Uma palavra, assim como uma moeda circula de mão em mão, aliás de boca em boca. Se uma moeda passa por muitas mãos, o material do qual ela foi feita tende a se depreciar. Algo muito parecido ocorre com as palavras, e também com as ideias. Quando conceitos são usados fora do seu contexto, ou de uma maneira diferente daquela que deu origem à sua criação, eles perdem não apenas o significado original, mas passam a ser usados até de maneira contrária ao seu objetivo inicial.
Tomemos, uma palavra/conceito, essa oriunda da Física: “Quântico”. Atualmente, este conceito, criado no início do século XX, por cientistas como Niels Böhr, Werner Heisenberg e Max Planck, é empregado para quase tudo. Eu já vi gente vender um “Colchão Quântico”, se ele alivia dores nas costas, não sei.
Nas Ciências Sociais, e mais especificamente na Ciência Política acontece a mesma coisa: conceitos são banalizados de tal maneira, que seu sentido original se perde, dando lugar a mais confusão do que explicação. É o caso do termo “Fascismo”. Atualmente, a disputa política no Brasil assumiu de vez a tendência à polarização, e esta polarização é um terreno fértil para todo tipo de reducionismo. Em uma polarização, ambos os lados tentam “encaixotar” o outro em uma caracterização muito estereotipada, e por isso mesmo, distante da realidade.
Um sociólogo alemão de nome Max Weber chamava isto de “ideal tipo”, ou seja, para Weber, um “ideal tipo” era um modelo, uma idealização de uma realidade social. No entanto, esse modelo tinha um objetivo muito específico, o de resumir uma enorme quantidade de dados empíricos coletados que servissem de base para explicar uma determinada realidade social.
O termo “Fascismo” hoje tem sido empregado para qualificar o perfil do candidato que hoje disputou com Fernando Haddad a Presidência da República. O problema com esta caracterização é que minha opinião, ela é errada. Explico. Em primeiro lugar, ela recorre ao anacronismo histórico, ou seja, usa um termo ou época que existiram no Passado, mas com seu significado é inteiramente alterado. O “Fascismo”, enquanto realidade histórica foi um sistema político, cuja existência e legitimidade tinham certas características que no caso Brasileiro, nunca ocorreram. Vamos a elas:
A existência de um Partido Único
Seja no caso alemão ou italiano, um único partido, quando chegou ao poder, monopolizou toda a Política, tornando inúteis as instituições de representação, como outros partidos e por extensão, um Parlamento. Não havia por isso, “intermediários” políticos, entre o cidadão e uma liderança política;
A existência de uma Ideologia Estatal Nacionalista
Por maior que seja, a verborragia autoritária de um candidato como Jair Bolsonaro, ou mesmo a “torcida” que seus correligionários expressam pelo “Mito”, ele, Jair Bolsonaro, não é o porta voz de uma ideologia criada pelo Estado Brasileiro, e mais, mantida por ele. Em todos os regimes fascistas existiu esse apoio do Estado para a manutenção e a legitimidade de sua ideologia foi crucial.
Alguém poderia argumentar, de maneira muito razoável, que uma Ditadura Militar como a que tivemos no Brasil por mais de 20 anos a partir de 1964, ou mesmo a chilena, sob o comando de Augusto Pinochet poderiam ser caracterizadas como “fascistas”. Também não, e aqui é importante estabelecer uma diferença crucial: todo regime fascista é autoritário, mas nem todo autoritarismo é fascista.
Esse é o caso brasileiro, nossa cultura política tem séculos de autoritarismo, mas mesmo assim, não chegamos a ter um sistema político próximo ao Fascismo italiano, ou ao Nazismo alemão;
O desenvolvimento e a manutenção de uma milícia armada e uniformizada
Tanto na Itália, quanto na Alemanha, assim como em países como a Hungria, ao lado das forças de segurança militares e da Polícia regular, os fascistas criaram, mantiveram e apoiaram grupos paramilitares, que muitas vezes tinham mais poder do que estas mesmas forças de segurança. No Brasil, o único Partido que chegou próximo a algo semelhante, foi a Ação Integralista Brasileira, criada em 1932, por Plínio Salgado. Em 1938, sabedor de que uma agremiação deste tipo era uma ameaça ao seu poder, Getúlio Vargas, cassou, prendeu e puniu os líderes, e os membros da AIB, prova de que no Brasil, o autoritarismo falou mais forte do que uma ameaça de fascismo;
O desenvolvimento de uma estrutura econômica fortemente amparada pela ação do Estado
Seja na Alemanha, ou na Itália o que conhecemos como “Capital Privado” passou a ser fortemente regulado pela ação do Estado. Empresas não foram fechadas, mas sua atividade foi totalmente subordinada à demanda do Estado. Assim, uma siderúrgica como a Thyssen Krupp alemã, em vez de direcionar suas atividades para os mercados externo e interno, produzia única e exclusivamente para o Estado alemão. Nem mesmo quando a Ditadura Militar brasileira estava no auge tivemos algo sequer parecido.
Bem, então o que seria Jair Bolsonaro? Basicamente, um político populista e autoritário assumidamente de Direita. Personagens assim, já fizeram parte de nossa história, e ao que tudo indica, Bolsonaro parece ser uma versão atualizada desta velha tradição política brasileira. Nesse sentido, não considero Jair Bolsonaro um “fascista”, ainda que muitas de suas atitudes possam levar o público em geral, a confundir seu comportamento e suas ideias, com aquilo que realmente podemos classificar como “Fascismo”.
Resta a pergunta: mas não estamos assistindo à uma escalada do “Fascismo” em todo o mundo, inclusive no Estados Unidos, depois da vitória de Donald Trump? Improvável. Estamos sim, assistindo a um movimento internacional onde muitos partidos com características populistas de extrema direita encontram espaço na política. No entanto, mesmo assim considero isso algo muito diferente daquilo que aconteceu nas décadas de 20 e 30 do século XX.
Para saber um pouco mais sobre o que penso de Jair Bolsonaro, tem este artigo publicado no Medium.
Paulo Roberto Araújo é Professor de História e Suburbano Convicto