Faleceu na última madrugada no hospital municipal uma das figuras mais interessantes que passou por Búzios nos últimos tempos. João Evangelista, mais conhecido como Paul Sapateiro, estava há dias internado e não resistiu. A causa morte não havia sido determinada até o momento em que comecei a escrever este texto, mas, dado o estilo de vida que o Paul escolheu para si, não é difícil imaginar. Paul sofria de uma das doenças mais terríveis que existe: o alcoolismo. Muita gente ainda acredita que a pessoa é ‘cachaceira” porque quer. Pode ser em alguns casos mas, em geral trata-se sim, de uma enfermidade.
Paul era uma figura. Chegou a Búzios uns 10 anos atrás vindo (segundo ele, pois o safado era um mentiroso contumaz) da cidade de Niterói, ou mais precisamente do bairro Jardim Catarina, em São Gonçalo. Niterói entrou na história, pois era lá que morava uma irmã do Paul – segundo o mesmo. Irmã essa que veio á Búzios umas cinco vezes (segundo ele) e que ninguém jamais a viu. Em Búzios, saltou do ônibus da Salineira no ponto final, lá no bairro da Armação. Logo fez amizade e, começou a trabalhar na Praia da Azeda. Montava e desmontava cadeiras e guarda-sóis, vendia espetinho, limpava a areia, etc.
Saiu da praia e passou ajudar o Manel de Minelli, em seu restaurante na Ola Bardot. Depois foi ajudar o Fernando no Bar do mesmo, no ponto final dos ônibus da Salineira, ali mesmo onde colocou pela primeira vez os pés em Búzios. Quase sempre bêbado mal vestido e dormindo nas calçadas, dizia á todos que era sapateiro de profissão. Poucos acreditavam. Fernando, no entanto, resolveu pagar para ver e montou uma sapataria numa lojinha desativada que tinha ao lado. E não é que o paraibano natural da cidade de João Pessoa havia falado a verdade?
A Sapataria logo virou um sucesso e Paul – que na Armação e redondezas era conhecido como Biro-Biro (antes, quando chegou na cidade recebeu o apelido de Cu de Burro, somente quando ele se mudou para o centro é que passou a ser chamado de Paul), logo começou a ganhar dinheiro e gastou tudo em material e ferramentas. Agora sim, ele tinha uma profissão reconhecida e pública, afinal, ele era o único sapateiro de Búzios. Existem outros, nenhum como ele, mas que na verdade estão mais para engraxate que sapateiros.
Paul (que chamava todo mundo de paul, independente da identidade de gênero) logo abandonou a Sapataria e voltou a morar nas ruas. Pegou uma infecção nas pernas (sofria de má circulação graças há anos de tabagismo) e quase sofre dupla amputação. Foi salvo pelo pastor Sergio Naves do Crer VIp, ONG que cuida e recupera dependentes químicos. Banhos e mais banhos de chá de Aroeira devolveram a saúde às pernas do Paul. De alta, depois de brigar com quase todos no Crer Vip e de até ter colocado uma psicóloga para chorar (Sergio Naves dizia que o Paul sempre foi um interno diferenciado) Paul voltou para o cotidiano da cidade e se instalou na Praça Santos Dumont. Aonde finalmente deixou de ser o Biro-Biro da Armação e passou a ser o Paul que ontem nos deixou.
A sapataria itinerante
Veio à tona novamente a vontade de ter uma sapataria. Tinha, com meu ex-sócio Claudio Rodrigues, uma pequena loja fechada ao lado da Praça Santos Dumont. Paul tomou a loja para ele. Junto com Claudio e Carlos Terra, juntamos 6 mil reais e com o taxista Didi, fomos até o Rio comprar material. Essa loja durou três meses. Um dia o sapateiro largou tudo e foi morar na rua. Meses depois um Italiano que conheceu o trabalho do Paul, acreditem, montou outra loja para ele. Essa loja durou um mês. Belô, um grande buziano morador da Rua do Sossego cometeu a mesma loucura que Fernando, eu e o italiano. Deu ao Paul uma imensa loja com direito a suíte e, pasmem, acesso as casas da família- onde Paul fazia suas refeições. Dois meses depois essa loja também foi abandonada e Paul passou a trabalhar na rua mesmo. Na Praça Santos Dumont.
Primeiro em frente á minha loja e depois, ao lado. Faturava mais de 300 reais por dia. Desse montante, 200 era lucro. Uma conta básica mostra que ele ganhava quase 6 mil por mês. Para montar e desmontar sua ‘loja’, por assim dizer, ele tinha dois amigos. Márcio Careca, e um senhorzinho cujo nome ninguém sabe. Os três tomavam café da manhã na Padaria do Guilherme. Antes das oito da matina já estava com a banca montada – que funcionava até o fim do dia. Um dia Paul me procurou, pois estava encafifado com alguns números. Disse que gastava 10 reais de café, 30 de almoço (três quentinhas) e mais 30 no fim do dia com cigarros, cachaça e lanche para eles e os dois amigos.
“Gasto 70 reais por dia. Isso dá 2.700 reais por mês. Sem gastar nada com limpeza, banho, casa, água, luz, telefone, internet, roupa, transporte, etc. Quase 3 mil reais! Não entendo como um pai de família casado, com filhos e pagando aluguel pode viver de salário?”.
Ele era assim: tinha jeito de mendigo, dormia nas ruas, comia o que lhe davam, mas, era capaz de discutir eleição americana, juros bancários, futebol, crise na argentina, surf, igreja e capoeira. Paul morreu como queria. Vivendo a vida que escolheu para si.