Nosso entrevistado abre a conversa com a imprensa citando uma frase que era dita por sua mãe: “É mais fácil sustentar 100 verdades do que uma mentira”. Dito isso por ele mesmo, cabe a nós reconhecer que, em meio ao cenário cinematográfico e cultural de Búzios e do país, ele se destaca não apenas como empresário e produtor cultural, mas como zelador incansável da arte no litoral fluminense: Mario Paz, fundador do Gran Cine Bardot, tem sido protagonista de uma batalha em prol da preservação do cinema de arte e do resgate do Festival de Cinema de Búzios, eventos que não só moldaram a identidade cultural da cidade, mas também atraíram os olhares da indústria cinematográfica nacional e internacional.
Em uma conversa franca, Mario aborda desde as dificuldades enfrentadas pelo Cine Bardot, que está fechado desde o ano passado, o que gerou um abaixo-assinado com mais de 3 mil assinaturas pedindo uma ação do Poder Público para sua reabertura, até os entraves burocráticos e políticos que envolvem a destinação de uma emenda parlamentar de R$ 600 mil para o centro cultural. Com sua experiência como empresário, ator e duas vezes secretário de cultura, Paz oferece uma análise perspicaz sobre os desafios e oportunidades que permeiam o cenário cultural de Búzios.
Além disso, o empresário compartilha sua visão sobre o papel transformador do cinema e do Festival de Cinema de Búzios, evidenciando sua importância não apenas como eventos culturais, mas como catalisadores do desenvolvimento econômico e social da região.
Nesta entrevista exclusiva, Mario Paz nos conduz por entre os bastidores do Gran Cine Bardot e do universo cinematográfico de Búzios, revelando os aspectos mais relevantes de sua jornada e as perspectivas para o futuro da arte na cidade.
Prensa de Babel: Quando foi identificado que o projetor digital do Cine Bardot estava em estado terminal?
Mario Paz: Em 2020, o grupo técnico do Cine Bardot confrontou a realidade de seu projetor digital em estado terminal. Com a incerteza do momento exato de sua falha, o Cine Bardot se viu diante do desafio de garantir sua sobrevivência. Uma oportunidade surgiu com o edital do deputado Marcelo Callero, que concedeu ao Cine Bardot, por meio de uma emenda parlamentar, uma verba substancial de R$ 600 mil para transformá-lo em um centro cultural dinâmico e acessível.
Prensa: Como foi obtida a verba para a revitalização do Cine Bardot?
Mario: Preenchemos o edital, assim como outras entidades. Fez parte disso uma consulta pública, a classe artística nacional se envolveu no processo. Então nós fomos contemplados. E o valor foi destinado para a compra de um novo projetor e para transformar o Cine Bardot em um centro cultural. A Prefeitura recebeu esse valor e então começou a luta pelo repasse. É importante ressaltar que sabemos que não é uma emenda carimbada, não é uma dívida legal com o Cine Bardot. Mas é uma dívida moral. O Marcelo Callero ligou para o prefeito agora afastado, Alexandre Martins, e explicou que ele abriu edital, com consulta pública, que o Cine Bardot foi o contemplado. Alexandre disse que sim, que compreendia. Também tivemos uma reunião onde estávamos eu, Callero, e o secretário de cultura de Búzios Luis Romano Lorenzi. O secretário também confirmou que compreendia o processo e que seria encaminhado ao projeto cultural do Cine.
Prensa: Mas o dinheiro nunca chegou? Por que? É por isso que o Cine Bardot hoje está fechado?
Mario: Apesar da verba ter sido destinada ao Cine Bardot em 2020, com a demora no repasse, já se passaram três anos, o projetor, que já estava com o fim garantido, finalmente parou de funcionar em agosto de 2023 e aí o cinema fechou. A verba precisa ser transferida através da Prefeitura, pois é destinada ao município. Com a morte constatada do projetor, começamos então uma maior pressão pelo repasse da verba, que está lá parada. Aí começou, da parte da Prefeitura, diversas versões sobre o destino da verba. Primeiro foi que o dinheiro não teria chegado, mas fomos ao Portal da Transparência e mostramos que o valor está lá, exatamente R$ 600 mil. Depois começou a versão de que o Cine Bardot era uma entidade comercial e não poderia receber o valor, o que não é verdade. Mostramos o contrato social do cinema, uma entidade sem fins lucrativos. É preciso aqui abrir um parêntese: porque o cinema se paga, não quer dizer que tenha lucro. Na verdade, na maior parte de sua história, ele dá prejuízo. A terceira versão foi a de que não se pode destinar dinheiro público para um cinema, como não? Então a Prefeitura de Búzios está questionando uma política de estado, o Plano Nacional de Cultura. Não se faz cultura, cinema no Brasil, sem investimento público. O Cine Bardot não é uma sala de cinema de grandes conglomerados que passa filme comercial em shopping, é um pequeno cinema resistindo com os filmes aclamados pela crítica mundial no interior do estado do Rio. É ativo cultural de Búzios.
Prensa: Não havendo lucro, o Cine Bardot se mantém com a bilheteria?
Mario: Claro que não. É só fazer a conta: São 50 assentos com ingresso a 9 reais, filmes fora do circuito comercial. O Festival de Cinema, com o resultado do Búzios Show, trazendo toda a indústria do cinema para Búzios, mantinha o cinema funcionando por um ano.
