Decisão de demolição da casa “Domo” foi tomada por ela não ter aceite de obra e ser fora do padrão urbanístico
“Domo”, como é chamado o local, é uma casa sustentável localizada no Balneário da Rasa, em Búzios. Pensada pelo jovem casal, Diego e Esther, além de uma arquitetura ímpar, a construção foi inteiramente feita com materiais reciclados que seriam jogados no lixo. Segundo Diego, por não ter aceite de obra e ser fora do padrão urbanístico, a justiça determinou uma sentença favorável à Prefeitura de Búzios, autorizando o processo de demolição do espaço, onde a família vive desde de 2014.
De acordo com Diego Arias, morador e dono do Domo, em 2017 a família recebeu um Mandado de Citação por obra irregular, não tendo licença para a construção, e por ser fora do padrão urbanístico da cidade. O terreno da casa pertence ao pai de Diego, que também mora no local. O casal conta que ao receber este mandado, procurou uma advogada que os orientou a abrir um Processo de Aceite de Obra para encaminhar à Prefeitura. “Nós, nessa época (2017), pedimos um arquiteto para vir aqui, fizemos um projeto com ele e mandei o projeto para a Prefeitura. Vários órgãos da Prefeitura vieram e mediram (o local)”, contou Diego.
Ele explicou ainda que a estrutura da casa está de acordo com as exigências. “Nós estamos certinhos no padrão. A área total com a área ocupada, está dentro do padrão. Os espaços deixados na lateral estão perfeitos, aqui não tem segundo andar, então estamos perfeitos”, disse.
Segundo Diego, o processo de licenciamento estava progredindo bem, até ser travado por um dos órgãos responsáveis pela regularização. Foi neste momento que ele desanimou. “De repente, ficou travado o processo lá na Prefeitura e, na verdade, aí eu não batalhei mais. Vamos dizer que eu abandonei a batalha vendo que estava difícil. Tinha minha filha, que nasceu, enfim, as coisas da vida. De repente chegou a sentença, a favor da Prefeitura, de demolição e multa, porque a gente tinha parado o processo, por causa das dificuldades”, contou ele.
Diego disse que o casal recebeu a informação da decisão judicial, a favor da demolição, no dia 12 de dezembro deste ano, e em meio à ansiedade, angústia e indignação, eles decidiram criar uma petição online para que a ação fosse cancelada. Com apenas quatro dias no ar, a petição conta com mais de duas mil assinaturas. “Nós decidimos fazer a nossa própria defesa e botar isso para o povo, porque todo o poder emana do povo. Então, estamos aqui frente ao povo para saber o que opinam de tudo isso”, explicou Diego. Além da petição, a família vai procurar a Prefeitura e reabrir o processo para a regularização do Domo.
Em resposta à Prensa, a Prefeitura de Búzios informou que a notificação foi realizada pela administração anterior à gestão do prefeito em exercício Henrique Gomes, que ao reassumir o cargo em 21 de outubro deste ano, tomou conhecimento da questão já em andamento judicial. De acordo com as informações passadas, o caso foi encaminhado à Secretaria de Desenvolvimento Urbano e a Procuradoria, no intuito de verificar a viabilidade técnica e jurídica de regularização do imóvel e evitar a demolição.
“É importante destacar que apesar da continuidade da administração pública, a atual gestão afirma que é necessária uma análise profunda. A ação demolitória foi ingressada pela gestão passada, sem atentar a dignidade humana, e em desatenção a necessidade específica do caso”, informa o comunicado.
A Prefeitura explicou ainda que apesar do término do mandato, através da comissão de transição, na qual faz parte o Procurador Geral atual e o futuro, “o caso será discutido e a melhor solução será tomada, sempre em atenção aos direitos fundamentais garantidos pela constituição brasileira”, esclarece o órgão municipal.
A CASA SUSTENTÁVEL
A construção do Domos seguiu um caminho completamente sustentável. Foram utilizados mais de 600 pneus, 2.000 garrafas de vidro, centenas de garrafas pet, latinhas de alumínio, cacos de piso cerâmico, entre outros materiais. De acordo com a família, a obra foi pensada para ajudar a diminuir a degradação ao meio ambiente e contribuir para a gestão do lixo. Diego diz que a casa “é um lixão organizado. Aqui, o lixo vira luxo”.
