Paralisação completa 37 dias e ocorre em oposição à convocação antecipada das equipes de assessoramento pedagógico e administrativa para retorno ao trabalho presencial nas escolas
Desde que a greve teve início no dia 8 de junho, profissionais da Educação de Búzios, através do Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação, alegam que têm solicitado à secretaria municipal de Educação, Ciência e Tecnologia, a realização de uma audiência por videoconferência, onde seja possível negociar as condições para o retorno ao trabalho presencial, levando em conta as demandas de segurança sanitária dos trabalhadores e das comunidades escolares. No entanto, a postura do município tem sido de ignorar os pedidos do sindicato. A paralisação que já completa 37 dias, ocorre justamente em oposição à convocação antecipada das equipes de assessoramento pedagógico e administrativa para retorno às unidades escolares.
De acordo com a diretora da Sepe Lagos, Martha Pessoa, o município ainda vive momentos críticos da pandemia de coronavírus, que inviabilizam este retorno. O chamamento de profissionais coloca em risco trabalhadores e população. Por isso a greve se mantém.
– Os deslocamentos em transporte público são uma preocupação, assim como a convivência no ambiente de trabalho. Não vimos nenhuma iniciativa da prefeitura para garantir equipamentos de proteção individual, adequação dos espaços e a higienização necessária dos ambientes – pondera Martha.
A diretora destaca que a secretaria de Educação de Búzios inicia um movimento de retorno das aulas presenciais, mesmo sem fixar data, e se baseia em Nota Técnica da entidade civil Todos pela Educação, como proposta a ser analisada. Porém, a diretora destaca a dificuldade em se arcar com as despesas necessárias para este fim, uma vez que a proposta demanda uma série de ações que envolvem inúmeros gastos financeiros, que a PEC 95 de 2017 inviabiliza.
– A PEC 95 de 2017 congelou por 20 anos os investimentos na Educação. A Nota Técnica do Todos pela Educação alinha questões sanitárias, redistribuição de turmas, adequações da estrutura da unidade escolar em termos de espaço, ventilação, oferta de pias, necessidade de profissionais para atividades como limpeza, aferição de temperatura, organização dos alunos para manterem o distanciamento social, o uso de máscaras, a higienização constante das mãos, e por aí vai. Além disso, muitos profissionais pertencem ao grupo de risco e não poderiam trabalhar presencialmente, fato que exigiria a contratação de mais profissionais – diz.
Convocadas pela secretaria, as escolas do município foram chamadas para produzirem documentos norteadores de um possível retorno. Segundo o Sepe Lagos, muitas unidades escolares se recusaram a elaborar este documento, pois entendem que este é o papel dos órgãos sanitários e especialistas em virologia. O sindicato ressalta ainda, que várias escolas chegaram a enviar questionários aos pais e responsáveis pelos alunos, perguntando sobre o cenário ideal para a volta as aulas.
– Chegaram a perguntar aos pais que tipo de proposta pedagógica as crianças vão precisar no pós pandemia. Consideramos estranho perguntar isso aos pais. Não faz sentido algum, eles não têm como definir este tipo de questão, pois desconhecem o assunto. Parece uma pseudo democratização para articular, justificar o retorno das aulas. Os órgãos sanitários é que vão apontar o momento certo para isso e dizer as ações que devem ser tomadas. A análise tem que ser dos técnicos em virologia, e não dos pais ou dos profissionais da Educação – explica.
A Sepe Lagos mantém a greve em Búzios na expectativa de abrir diálogo com a secretaria de Educação.
Engenheiro de segurança do trabalho e professor, elabora documento de análise e desaconselha o retorno das aulas sem remédio efetivo ou vacina
Analisando informações disponibilizadas pela mídia e pelas instituições ligadas à educação, como Ministério da Educação e Universidades Federais, Carlos Muniz, engenheiro de segurança do trabalho e professor de física da rede estadual de ensino, elaborou um documento em que avalia as reais condições de um retorno presencial das aulas neste momento de pandemia.
Em sua análise, que teve como objetivo nortear profissionais da Educação, Muniz também levou em conta o posicionamento das partes interessadas, incluindo diretores, professores e responsáveis. 70% dos responsáveis e 57% dos profissionais da Educação acreditam que não é o momento para a volta as aulas.
