Por Mark Zussman
Assim que o monstro da Trump Tower assumiu a presidência dos Estados Unidos, os americanos, ou pelo menos uma porção expressiva deles, começaram a se mobilizar para pedir o seu impeachment. Só no Facebook, tem páginas e “comunidades” com nomes como Impeach Trump, Impeach Donald Trump, a muito urgente Impeach Trump Now, a igualmente urgente Impeach Trump 2017, e a enfática IMPEACH DONALD TRUMP, toda em maiúsculas.
Não tenho conta no Facebook. É a minha mulher Barbara que me mantêm informado. Mas eu encontrei uma versão da página chamada Impeach Trump Now na Internet, fora do Facebook . (O endereço: https://impeachdonaldtrumpnow.org.) Preenchei o formulário com nada mais do que nome, sobrenome, email, cidade, estado, código postal – e enviei. E vocês, amigos e vizinhos e brasileiros, poderiam fazer a mesma coisa se vocês também quiserem entrar no jogo.
Sob “state” (estado), é só clicar “other” (outro). Eu sou cidadão norte-americano, mas é isso que, até eu, fiz. Nenhum agente da lei norte-americana vai aparecer à sua porta com um mandato de busca e apreensão, muito menos para prender você. A interatividade é um dos prazeres idiotas do nosso tempo. Eficaz ou não eficaz, a participação, na forma de um clique, sempre dá uma aprazível corrente de emoção.
Mas o ato, ou gesto, é eficaz? Pelo menos um pouco?
É claro que nenhum presidente americano vai ser privado do seu cargo por causa de um simples abaixo-assinado – nem mesmo por causa de algumas dezenas ou centenas de manifestações tumultuosas nas ruas. (Por isso, existem cassetetes, canhões de água, gás lacrimogêneo.) O impeachment lá, assim como o impeachment aqui no Brasil, é um processo parlamentar. No fim das contas, dois terços dos Representatives lá – o equivalente dos deputados aqui – têm que achar as acusações contra o mandatário suficientemente graves para encaminharem o caso para o Senado. Dois terços dos Senadores têm que achar as acusações suficientemente persuasivas para destituírem o mandatário do seu cargo.
(Os processos nos EUA e no Brasil têm diferenças significantes também. Aqui, por exemplo, Dona Dilma foi afastada do seu cargo, temporariamente, assim que o Senado votou para abrir o processo. Lá, o presidente fica no seu cargo durante o julgamento no Senado. E, lá, o Senado não vota sobre a abertura do processo. Se a câmara baixa votar para impeachment, o Senado julga. Obrigatoriamente. E mais uma coisa. A palavra impeachment não aparece na Constituição brasileira e, francamente, eu nunca entendi, durante o drama do ano passado, a que exatamente os brasileiros se referiam quando falavam de impeachment, ou impitimem. Nos EUA, o impeachment, propriamente dito, ocorre quando os Representatives, os membros da câmara baixa, votam para encaminhar o caso para o Senado. Na linguagem especializada da Constituição mas também na fala quotidiana, o verbo impeach não significa nada mais do que questionar integridade – a integridade de alguém. Um presidente americano sendo julgado no Senado, em outras palavras, já foi impeachado – mas não é destituído do cargo até que dois terços dos Senadores, depois de muita argumentação exultada, votem para destituí-lo. E isso é outra coisa – do mesmo jeito como ganhar o troféu é diferente de voltar a casa de mãos vazias.)
Impeachment é uma maravilha! Impeachment é demais! É crise, é claro. É cheio de insegurança e suspense. (A República está em perigo! Talvez a República entrasse num espiral da morte!) Mas impeachment também é circo. É show. É entretenimento. Dá matéria para muita conversa fiada. (A República está em perigo mortal? Os militares vão entrar no jogo? Nada mais divertido do que isso . . . fique ligado! Essa noite, ano passado, por exemplo, quando todos os deputados anti-Dilma dedicavam os seus votos às suas tias-avós e às suas professoras de português de segunda série, adorei. Mal levantei para tirar mais uma garrafa de espumante da geladeira.)
Ao longo dos dias tensos do espetáculo de impeachment, os parlamentares – seja no Brasil, seja nos EUA – laboram para convencer o público que a majestade da Constituição tenha sido lesada descaradamente, e com certeza não há impeachment sem os parlamentares encontrarem algum texto (pretexto?) na sua Constituição, não importa quão tênue, para justificar o seu ardor para um novo rumo, mesmo radicalmente diferente, no governo do país. No Brasil, tem que ser crime de responsabilidade, como agora todos nós sabemos. Essas pedaladas fiscais, por exemplo. Nos EUA, tem que ser “Treason, Bribery, or other High Crimes and Misdemeanors”, ou seja, “traição, suborno, ou outros delitos ou crimes graves.”
É por isso que o impeachment quase sempre tem cheiro de canalhice e deixa um mau gosto, mesmo se de vez em quando a gente aprecia uma boa comilança canibal. As justificações pelo regicídio (e de uma certa forma, é isso, sim) nunca coincidem perfeitamente com os motivos pelos quais o mandatário está sendo despachado na realidade. Semelhanças demais com a condenação de Al Capone, o chefe da máfia em Chicago, por sonegação de impostos, em 1931, e não pelo seu reinado homicida no submundo da cidade. Gostoso. Uma delícia. Mas deixa esse mau gosto. Inevitavelmente.