Prensa: Isso traz à tona a discussão sobre o futuro do Festival.
Mario: O futuro do festival passa sobre o futuro que queremos para Búzios. Quem somos? O que queremos? Onde queremos chegar como cidade? Nossa ident idade cultural e também econômica. Quando digo que o Show Búzios, que reúne a indústria do cinema em Búzios, paga um ano de Cine Bardot, isso já seria um legado para a cidade. Mas ainda há toda a visibilidade internacional e o retorno na economia local. O cinema é produção, distribuição e exibição, essa é a cadeia econômica da indústria. No Brasil, e em poucos lugares do mundo, só Búzios une tudo isso em três dias essa indústria ter acesso aos filmes que serão exibidos no ano seguinte. Aqui, durante o Festival de Cinema, a indústria teve acesso, por exemplo, ao trailer de Senhor dos Anéis exclusivamente feito para ser exibido aqui. O produtor da animação Rio exibiu o filme em primeira mão para o mercado. Nesses dias Búzios hospeda equipes da Paramount, Fox, Disney e muitos outros.
Prensa: E o Festival em si, ele ano passado nem entrou no calendário de eventos. Por que, dando o exemplo até já batido de Gramado, não tem uma premiação, um tapete vermelho?
Mario: Olha, a coluna vertebral de uma cidade como Búzios é o seu calendário cultural. Ano passado não teve Festival de Cinema, mas teve um de rock e um de jazz. Ótimos festivais de rock e jazz, mas o que impediu o de Cinema? Eu que tô perguntando agora. O Festival de Búzios pode, já deveria ter atingido esse patamar, mas depende de investimento público mais uma vez, claro. Para ser um festival precisa de uma premiação à altura do cinema nacional, se o prêmio for de 500 reais não vai ter filme de relevância inscrito, e se não tem filme de relevância inscrito não tem artistas famosos e aí não tem tapete vermelho, e aí não tem grandes investidores privados com interesse de apoiar. Mas, diferente de outros festivais, muito bonitos, inclusive, que estão sendo feitos pelo país todo, o Festival de Cinema de Búzios, um dos mais antigos, todo ano deixa um legado: O Gran Cine Bardot. O que adianta receber aviões e não ter onde pousar? O Gran Cine Bardot é o aeroporto do Festival de Cinema de Búzios. Do Festival Varilux de Cinema Francês que ano passado não pode acontecer em Búzios pela primeira vez e que deixamos de ter a presença da atriz Julia de Nunez, considerada a nova Brigitte Bardot. Perdemos uma repercussão de Búzios na Europa. É isso.
Prensa: Muito bem, Mario. Voltando à questão da verba, nós conversamos também com o secretário de cultura de Búzios, Luis Romano, e ele nos disse que a questão estava resolvida. Confirmou que a Prefeitura irá comprar ingressos do Cine Bardot para os estudantes das escolas públicas, agora seria apenas esperar os trâmites legais. Isso não é verdade?
Mario: É uma solução que a Prefeitura encontrou, por meio do processo 395, que permite ao Município comprar ingressos para alunos de escolas públicas, uma medida que não estava inicialmente condicionada, mas que foi aceita, claro, para garantir a continuidade das atividades culturais do Cine Bardot. O projeto cultural para o qual o valor foi destinado era para as duas coisas: trocar o projetor e ampliar o trabalho de formação de plateia, que já fazemos ao longo dos anos, e ainda abrir o cinema para teatro, dança, e outras expressões artísticas. A ideia já era contemplar os estudantes da rede pública, então, claro, que está bem. Não é o valor destinado pelo edital que preenchemos, esse ainda está lá parado na Prefeitura, mas a atual procuradoria do prefeito interino Rafael Aguiar está mostrando interesse em resolver a questão.
Prensa: Mas, e o projetor? O Cine Bardot continua fechado, como esses estudantes vão assistir os filmes?
Mario: Está prevista a reabertura do cinema com a verba obtida através da Lei Paulo Gustavo, que permitirá a compra de um novo projetor. Então entre no fim de abril ou começo de maio o Cine Bardot reabrirá as portas. Mas o objetivo, por isso fomos contemplados com os R$ 600 mil, é transformar o Cine Bardot em um centro cultural dinâmico e acessível. O Cine Bardot não tem fins lucrativos e oferece uma experiência cultural única em uma área onde poderia haver empreendimentos comerciais, como um shopping ou estacionamento, onde eu poderia estar ganhando dinheiro, mas tem um cinema! E o Cine Bardot representa muito mais do que um simples cinema. É um centro cultural que desempenha um papel vital na vida cultural de Búzios. Além de exibir filmes de arte de valor mundial, o Cine Bardot é o epicentro de eventos importantes, reuniões públicas, sempre esteve aberto à comunidade. Agora, em relação à arte do Cinema, sua importância vai além das projeções cinematográficas, servindo como um ponto de encontro para a indústria do entretenimento e um catalisador para o turismo cultural na região. A batalha pela continuidade do Cine Bardot não é apenas uma questão financeira, mas também uma luta pela preservação da identidade cultural de Búzios. Apesar dos desafios enfrentados, incluindo a falta de apoio institucional e a complexidade burocrática, o compromisso com a cultura permanece firme. O Cine Bardot continua sua jornada em prol da difusão cultural e do enriquecimento da vida comunitária em Búzios.