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Diário de um peladeiro 2024

O retorno com autismo e TDAH na bagagem

O retorno com autismo e TDAH na bagagem

Como pode um trabalho feito com tanto carinho, de recuperação e reconstrução que realizei em minha autoestima com tanta esperança entre 2018 e 2020, ser derrubado de um golpe só em janeiro de 2024? A verdade é que, como já dizia o Lito do Youtube, um avião não cai por apenas um motivo. Entre 2022 e 2023 eu caí de cabeça no trabalho e deixei todo o resto em segundo plano, este resto, incluía minha saúde. Por uma série de fatores, que vão desde uma infestação de escorpiões, passando por 3 meses sem poder ficar na minha casa, dormindo em um colchão nada confortável, até uma distensão que demorou meses para sarar, o nível de estresse foi lá em cima. Quando voltei para minha adorável casa, fui informado que havia ali uma infestação de escorpiões amarelos, um dos mais venenosos do mundo. Encontrei escorpião na minha cama, na pia, no chão, na poltrona, em todo lugar.

Sem contar que eu estava lidando no trabalho com várias crises na saúde indígena. Dá-lhe viagens para o interior da Amazônia para resolver problemas estruturais de comunicação entre o Governo Brasileiro e os Yanomami. São mais de um milhão de indígenas no Brasil, 34 distritos sanitários de saúde indígena, 70 casas de saúde indígena, 376 polos bases, 1206 Unidades Básicas de Saúde indígena, tudo com dezenas de médicos, enfermeiros, motoristas, todo tipo de profissional, mas para responder as demandas de imprensa de todos os jornalistas do planeta, era só eu. O pior é que eu dava conta… Mas o fato é que começou uma depressão se formando como uma onda daquelas que a gente vê em vídeos no Youtube, que começa a crescer até virar algo monstruoso que parece que vai te engolir. Comecei a falhar, ficava cansado demais e o tempo todo. Acabei ficando sem o meu trabalho e não consegui arrumar outro em Brasília. Neste ponto o estresse e a autoestima foram para o ralo e os ralos de Brasília estavam cheios de escorpiões.

Este ano parei tudo e fui cuidar de mim novamente. Academia e médicos. Esta semana, depois de muitos testes e mais testes, saiu o laudo dizendo que sou autista nível 1 com TDAH. Comecei a estudar o autismo seriamente faz um ano, porque meus filhos são autistas nível 1 também. Como sou pesquisador, imergi na coisa. Não posso explicar os outros níveis de autismo e nem o TDAH, mas o autista nível 1 é uma mistura de X-Men com Superman. Temos o cérebro maior e mais neurônios, de fato somos muito inteligentes. O problema é que ter muito neurônio no cérebro é como uma repartição pública lotada, como tem muita gente, nem todo mundo trabalha e nem sempre de forma organizada. Uma representação do autismo foi feita de maneira belíssima no filme O Homem de Aço, do Zack Sneider. O jovem Clarck Kent sofre com os excessos de seus poderes, super-visão, super olfato, super audição e precisa da sua mãe para acalmá-lo. Esses somos nós, não enxergamos melhor, mas percebemos mais detalhes do que as pessoas normais, meu olfato é tão intenso que dá para saber o que uma vizinha está cozinhando dando uma fungada na janela; se eu foco em uma música que gosto, posso destrinchá-la com meu ouvido absoluto. Tudo para nós é mais intenso, nem sempre conseguimos processar informações, pois recebemos milhares de estímulos de uma só vez.

Nos apaixonamos facilmente porque não há por que se envolver com alguém, sem ser de forma intensa. As separações então, são dolorosas, mas o problema é que muitas vezes, enjoamos muito rápido das pessoas, da rotina, do trabalho. Paradoxalmente, também nos sentimos nervosos quando a rotina que gostamos é interrompida.

Enfim, embora o autismo não seja uma doença, usei a boa e velha receita que havia funcionado antes: academia e futebol. (com acompanhamento e recomendação médica, claro).

Hoje foi a primeira pelada desde Maricá em 2022, meses antes de me mudar para Brasília. Levei as chuteiras ainda cheio de barro maricaense, mas para minha surpresa, era futebol de salão. Soubesse teria levado a minha bola. Último artefato que comprei com meu salário astronômico de pesquisador da Fiocruz. Levo na próxima.

Eu estava com medo. Agora os exames físicos não eram encorajadores, eu tinha tido uma intoxicação alimentar brava na viagem para Brasília. Estava voltando à academia bem devagar.

O nome do time é sugestivo, “Fura Bola futebol clube”, temos até camisa com a nossa mascote, mustela putorius furo, estampada. Demorei a me achar em campo e o time inteiro também. Ao contrário da propaganda enganosa, a galera sabia jogar direitinho. Comecei tentando me movimentar bem, mas logo pedi para ir para o gol por falta de fôlego. Duas bolas bem chutadas e tomei dois frangos. Segunda pelada já me soltei mais no gol e fiz ao menos três boas defesas que perturbaram o time adversário.

Com o tempo voltei para a linha. Dificuldade de dominar a bola. Dei passe para um gol, já achei o suficiente. Depois um companheiro chutou no melhor estilo Branco em 1994 e eu tentei sair da frente no melhor estilo Romário em 1994, só que a bola bateu nas minhas costas e confundiu o goleiro. Embora polêmico, o juiz anotou gol meu na sumula. Houve mais duas chances de chutar, mas peguei muito de peito de pé na bola, algo que facilitou para o goleiro que era bom. Passei a pressionar a saída de bola e deu bons resultados. Em mais um chute, a bola bateu na trave e subiu, quando caiu de novo, pressionei o goleiro e o zagueiro e chutei livre para o gol. Que sensação maravilhosa. Saí comemorando de braços abertos, planando como um beija-flor obeso de 98 kg.

Talvez o grande destaque da pelada tenha sido a simpatia dos outros participantes. Ninguém reclamando, muita gentileza, muita cordialidade. No final todos exibiam um rosto feliz de terem passado um início de sábado em uma atividade saudável. Só fiquei com a impressão de que o mais velho ali devia ter a metade da minha idade. Mas para quem tinha medo de sair dali em uma ambulância, o resultado foi superpositivo.

Agora é continuar jogando e indo na academia enquanto foco no doutorado e artigos científicos. Até o lançamento do livro novo em Macaé, dá para perder ao menos uns 4kg. E começamos assim, mais uma volta por cima. Desta vez, quem sabe, definitiva.

Saldo 2024

Jogos 1

Gols 2

Três passes para gols

Clinton Davisson Fialho é jornalista, com pós em cultura africana e indígena e mestrado em novas tecnologias de comunicação. Como escritor é autor do clássico Fáfia, o jogador do futuro, do sucesso Hegemonia – Herdeiro de Basten, adotado como paradidático nas escolas do estado do Rio de Janeiro e agora do terror premiado Baluartes – Terra Sombria. Para este ano, deve lançar a prequel, Hegemonia – Vellanda, uma ficção científica sobre uma menina autista.

Coluna da Angela

Angela é uma jornalista prestigiada, com passagem por vários veículos de comunicação da região, entre eles a marca da imprensa buziana, o eterno e irreverente jornal “Peru Molhado”.

Coluna Clinton Davison

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