Tomando como referência o Protocolo de Biossegurança Para Retorno das Atividades nas Instituições Federais de Ensino, lançado em 01 de julho pelo Ministério da Educação, é possível concluir que as escolas teriam muita dificuldade para conciliar a demanda gerada por algumas adaptações necessárias como: o trabalho das equipes de forma escalonada, a organização da rotina de limpeza do ambiente de trabalho e dos EPIs e o trabalho remoto para servidores do grupo de risco.
Medidas como a realização de aferição da temperatura de servidores e estudantes na entrada da escola, a limpeza periódica em locais com maior fluxo de pessoas, a limpeza intensiva de banheiros e salas de aula e a interdição de bebedouros (que obrigaria a ser implantada uma alternativa para os alunos terem acesso à agua potável), não serão de fácil implantação, visto a realidade das escolas. Escalonar o acesso de estudantes ao refeitório, demandará recursos humanos e materiais, e criará conflitos com os horários das aulas, gerando a necessidade de uma estrutura que as escolas não dispõem nem em tempos normais, sem pandemia.
Muniz também levou em consideração as diretrizes da Organização Mundial de Saúde – OMS, que recomenda seis critérios para planejar a retomada das atividades, e alerta que a diminuição de casos e mortes pela Covid-19 não é o único indicador para retorno das atividades nos países.
Critérios da OMS para a retomada de atividades: 1. A transmissão da doença deve estar controlada; 2. O sistema de saúde deve estar pronto para detectar, testar, isolar e tratar pacientes e rastrear contatos; 3. Os riscos de surtos devem estar minimizados em estabelecimentos de saúde, escolas e asilos de maneira a garantir o monitoramento da saúde de toda população escolar, com vistas ao diagnóstico precoce, ou seja, no início dos sintomas, com testagem e acompanhamento clínico; 4. Medidas preventivas devem ser adotadas em locais de trabalho, escolas e setores essenciais; 5. Risco de importação de doença, vinda de outros lugares, deve ser administrável; 6. Comunidades devem ser educadas, engajadas e empoderadas para se adaptar às novas regras. De acordo com Muniz, analisando a lista de critérios da OMS é possível constatar que nenhum dos ítens, está atendido atualmente em Búzios, nem mesmo está ocorrendo nesse momento diminuição dos casos de Covid-19. Pelo contrário, estamos vivendo nesse momento um crescimento da pandemia nas cidades do interior.
O documento também analisa a possibilidade de volta às aulas tomando como referência as decisões das Universidades Federais, e muitas decidiram só voltar quando tiver remédio ou vacina para combater o vírus. A UFRJ constituiu o Grupo de Trabalho Pós Pandemia sob a coordenação da Pró Reitora de Planejamento, Desenvolvimento e Finanças (PR-3), para estudar as fases de um retorno gradual e definir os cuidados adicionais necessários à condução segura das atividades. Esse grupo mantém estreita interlocução com o Grupo de Trabalho Multidisciplinar sobre o Coronavirus Disease-19 (COVID-19), composto por especialistas das diferentes áreas da UFRJ e decidiu pela volta às aulas somente com vacina ou medicamento eficaz.
Por fim, Muniz traz a manifestação dos juristas sobre a responsabilidade do Estado no caso de danos em alunos, conforme podemos constatar no parecer do Ministro Celso de Mello: “A obrigação governamental de preservar a intangibilidade física dos alunos, enquanto estes se encontrarem no recinto do estabelecimento escolar, constitui encargo indissociável do dever que incumbe ao Estado de dispensar proteção efetiva a todos os estudantes que se acharem sob a guarda imediata do Poder Público nos estabelecimentos oficiais de ensino. Descumprida essa obrigação, e vulnerada a integridade corporal do aluno, emerge a responsabilidade civil do Poder Público pelos danos causados a quem, no momento do fato lesivo, se achava sob a guarda, vigilância e proteção das autoridades e dos funcionários escolares”.
Concluindo, a avaliação final do documento elaborado por Muniz, desaconselha o retorno das aulas sem remédio efetivo ou vacina. Leia o documento na íntegra. Clique Aqui