Alguém aqui se lembra, por acaso, do impeachment do Presidente Bill Clinton no meio do seu segundo mandato, em 1998? As acusações surgiram como resultado da sua relação sexual com uma estagiária, mas não exatamente por causa dela. A Constituição americana não versa sobre o conduto sexual do presidente. A justificação do impeachment foi que, a respeito da sua aventura extraconjugal, Clinton mentiu sob juramento – e havia um ou dois outros crimes do mesmo gênero, digamos, derivativos. O real motivo pela perseguição? Os Repúblicanos tinham controle da câmara dos Representatives e viram a possibilidade, se não de destituir o Democrata da Casa Branca – todo mundo sabia que não haveria votos o suficiente no Senado – pelo menos de complicar a vida dele e dos Democratas em geral. Era um momento ridículo e altamente vergonhoso na história dos EUA – e um dos momentos em que a nova política de guerra de trincheiras tinha uma virada brusca para pior.
Se, um dia, o idiota Trump for impeachado, as acusações citarão sua violação da chamada Emoluments Clause, ou Cláusula de Emolumentos, que, na Constituição americana, proíbe os servidores públicos de aceitarem quaisquer valores de “qualquer rei, príncipe, ou Estado estrangeiro.” Poderia ser pleiteado que, desde os primeiros dias da sua administração, Trump vem usando vários dos seus negócios não somente para lucrar do desejo dos reis, príncipes e Estados estrangeiros de influenciá-lo mas, inclusive, para achacá-los. Robert Reich, o secretário de trabalho durante todo o primeiro mandato de Bill Clinton, agora professor de política pública na Universidade da Califórnia, e um dos grandes líderes do movimento pró-impeachment, alega também que Trump poderia ser culpado de traição por suas negociatas com a Rússia durante a campanha e por suas violações da Primeira Emenda à Constituição que garante liberdade de religião e imprensa.
Os verdadeiros motivos para acabar com o monstro são diversos. Ele é um demagogo autoritário. Falastrão. Mentiroso. Uma fonte de idéias e políticas nocivas se não ruinosas para todos menos os super-ricos. Mas o povo americano tem o direito de eleger um presidente que se encaixa em qualquer uma dessas categorias ou em todas. Não há nada na Constituição que impeça. Assim, a cláusula de emolumentos. É como quando a loja não tem exatamente o produto que procurávamos, a gente se contenta com outro.
Uma pesquisa pelo instituto Public Policy Polling indicou que, só no mês de fevereiro, a porção de americanos querendo instaurar um processo de impeachment contra Trump cresceu de 35 por cento até 46 por cento. Quase um milhão de pessoas já colocaram os seus nomes no já mencionado abaixo-assinado Impeach Trump Now.
Então, o show vai começar?
Desculpe o desapontamento. Eu, sendo norte-americano de nascença, gosto do sonho. Mais do que vocês. Mas, por enquanto, não. Até Robert Reich concedeu esta semana que o show não vai acontecer tão cedo assim.
O sentimento da população é uma coisa. Os cálculos dos parlamentares são outra coisa. E, por enquanto, os Republicanos no Congresso estão convivendo com o cara. Eles e ele não vêem as coisas da mesma forma. Eles, em geral, são arautos de uma forma de capitalismo mais desenfreada do que a versão favorecida pelos Democratas. Ele é – ou finge ser – populista e nacionalista. Duas escolas bem diferentes sob a mesma tenda. Mas tem sobreposição o suficiente para eles ainda se aproveitarem dele e ele se aproveitar deles. Os parlamentares sabem do crescente descontentamento dentro do território nacional, mas também são muito bons – são craques – a ler e interpretar todos os sinais. Eles sabem, por exemplo, que, até agora, o descontentamento é limitado, quase inexistente, entre os camponeses (ou equivalente) com os seus forcados e forquilhas. É preocupante só entre os verdadeiros pobres e seus aliados entre as classes profissionais. Uma parte dos pobres, os imigrantes ilegais que trabalham nos porões dos hotéis e hospitais, está com medo demais de deportação para se manifestarem, e as classes profissionais só têm cartazes e abaixo-assinados como armas. E, pela maior parte, vivem em estados como Califórnia e Massachusetts e Nova York que não importam muito para os Republicanos.
Falei, no meu título, de um remédio mais caseiro.
Nada travesso. Ia mencionar alguns feitiços, exorcismos e outros ritos mágicos que encontrei na Internet e em outros lugares. Velas. Ossos de galinha. Mas, na verdade, não acredito nem nos abaixo-assinados nem nos feitiços.
Talvez seja o suficiente assistir, de fora do campo, enquanto a administração Trump e os Republicanos se autodestruam. A legislação Trump-Republicana que evisceraria o ato de seguro de saúde da Era Obama – uma loucura! Suicídio para todos que propuseram e todos que apóiam. Por que empurrarmos quando eles vão cair por causa da sua própria arrogância e imperícia?