Na última semana o prefeito de Macaé ao responder um questionamento de uma cidadã sobre reajuste para os servidores, disse o seguinte: “Boa parte dos macaenses que pagam os nossos salários perderam seus empregos, para falar em números, 31000 pessoas. Os que não foram desempregados tiveram seus salários reduzidos em média 20%. Pergunta pra eles o que eles pensam dos nossos “direitos””.
Esse processo que aconteceu em Macaé em relação ao trabalho é um dos sintomas da crise que há alguns anos perpassa o grande capital e chegou com mais força no Brasil recentemente. Como diante da crise o mais importante é preservar os lucros dos acionistas internacionais, localmente se demite em grande escala para depois recontratar numa escala menor, “faça mais com menos”. O menos é sempre do trabalhador, menos empregos, menos salário e menos direitos. Já para o capital, mais valor, mais lucro e mais acumulação.
Colocar a culpa nos direitos do trabalhador é a saída do grande capital. Desde o final dos anos 1970 o capital construiu essa narrativa como fundamento para espalhar as ideias neoliberais. Na narrativa do capital, existe uma crise e o que resulta nessa crise são os excessos de direitos que os trabalhadores possuem. Começou pelo eixo central do capitalismo e chegou as periferias, no caso brasileiro se apresentou no governo Collor e foi aprofundado nos governos FHC. Grandes privatizações a preço de banana, olhemos o exemplo da Vale, arrocho com os servidores e esvaziamento da universidade pública, tudo em nome da crise. Uma autora do campo do serviço social chamou esse processo de “cultura da crise”.
Para o grande capital, Macaé é só uma colônia de exploração de petróleo, valor e recursos humanos localizada na periferia do capitalismo, ali na América Latina. Por isso, da mesma forma que os colonizadores que exploraram o país no processo de formação social, o grande capital explora hoje e possui grande interesse que a localidade se comporte como uma feitoria moderna.
Na primeira fase de conquista do território brasileiro, ainda no extrativismo do pau-brasil a Coroa Portuguesa estabeleceu por aqui feitorias. Essas se estabeleciam como uma organização territorial próximo ao litoral e que regulava a vivência coletiva da comunidade local que se estabelecia como colônia. Eram comandadas pelos feitores, escolhidos pela coroa. O feitor tinha como objetivos garantir o extrativismo português, gerenciar o comércio e regular a mão de obra escrava. A mão de obra que impulsionou o extrativismo do Brasil Colônia foi composta por seres humanos escravizados, foi essa a base que formou as relações de trabalho no país e consequentemente a primeira marca de desigualdade de nossa sociedade. O Brasil moderno ainda se mostra nesses traços. O que se vê nas castas privilegiadas são herdeiros diretos dos colonizadores ao passo que na outra ponta, nas camadas mais miseráveis, descendentes dos negros escravizados.
O processo de formação social brasileiro nunca superou essas marcas, pelo contrário, no tempo presente as relembra como chantagem para a sobrevivência. “Você deve escolher entre ter direitos ou ter empregos”, diz por aí o presidente. Qual será o limite deles para retirar os direitos? Décimo terceiro, férias e até mesmo a licença maternidade podem ser retirados? Acabar com estabilidade? Liberar as condições análogas ao trabalho escravo?
Quem vai perguntar o que os 31 000 desempregados pensam sobre os supersalários na prefeitura e na câmara? Sobre os privilégios e favores do clube de negócios dos cavaleiros? Sobre como muita gente enricou com a especulação imobiliária na cidade? Sobre o auxílio-moradia dos juízes? Sobre os bônus de muitos milhões do mundo dos negócios?
Como enfrentar os efeitos da crise? Retirar direitos dos servidores públicos municipais, além de não ser solução, beira a crueldade. Estamos falando milhares de empregos que garantem a manutenção de famílias, injetam dinheiro na economia com o consumo e são essenciais para o funcionamento básico do município. Guardas municipais, professoras e uma infinidade de administrativos. Falta-lhes muitas vezes estruturas para ir além, mas há muito bons trabalhos feito pelos servidores.
Há uma inversão de valores, deveríamos pensar em como levar os direitos conquistados pelos trabalhadores do setor público para o setor privado. Vamos perguntar para as mães se elas não acham justo terem direito à licença maternidade remunerada por seis meses. Vamos perguntar ao trabalhador se ele não acha justo ter direito a férias remuneradas depois de um ano de trabalho e vamos perguntar a importância que tem no orçamento das famílias o décimo terceiro salário. Enquanto os pequenos vão perdendo, o grande capital se farta nos bônus milionários.
É fato que há a necessidade de se discutir alguns excessos do setor público, mas precisa começar nos andares mais altos, aquele dos supersalários, dos juízes e dos políticos. Fica claro a inversão dos valores quando se corta do salário mínimo e se aumenta os privilégios dos juízes.
Não é diminuindo os direitos do porteiro da escola, da auxiliar de enfermagem ou do gari que vamos achar saída para a crise. Todavia, é na ponta da pirâmide social que devemos buscar os recursos para superar a crise. Tanto no setor público quanto no privado. A acumulação capitalista elevou a desigualdade a níveis alarmantes, segundo pesquisas que vem sendo realizada pela Oxfan, que o 1% mais rico equivale aos 99% restantes da população global. Para acabar com a essa inversão de valores, a pergunta correta a ser feita é: como retirar os privilégios desse 1% para equilibrar esses números.
Para superar a crise primeiro deve se pensar nas pessoas e sua integração com o ambiente, tanto no global quanto no local. Os municípios do eixo do petróleo no Estado do Rio de Janeiro têm um grande desafio pela frente de se reinventarem. Devem para de se comportar como feitorias, que estão aqui para garantir os lucros do grande capital, daquele 1% da humanidade. Apostar nas suas vocações, formações naturais e fixar a ideia que homem e natureza são uma coisa só. Devem elevar à máxima qualidade os serviços públicos. Passo importante nessa direção é descolonizar a forma de ver o mundo.
A saída para a crise não está em aprofundar a lógica da acumulação, pelo contrário, descolonizar é favorecer a base da pirâmide, os mais pobres, fazer chegar a eles, no mínimo, os direitos básicos que gozam os servidores públicos.