24 de março de 2020
Estamos sós. Mais sós que nunca. Descobri que dependo de estranhos para ser feliz. A palavra “estrangeiro” vem do francês étranger, estranho. Dependo de pessoas que nunca vi ou que jamais verei para pagar as contas. Para comer, beber, vestir, morar, tomar banho, etc.
Descobri isso há muito tempo. Agora porém, a agonia se fez mais latente.
Cheguei a Búzios no inicio dos anos 90. Era setembro, mês do meu aniversário. Me acomodei no bairro dos Ossos e aluguei, com um amigo argentino, um quiosque na praia de João Fernandes; O Chiringuito- que então pertencia a empresária Graciela Vismari.
Entre outubro e dezembro pouco me movi além da ponta da península. Quando precisava ir ao bairro de Manguinhos seguia pela estrada da Usina na ida e na volta. Fui conhecer a praia dos Ossos apenas dois meses depois. Na Rua das Pedras fui apenas uma vez e de dia. Estava vazia como hoje. Meu sócio me olhando de soslaio falou: nas noites de verão, para caminhar aqui hay que pedir permission. Achei exagero.
O verão chegou ainda em dezembro. Éramos o destino preferido da classe média argentina (que com a vantagem cambial, onde 1 peso valia 1 dólar) compravam tudo em dobro. Era a época do “dá-me dos!”
Na primeira noite tomei um susto! A rua estava intransitável. Parecia uma invasão. Lembro bem de uma noite que estava no início da Rua das Pedras vindo dos Ossos e precisava chegar ao final da rua, no recém-inaugurado Shopping Nuber One. Depois de dar três passos em dez minutos resolvemos eu e minha namorada pegar um atalho pela praia. Até hoje não sei por que não seguimos pela Turíbio de Farias, até então uma rua quase periférica apesar de ser vizinha da Rua das Pedras.
A Turíbio era a rua dos nativos que se juntavam no Bar do Fernando. Um misto de deposito/sinucaria/bar. O pessoal se juntava no meio da rua mesmo. Cada um com uma garrafa de cerveja nas mãos. Latas ou Long Neck não estavam na moda ou nem existiam. O Bairro dos Ossos, outrora epicentro do movimento turístico entrava em decadência por culpa (a palavra culpa não é a ideal, mas não me vem nada melhor à cabeça no momento) da creperia Chez Michou, que virou a mais perfeita tradução do Espírito buziano. Alegre, moderna, cosmopolita e integrada a a creperia paisagem logo se transformou no point da península.
Antes da última reforma da Rua das Pedras, quando as calçadas foram padronizadas, uma pessoa que estivesse caminhando era possível que entrasse no Chez Michou sem querer. A rua literalmente entrava na casa. Poucos lembram desse detalhe.
Voltemos ao que interessa. O movimento do verão me deixou extasiado. Mesmo trabalhando das 7 às 19 horas todos os dias no comando do bar, não deixava de ir a Rua das Pedras. Verdade que voltava cedo para casa, mas usava a volúpia do verão para me entusiasmar.
Rua das Pedras cheia a noite era sinônimo de praia cheia no dia seguinte. Quando o verão acabou confesso que brochei feio. O inverno longo me amargou por demais. O setor hoteleiro era baseado em pequenas pousadas que em sua maioria esperava o cliente chegar ao balcão perguntando se havia vagas.
O mundo girou e outro verão chegou tão grandiloquente como o que havia passado. Tudo cheio. Faltava água, luz, gelo, pão e até cerveja. Já não gostei tanto quanto antes. Havia me apaixonado pela Búzios vazia dos buzianos. Sem engarrafamentos, barulho, brigas e preços exorbitantes.
Torci para o verão acabar e todos os estranhos irem embora. Queria Búzios só para mim, vazia como se encontra agora. Hoje, no entanto, sinto falta dos estranhos. Sinto falta de ouvir um idioma diferente, um sotaque estranho. Me sinto só e as contas não param de chegar.
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