A “Economia do Compartilhamento” deu certo. Basta olhar os números de empresas como AirBnb, Lyft, Über, Tripadvisor, OLX, entre outras. E por terem “dado certo”, estas companhias de certa maneira enfrentam hoje um dilema. Estas empresas foram criadas em um contexto econômico e social que permitiu a sinergia de, pelo menos, três forças sociais e econômicas: 1) investidores e capital de risco, dispostos a apostar em negócios baseados em ideias e tecnologias inovadoras; 2) jovens empreendedores que buscavam aproveitar brechas de mercado de grandes empresas já estabelecidas no mercado e; 3) tecnologias de compartilhamento de dados e serviços.
Empresas como Über e Lyft foram criadas por pessoas que no início de seus negócios, desejavam ganhar dinheiro criando atendendo a necessidades não satisfeitas, ou negligenciadas pelas empresas estabelecidas no mercado. Quem morou e foi criado em uma cidade como o Rio de Janeiro, como eu, e algum dia teve de depender de uma corrida de táxi, sabe mais ou menos do que estou falando. Por mais de trinta anos, enfrentava o seguinte dilema: morava em um subúrbio do Rio de Rio de Janeiro que a Secretaria de Segurança Pública classifica como “área de risco”, ou seja, um bairro com uma grande frequência de confrontos entre policiais e traficantes, roubos de carros e assaltos.
Antes do ÜBER, praticamente nenhum taxista aceitava fazer uma corrida para aqueles cantos da cidade e por mais que eu reclamasse, isso não mudaria em nada a situação, já que nenhum outro motorista estaria disposto a fazer a corrida. Mas aí veio o ÜBER.
O ÜBER, de uma maneira ou de outra mudou, um pouco esta situação. Desde que a Prefeitura do Rio de Janeiro regulamentou o funcionamento dos serviços desta plataforma, o serviço caiu nas graças do carioca, e gostemos ou não, os carros da ÜBER passaram a disputar as mesmas rotas das tradicionais empresas de táxi. O resultado é que os antigos motoristas de táxi, temendo perder ainda mais terreno para a plataforma ÜBER, agora já aceitam fazer uma corrida para estas áreas antes negligenciadas.
A concorrência entre os motoristas de táxi tradicionais e o ÜBER “empurrou” estes motoristas para estas áreas da cidade. Este é apenas um dos inúmeros efeitos inadvertidos da introdução em uma economia de mercado de uma tecnologia inovadora. Estou certo que em nenhum momento, os criadores destas plataformas imaginaram a quantidade de efeitos, bons e maus advindos de seus negócios.
De concreto mesmo, estas plataformas, que foram criadas com a missão de “fazer o Bem”, revelaram-se grandes sucessos empresariais. Elas atualmente possuem um valor de mercado contabilizado em Bilhões de dólares, mas isso não significa que elas trouxeram o “Bem”, que seus criadores imaginaram, e este é o dilema.
Empresas como ÜBER, Lyft e Airbnb tiveram um impacto social muito mais complexo do que se imaginava, na época em que foram criadas.
Quando foram criadas, e eram apenas “startups” elas prometeram livrar clientes e consumidores de males como consumismo irresponsável, restaurar a qualidade de serviços públicos degradados como o transporte, entre outras promessas. Ao mesmo tempo, as histórias de capa sobre estes empreendedores contavam histórias de iniciativas que prometiam também criar uma nova geração de negócios baseada no fim da burocracia e das hierarquias corporativas tradicionais.
Essas eram as boas intenções. A realidade foi que em quase todas as grandes cidades do mundo, e não apenas no Rio de Janeiro, ou São Paulo, estes serviços foram alvo de intensa regulamentação, quando não forma totalmente banidos pelos governos municipais. Em cidades como Lisboa e Barcelona, os serviços de plataformas como o Airbnb estão sendo acusados de serem os responsáveis diretos por uma onda de especulação imobiliária, que está aumentando os preços de residências, e expulsando os moradores mais pobres de centros de visitação turística.Nos muros de bairros de Lisboa e barcelona, já é comum encontrar pichações em muros exortando o grande número de turistas a sair da cidade. Comunidades tradicionais agora se vêem diante do problema de agora serem encaradas como ‘parques temáticos”.
Em menor escala, este tipo de dilema já está ocorrendo no Brasil, isso porque os números do turismo brasileiro são reconhecidamente menores do que os de outros países da Europa, mas isso não quer dizer que eles não existam por aqui. Em uma cidade tipicamente turística como Cabo Frio, uma plataforma de serviços como Airbnb, também teve um impacto considerável no turismo, e mesmo no mercado imobiliário. Por muitos anos, a prática do “turismo de segunda residência”, ou do aluguel por temporada, forma a prática mais comum de turismo em toda a Região dos Lagos. Na verdade, o mercado imobiliário e o turismo caminharam de mãos dadas nesta região por décadas. Mas aí, mais uma vez, chega uma “plataforma”, e desta vez ela atende pelo nome de Airbnb.
A chegada do Airbnb à Região dos Lagos é uma excelente oportunidade de observarmos como uma economia de plataforma, caracterizada por um investimento em alta tecnologia produz um impacto social, na medida em que ela é implementada.
Antes do Airbnb, o negócio da locação de imóveis por temporada era algo tratado diretamente com o proprietário do imóvel, ou por corretoras de imóveis. Por anos, a principal reclamação de inúmeros moradores era que os proprietários fechavam contratos de locação, onde os seus imóveis eram ocupados por uma quantidade de turistas muito acima da capacidade normal de uma residência. Era comum ver imóveis onde antes uma família de 5 ou 6 pessoas morava ser ocupada por até 20, 30 pessoas, tudo isso muitos anos antes da criação do Airbnb.
O Airbnb piorou o turismo na Região dos Lagos? Não, porque ele já padecia destes mesmos problemas muito antes do surgimento destas plataformas. No entanto, a médio e longo prazos, haverá um impacto no mercado imobiliário e também na atividade turística. Isso porque plataformas como o Airbnb facilitam o acesso de turistas a lugares, que antes eram inacessíveis a estes turistas. Ou seja, aquele turista que antes considerava impossível passar uma temporada de férias em Porto de Galinhas, ou Barcelona com plataformas como o Airbnb, ou o TripAdvisor, agora considera a possibilidade de usar essas plataformas. Concretamente, qual o resultado disso para cidades como as da Região dos Lagos?
Raciocine da seguinte maneira: se antes, alugar um quarto em hotel em Lisboa era proibitivo, com o Airbnb, um particular pode alugar um quarto de sua própria casa que está “sobrando”, e com isso ganhar algum dinheiro. Lazer, por incrível que pareça é um ramo aplicado da Matemática, embora a gente não se dê conta disso. Toda programação de férias é feita pensando no lugar perfeito para as férias, e também com um calculadora nas mãos.
Uma plataforma como a do Airbnb permite que os usuários organizem rapidamente a conta “Custo/Benefício”, e isso pode ter um impacto direto sobre o tradicional turismo da Região dos Lagos. Por conta disso, muita gente pode não achar mais tão vantajoso passar uma temporada nas praias do litoral do interior do Rio de Janeiro, exatamente porque a plataforma oportuniza a busca de outras possibilidades.
Isso por certo, não estava nos planos dos idealizadores de aplicativos como o ÜBER e o Airbnb, mas uma coisa é certa, esta é a nova tendência da Economia.
Paulo Roberto Araújo é professor de História e suburbano convicto