambiente perfeito para que este tipo de conteúdo cumpra a sua missão mais importante, qual seja, a de chegar praticamente a todos os lares brasileiros, desde que exista uma conexão de Internet.

É uma boa estratégia de marketing, deve-se reconhecer.

Um “alternative fact” não deixa de ser um paradoxo, afinal se “um fato é um fato”, e todas as evidências convergem para ele, como explicar que exista algo “alternativo” a este mesmo fato? Por exemplo, a Gravidade é uma força que realmente existe, e isto é um “fato”. Um “alternative fact” é como se eu estivesse dizendo que “existe um fato alternativo” à Gravidade, o que me leva a supor que se eu experimentar pular de edifício de 20 andares, provavelmente não iria me esborrachar lá embaixo. Em linhas gerais, essa é a lógica que está por trás dos “fatos alternativos”. No domínio da Física básica, afirmar que existe uma “versão alternativa” à existência da Gravidade é visivelmente um absurdo, mas quando o assunto é as Ciências da Sociedade, como é o caso da História, este tipo de lógica, por incrível que pareça, torna-se atraente a muitas pessoas.

Basicamente, a narrativa do documentário que teve milhões de visualizações no YOUTUBE narrativa que por incrível não é nada de nova, muito pelo contrário. Os diretores na verdade, limitaram-se a fazer uma releitura de uma antiga versão dos acontecimentos que levaram ao Golpe de 64, muito popular nos primeiros anos da Ditadura Militar. Era a versão que descrevia o Golpe Militar como uma atitude “preventiva” contra forças políticas que conspiravam para manter o governo João Goulart a qualquer custo no poder.

Segundo essa mesma versão, tais forças tinham o “apoio externo”, materializado na ajuda financeira e de pessoal dos países comunistas. Todos estes elementos da antiga narrativa estão presentes no documentário, a ajuda soviética e de seus países aliados, a criação de campanhas de “propaganda comunista” em escolas e sindicatos, etc.

Tudo isso já era dito nos anos 60, mas o documentário apresenta “fatos novos”, a partir de descobertas realizadas nos arquivos recém-abertos dos antigos países do Leste Europeu. Sou capaz de apostar que cada brasileiro que fez uma visualização deste documentário no YOUTUBE entendeu o sentido dessa mensagem, e ela é bem simples: oferece-se “uma versão alternativa” àquilo que historiadores e pesquisadores escreveram ao longo de anos, desde a redemocratização no Brasil. Esta “versão alternativa” parte da premissa de que o que está escrito nos livros de História não é “toda a verdade”. Mas, por que motivos este tipo de apropriação do passado ganhou tanta popularidade?

Atualmente, na área de História existe uma grande discussão acerca daquilo que passou a ser conhecido como “História Pública”, ou seja, a divulgação feita pelo historiador da produção científica para o público em geral, sem ficar preso tão somente à academia. A proliferação de “fatos alternativos”, mostra o quão incipiente ainda são os esforços de consolidar no Brasil a História Pública.

O reconhecimento (na minha opinião tardio) de que o historiador deve escrever para um público mais amplo, não impediu que outras pessoas apresentassem suas “versões alternativas” dos fatos da História. Desejo discutir aqui uma tese que gostaria de desenvolver que pode ser explicitada nos seguintes termos. Por mais que o historiador tente, atualmente ele não tem condições de sozinho, deter a avalanche de “fatos alternativos” que a cada dia surgem com mais e mais revisionismos. Sou de opinião que a proliferação destes “fatos alternativos” colocou em xeque a maneira como o historiador vem escrevendo a História, desde o século XIX. Explico.

Tradicionalmente, desde o século XIX o que o historiador escreve goza de credibilidade científica, no entanto a Internet nos encheu de blogs, redes sociais e vídeos oferecendo as mais diversas versões sobre os mesmos eventos históricos descritos, analisados e explicados pelo historiador. Para cada artigo científico publicado por um historiador ou arqueólogo afirmando que as pirâmides de Gizé foram construídas com o esforço de milhares de trabalhadores, existe agora um sem número de documentários, vídeos, blogs e fóruns de discussão que alimentam a tese de que seres extraterrestres foram responsáveis pela engenharia e construção destas mesmas pirâmides. Como lidar com isso concretamente? Um exemplo talvez ajude.

Na Espanha, negar ou diminuir os efeitos da Ditadura de Francisco Franco é uma tarefa bem mais difícil do que em países como o Brasil.

Por mais de 40 anos, a Espanha foi governada por uma ditadura claramente fascista. Por todo esse tempo, o regime do General Francisco Franco produziu uma infinidade de documentos sobre o funcionamento do Estado Espanhol e como este Estado tratava os cidadãos.

Com a morte do ditador e o processo de redemocratização espanhola, criou-se desde muito cedo uma profunda consciência de que a memória daqueles tempos de ditadura deveria ser ao mesmo tempo preservada e tornada acessível a todos os cidadãos espanhóis, anos antes do advento da Internet. Desde então, as autoridades espanholas não tem medido esforços, no sentido de levar esta memória ao maior número possível de pessoas, por meio de programas de digitalização de documentos, exposições, eventos, e tantas outras iniciativas. Atualmente, um grande número de sites na internet permitem a consulta a milhares e milhares de documentos e imagens deste passado que o povo espanhol insiste em não esquecer.

Depois de mais de 30 anos de esforços no sentido de tornar público e acessível este patrimônio histórico, posso dizer que a Espanha é um dos poucos países onda esta onda revisionista da História não produziu tantos estragos. Salvo engano, não tenho conhecimento de movimentos revisionistas cuja finalidade seja negar, ou mesmo diminuir, o impacto da ditadura franquista durante a sua vigência.

Minha tentativa de explicação é que na Espanha, quando a população teve amplo acesso ao seu passado, ela tornou-se, por assim dizer, “curadora” desta mesma memória. O hábito de ter sempre acesso a estes documentos, incentivado desde os primeiros anos na Escola, assim como a disponibilidade deste acervo na internet criou um ambiente onde cidadãos comuns sentem-se encorajados conhecer melhor o passado de sua comunidade, de sua cidade e de seu país. Qualquer um, com pouco de paciência e diligência pode verificar a autenticidade de uma versão “alternativa” dos fatos do passado da ditadura franquista na Espanha. Isso em nenhum momento diminuiu a importância do trabalho dos historiadores “profissionais”, ao contrário. Sou de opinião que o controle coletivo deste patrimônio histórico impede que as distorções do passado cheguem a níveis alarmantes, como têm acontecido no Brasil. Se o leitor chegou até aqui neste texto já deve ter deduzido a razão de ter escrito este ensaio.

Se a “História Pública” deve ter algum significado, para além dos inúmeros congressos e seminários acadêmicos realizados a respeito, acredito que deve ser no sentido promover na sociedade, o controle coletivo do seu patrimônio histórico, abrindo com isso a possibilidade de se criar um “antídoto” contra a proliferação destes “fatos alternativos”.

*Paulo Roberto Araújo é historiador e suburbano convicto

Noticiário das Caravelas

Coluna da Angela

Angela é uma jornalista prestigiada, com passagem por vários veículos de comunicação da região, entre eles a marca da imprensa buziana, o eterno e irreverente jornal “Peru Molhado”.

Coluna Clinton Davison

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