Viviane Lugão
Cachoeiras de Macacu, 7° dia de quarentena, escutando a chuva escorrer pelas valas laterais dos pés de moleque das poucas ruas calcadas penso um pouco sobre essa doce cidade esquecida.
Cidade dos rios escondidos no caminho, muitas vezes atalhos escondidos entre caminhos, entre casas, vielas e esperas.
Vejo sua beleza oculta, montanhas e matas ciliares, murmuradas, tal qual segredo, envergonhada por ser tão bela.Beleza simples, singela, forte ráfaga de inocência inexplorada…ladeada pela podridão- flores e lixo pelo chão.
Cachoeiras, tão complexa… as palavras se perdem em sua geografia… são vales, cerros, buracos e ermos, encostas recortadas por rios meditativos, submersos na penumbra folhosa, formosa. Levava-se semanas para bordear os rios, as palavras e as conversas seguiam o mesmo caminho, cismando na idéia a notícia às vezes chegavam, molhadas, cansadas, às vezes o mensageiro não ia… às vezes eram elas que não.
Hoje o celular e os automóveis diminuiram tempos e distâncias, derrubam paredes de granito, passam sobre portões, mas eles não sabem nada, eles não sabem nadar! As pessoas continuam cismadas, dando voltas para chegar.
E os costumes em Cachoeiras… ah esses costumes em cachoeira…Pelas janelas se conhece o mundo que vale, mas as casas em cachoeiras mal têm janelas, têm muros, tem muros nelas. Os respiradouros fazem às vezes de espias e entre uma lufada de ar e uma de fumaça Cachoeiras segue, tenta levar suas penas na cangalha da mula. Ora oscilando ora não indo, no eterno movimento pendular.
Nem as antenas de celular conseguem desencravar a confusão das barreiras de Cachoeiras, barreiras de vales, de pedras, de costumes, dos atalhos entre rios, das casas tocas de lajes batidas de pé nos meses sem R.
Só o férito é que sempre passa, que sempre chega, que todos ouvem e todos entendem, por todos os lados, por todos os lares, o carro da SAF é o exemplo da Democracia municipal. Seu som gera o silêncio das cabeças nuas e traz a leveza dos pesares. O choro dos que chegam não cala tão profunda e homogêneamente quanto o silêncio dos que já não estão.
Terra de saudades profundas, todos os já teves da estação, em curtas memórias, prédios tombados, tombando em ruina no centro das histórias.
Amizades cismadas, rodeadas de comunicação violentada pelos ecos das montanhas, dos silêncios, das distâncias, repetidas e murmuradas pelos seixos das doces águas de Dezembro (ninguém lembra mais de janeiro 11, ah as memórias…).
Aquele que chega em Cachoeiras, a campainha não toca, porque as casas útero protegem, impedem, escondem o habitante em sua cismaria. Quem desentoca vê a rama atravessada no puxador do portão. Ou se chama pela Paz ou se chama até não poder mais em um muro deserto.
Cachoeira é um lugar. É a toca, é o oco, e no oco do toco do redemoinho o saci de Jesus moreno, tupiniquim indígena, está fazendo piquenique com a Surucucu-boitatá- tapete, cuidados por São Jorge empoleirado no alto das Samambaias, embaixo do viaduto.Todos aguardando o Xirê (que não se pode ver,). Tudo culpa da crença pura e petrificada na santidade surda. Antes fosse a natureza sagrada, da mãe d’água purificadora… Entretanto ela avista o inferno de cima. Mas agora ela só tenta lavar as calçadas.