Búzios perdeu nesta quarta-feira (15), vítima de um infarto aos 79 anos, uma moradora que teve uma vida incrível. Grace Helen Murray, como conta sua neta, a advogada Bárbara Baes, nasceu no Rio de Janeiro, em 1940, no seio de uma família abastada em que brasileiros e gringos se misturaram.
A mãe dela era Olga de Barros, filha de Olavo de Barros, famoso teatrólogo. O pai era Thomas Murray, britânico, que foi para a 2ª Guerra e chegou a ser dado como desaparecido. Olga se casou novamente com Armando Torres, argentino, e eles foram viver em Paris (pois Thomas reapareceu no Brasil após a guerra e reivindicou a filha), onde Grace passou a maior parte da infância.
De Paris eles foram a Buenos Aires, onde passou a juventude e conheceu os dois maridos que teve na vida, Juan, pai de Pablo Baes, dono da primeira locadora de filmes de Búzios (que existe até hoje), e Carlos, famoso violinista do Teatro Colón.
Experimentou a maternidade de uma forma muito difícil, primeiro viveu uma relação conturbada com sua própria mãe; depois esteve prestes a perder seu filho, que ficou entre a vida e a morte logo que nasceu; foi mãe solo depois que se separou do primeiro marido; e em seu segundo casamento sofreu a perda de gêmeos aos seis meses de gestação após uma queda da escada.
“Talvez por isso ela tenha se dedicado de forma tão arraigada ao filho sobrevivente, e aos netos.”, comenta Bárbara.
Grace formou-se em biblioteconomia e sempre foi uma erudita, apaixonada pelos livros, da infância até seu último dia. Falava cinco idiomas perfeitamente (português, espanhol, francês, inglês e italiano) como se fossem sua língua nativa. Na Argentina esteve em meio à boemia e a “subversão”, era tempos de ditadura por lá. Com a ajuda de seu grande amigo Isaac Tilinger, que deixou marca na cidade como secretário de turismo, chegou ao Brasil com seu filho ainda pequeno.
Primeiro morou no Rio, trabalhou na redação do Jornal do Brasil no seus melhores tempos, depois veio para Búzios, com seu filho e sua melhor amiga, a pintora Leda Seixas. Moraram na tradicional Rua da Brava.
“Foi lá que meu pai, adolescente, se enrabichou com Dudute, filha de Jacaré, e eu nasci. Meus pais eram muito novos e minha avó se encarregou de mim na infância. Ainda lembro das tardes em que íamos ao Barbaridade, para papear com Isaac. Ela me levava pra todos os lugares em que trabalhou: a Pousada dos Búzios, no comecinho da Rua das Pedras; a Pousada do Sol, dos Avellaneda, e muitos outros. Acho que todos os antigos devem se lembrar da Grace comigo a tiracolo. Nas horas vagas ela me ensinava inglês, espanhol, estiqueta (que acho que nunca aprendi) e seu amor pelos livros (esse sim se enraizou profundamente em mim). Meu pai, muito jovem, casou novamente com a filha de Félix, Miriam, e constituiu nova família tendo meus irmãos, Brian e Kevin, aos quais minha vó também se dedicou inteiramente.”, conta Bárbara, cheia de ternura.
As pessoas mais próximas comentam que Grace tinha um desprendimento de si própria, uma ideia de doação e de solidariedade muito forte. Apesar de ter trabalhado a vida toda, nunca acumulou nada, pois tudo que ganhava era para o bem estar de sua família.
“Roupas, ela tinha poucas; objetos, só os de valor afetivo; mas em nossos aniversários os presentes eram sempre os melhores, e nas ocasiões especiais as comidas eram as mais requintadas – afinal vovó chegou a frequentar o Cordon Bleu, e não há uma pessoa nessa cidade que não conheça suas tortas e outros quitutes pelo renome.”, Barbara vai se lembrando.
Muito ativa e independente, prezava isso ao extremo, e nos seus últimos anos, a perda gradual da autonomia a afetou bastante. Embora a mente continuasse aguçada, o corpo já não a atendia, acometido pelas doenças comuns da velhice.
“ Acredito que Deus fez sua vontade, levando-a de forma suave, antes que ela perdesse totalmente a liberdade que tanto prezava. Há muito mais a falar sobre ela, quem sabe um dia sua vida extraordinária vire um livro. Por ora, fica a saudade dessa mulher incrível, que foi o epicentro da nossa história familiar. Um verdadeiro anjo que esteve presente nos momentos mais difíceis de cada um de nós. Quando mais precisamos de apoio e de conforto, ele esteve lá. Gratidão por cada momento de felicidade que você nos proporcionou, por sua doação sem limites, sua dedicação, seu carinho, seu amor. Minha inesquecível vovó Gravy.”, Barbara finaliza sem pôr um ponto final, talvez por saber que a saudade que deixamos é uma forma de ficarmos por mais tempo nessa terra.
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No mesmo dia Búzios também perdeu o João de Karolla e Dango. Ambos também importantes figuras da cidade.