De acordo com o casal, todo o material reciclável utilizado na construção da casa veio de doações da comunidade. Os pneus, por exemplo, foram doados por borracharias que os descartariam em um local onde não seriam mais usados. Já as garrafas de vidro, foram doadas por restaurantes da cidade. As latinhas e garrafas pet foram fornecidas pelos vizinhos, que guardavam para eles, e assim aconteceu também com os outros materiais. Todo este “lixo” que seria descartado, se transformou na bela casa sustentável construída a partir destes objetos, barro, areia e cimento.
O projeto de construção da casa começou em 2012, no terreno de propriedade da família. Diego conta que eles tinham o conhecimento das técnicas alternativas de Permacultura e da Bioconstrução, que são construções onde a preocupação ecológica está presente desde a concepção do projeto até a ocupação da moradia.
A inspiração para construir o imóvel veio dos estilos arquitetônicos dos arquitetos Nader Khalili, que incorpora materiais variados e diferenciados nas construções, e Michael Reynolds, que é especializado em construir estruturas utilizando materiais que são considerados como lixo para a maioria das pessoas. Diego diz que é um grande admirador desses dois profissionais e dessas técnicas de construção.
MODO DE VIDA SUSTENTÁVEL
A sustentabilidade não está presente apenas na casa. A família desenvolve um modo de vida todo voltado para a preservação do meio ambiente. Primeiro ponto é esta organização e valorização do lixo. Outra característica positiva é que o local abriga um telhado verde, que além de ajudar a manter uma temperatura agradável, contribui para a vegetação no local. Diego explica que quando chegaram ao terreno, havia algumas plantas nativas e o resto era apenas capim. Com os cuidados da família, uma grande diversidade de plantas voltou a nascer no local, assim como árvores frutíferas, que foram plantadas.
Outra característica sustentável da casa é Banheiro Seco, uma espécie de composteira, onde não se utiliza vaso sanitário e descarga convencional. O banheiro seco segue o seguinte processo: Após a utilização do vaso sanitário, ao invés de dar a descarga, é utilizado uma serragem que é despejada no fundo do vaso. Em condições ideais de umidade e temperatura, essa mistura vai se decompor e virar adubo dentro de um compartimento sob a própria privada.
Quando o sistema funciona corretamente, uma reação química entre o nitrogênio das fezes e o carbono da serragem cria uma mistura estável, o que evita qualquer odor desagradável. Os dejetos, após passar por todos os processos de decomposição, vira uma terra preta, um húmus, ou seja, um material fértil que serve para estruturar o solo.
“O banheiro seco foi um ponto fundamental. A gente se dá conta que nós somos seres humanos, mamíferos da terra, nossos dejetos não têm que ir na água porque sabemos que contaminam os lençóis freáticos e usa muita água, então usamos o banheiro seco. É um modo de vida que estamos encarnando aqui. Nós éramos pessoas da cidade e decidimos mudar nossa maneira de viver, de enxergar o mundo e a nossa relação com ele”, explica Diego.
No Domos vivem o casal Diego e Esther, junto com a filha de dois anos e o pai dele, de 60 anos. Quando perguntado sobre como é viver em uma casa não convencional, Diego, falando pela família, respondeu que é “uma maravilha”. “A gente sempre morou em uma casa quadrada e essa é uma casa redonda, orgânica e que fizemos com as nossas mãos. A gente se sente muito bem aqui. É só coisa boa”, afirmou.
Sobre a decisão que determina a demolição da casa, ele declarou: “Aqui está uma família e isso vai contra os direitos humanos. Tudo que nós fizemos aqui é uma livre iniciativa humana, usando a nossa criatividade e nossa sensibilidade. Nós só estamos fazendo a nossa parte com a nossa família, como ser humano, para o bem das próximas gerações. Eles (os órgãos responsáveis pelo processo) estão bloqueados com leis de 40 anos atrás. Precisa evoluir. As coisas precisam evoluir em termos de sustentabilidade e meio ambiente. Fazer uma cidade inteligente. Aqui é para ser um exemplo para o mundo todo. Que isso possa ajudar a Prefeitura e outros projetos semelhantes a emergirem”, disse ele.
Diego afirma que a mensagem que querem deixar para o mundo é de que a mudança pessoal é possível e necessária. Para ele, só este caminho fará com que a humanidade e o mundo possam mudar. “Nós mudamos nosso pequeno mundo pessoal, familiar, e é isso que nós acreditamos. Cada um faz a sua parte e as coisas mudam. Nós queremos simplesmente que os valores humanos sejam valorizados e respeitados”, concluiu ele.
A petição criada pela família pode ser acessada através do link.