Quando você está fora do seu país, percebe que o lugar onde você está é muito legal. Mas também, você se dá conta que o país de onde você veio também é um lugar muito legal. Esta foi a sensação que tive, quando coloquei os pés pela primeira vez na “América”. É assim que os brasileiros que moram nos Estados Unidos chamam aquele país.
Ali também me dei conta de que pouco adiantava ser um profundo conhecedor da história e da sociedade do lugar onde nasci. Foi nos Estados Unidos que me dei conta do quão distantes nós, brasileiros, estamos do destino dos demais povos latino americanos.
Certa vez, perguntaram-me como era ser latino americano, e eu respondi que era “brasileiro”. Lembro-me que a resposta saiu tão naturalmente, que nem me dei conta. Meu interlocutor me perguntou:- “mas vocês brasileiros não são latino americanos?” Dei-me conta então de que o hábito havia me condicionado a criar um mapa mental da América, onde ficavam de um lado, o “Brasil”, e a “América Latina” e os “Estados Unidos”, de outro.
No Brasil, somos treinados, desde a mais tenra idade, a nos diferenciar dos demais povos do continente. Esta educação distorcida produz os seus resultados: ao final de alguns anos, nos tornamos incapazes sequer de nomear a relação dos países que compõem a América Latina, quanto mais conhecer sua rica história.
Escrevo isso acompanhando o noticiário das eleições no Chile. O repórter na televisão anuncia a vitória de Piñera, com uma margem não prevista nas pesquisas de opinião. Como se sabe, seu oponente concorria à presidência prometendo aprofundar as reformas realizadas pela socialista Michelle Bachelet.
O que aconteceu durante a campanha para Presidente no Chile mostra muitas semelhanças como a atual conjuntura brasileira. Polarização entre uma “esquerda” e a “direita”, o amplo debate na opinião pública sobre o modelo de desenvolvimento social e econômico a ser adotado nos próximos, legalização do aborto, etc, etc.
Existem diferenças aqui e lá, mas com um pouco de atenção percebe-se que as semelhanças são maiores do que se pensa. O mesmo pode ser dito em relação à Argentina e ao Uruguai. A Venezuela de Hugo Chaves e Nicolas Maduro, passam por uma grave crise econômica que também tem consequências para o Brasil.
Mais ao Norte, no México e nos Estados Unidos muitas outras questões aproximam aquelas sociedades do que acontece aqui em Pindorama. A eterna sombra do racismo sempre mostrou que os destinos dos Estados Unidos e do Brasil seguiram caminhos muito parecidos no que diz respeito à maneira como eles, os americanos lidam com seu passado e nós com o nosso.
As últimas eleições no Chile, ou melhor, a maneira como ela foi interpretada aqui no Brasil, mostra bem como entendemos a nossa relação com o resto resto do continente. No Brasil, a grande imprensa e boa parte da blogosfera pintaram a disputa pela presidência do Chile como a “grande batalha entre a Esquerda e a Direita” que iria decidir o destino da América Latina nos próximos anos. De um lado, uma direita “neoliberal” adepta do receituário da austeridade fiscal do Estado Mínimo, do monetarismo, e por aí vaí. No outro canto do ringue, uma esquerda comprometida com a manutenção do Estado em áreas chaves da Economia, a começar pela Educação e Saúde.
Olhando bem de perto, os números e as propostas dos dois candidatos, assim como os resultados das eleições, a história foi muito, muito diferente. Tanto a “direita”, quanto a “esquerda”, não tinham planos muito diferentes quando o assunto era quanto dinheiro público seria gasto na educação superior.
Além disso, a abstenção no segundo turno foi muito maior do que o número de eleitores que compareceram às urnas.
Então como explicar o que aconteceu no Chile? Em primeiro lugar, o que parece mais do que evidente é que aqui no Brasil, entendemos a realidade do resto do continente a partir da maneira como encaramos nossos problemas internos. Se o país hoje encontra-se contaminado pela narrativa da polarização, então por extensão, a vida política do resto do continente é entendida assim também.
A grande verdade, é que mesmo com a globalização, mesmo em pleno século XXI, nós brasileiros no que se refere ao resto do continente, continuamos na mesma posição em que o autor do hino pensou o Brasil no início do século XIX, deitados em berço esplêndido.