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Eu considero viajar pelos jornais antigos que hoje estão disponibilizados na Internet, o maior roteiro turístico que alguém pode ter. É o que os ingleses chamam de “Couchsurf”, a Navegação de Sofá. Perambular pelas notícias do passado, é gratuito, instrutivo, seguro, e ao contrário de muitas viagens que fazemos no mundo real, sempre tiramos alguma lição dos lugares e pessoas que conhecemos.

Nesta semana, comecei um destes cruzeiros turísticos. Resolvi viajar para o Brasil da época, em que o uso das armas de fogo não era tão difundido quanto nos dias de hoje. Sim leitor, houve um tempo assim no Brasil, e para a escala de um historiador esta época não era muito distante.

Comecei a minha viagem lendo dois jornais cariocas, o antigo ‘Última Hora”, uma criação do jornalista Samuel Wainer e o “Correio da Manhã”. O motivo desta minha viagem ao passado foi a polêmica gerada em torno da medida assinada por Jair Bolsonaro flexibilizando a compra e o uso de armas de fogo, pelos cidadãos comuns. A principal justificativa para a medida, segundo o mesmo Bolsonaro, era que ele estava atendendo a um “clamor popular’, já que durante a sua campanha para Presidente defendeu abertamente a liberação do porte de armas, como uma das medidas de combate à violência.

Nos jornais que consultei encontrei informações bem interessantes que colocam esta discussão sobre a posse de armas de fogo a partir de uma outra luz. A primeira constatação é que a atitude da população em relação ao uso de armas de fogo e as suas consequências mudou bastante ao longo de décadas, ao menos no Rio de Janeiro.

No início do século XX, a presença de armas de fogo nas notícias de crimes registradas nestes dos jornais era relativamente pequena. Armas de fogo eram caras, na sua maioria importadas, complicadas de serem usadas e mais ainda de serem adquiridas. Eram poucas as notícias policiais relatando um assalto à mão armada, ou um homicídio usando armas de fogo. O custo era um impedimento, mas o manuseio também o era. Armas de fogo eram artefatos que requerem alguma familiaridade com tecnologias que não estavam ao alcance de muitas pessoas.

Quando eram adquiridas muitas destas armas de fogo eram de segunda mão, oriundas de arsenais militares que iam parar nas mãos de terceiros por vias desconhecidas. Ou seja, contrabandear armas de fogo, como é comum hoje era coisa praticamente inexistente, ao menos nos registros de jornal. No Rio de Janeiro dos anos 30 e 40 era mais fácil alguém ser assaltado por um ladrão armado com uma navalha ou faca, ou mesmo tendo os seus bens furtados por um punguista, do que por bandido armado.

Também era incomum o roubo de carros, mais incomum ainda o roubo de automóveis realizado por ladrões armados. Por isso, a leitura destes jornais fez com que eu pensasse em algumas hipóteses. A primeira delas é que a partir de um determinado momento, mais precisamente nos anos 60, a presença de armas de fogo é maior em função de uma maior circulação destes artefatos na cidade. Este aumento pode ser inferido pelo aumento sensível de noticiais policiais registrando assaltos realizados por armas de fogo, assim como crimes praticados com estas armas.

Quem atirava, e quem morria de morte matada pela arma de fogo? Militares, policiais, investigadores, comerciantes, ou seja, pessoas que por sua condição de trabalho, ou sua renda poderiam se dar ao luxo de ter uma arma de fogo em seu poder. O militar que matou um desafeto em briga de bar, o comerciante que falido usou a arma de fogo para dar cabo de seu desespero, o policial que mata o bandido que atentou contra mais uma vítima, ao tentar roubá-la.

Não havia fuzis em poder de vendedores de drogas, estes meros camelôs negociando pequenas quantidades de Maconha em lugares frequentados por marinheiros, estivadores e trabalhadores braçais. Não havia enfim, a conexão da arma com a droga, a verdadeira fonte de tantas mortes em uma cidade como o Rio de Janeiro.

Mas, a partir de uma determinada data, algo em torno do fim dos anos 60, a presença destas armas aumentou consideravelmente. Os jornais registravam um número crescente de assaltos à mão armada, e a coisa chegou a um ponto em a Polícia do Rio de Janeiro resolveu tomar providências, organizando batidas sistemáticas que faziam centenas de presos. Em 1968, em plena vigência da Ditadura Militar, o Rio de Janeiro foi assolado por uma onda de assaltos e homicídios, em sua grande maioria praticados por meio armas de fogo. De onde estavam vindo aquelas armas? Algumas notícias mostravam que os crimes haviam sido praticados com o uso de pistolas ou revólveres, que antes eram restritos apenas às corporações.

Seja como for, a história policial do Rio de Janeiro registrada nestes e em outros jornais está me fornecendo pistas sobre esta familiaridade que o carioca passou a ter com a presença de armas de fogo, e mais importante, com o nascimento do desejo de que a sua posse, algum dia pudesse restaurar a Paz que se perdeu.

*Paulo Roberto Araújo é professor de História e suburbano convicto

Noticiário das Caravelas

Coluna da Angela

Angela é uma jornalista prestigiada, com passagem por vários veículos de comunicação da região, entre eles a marca da imprensa buziana, o eterno e irreverente jornal “Peru Molhado”.

Coluna Clinton Davison

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