A vegetação de Búzios, muitas vezes confundida com terreno degradado pela aparência de arbustos retorcidos e árvores de pequeno porte, é na verdade resultado de um conjunto raro de fatores climáticos e geológicos. Com apenas 800 milímetros de chuva por ano — menos da metade do registrado na capital — e sob ventos constantes em 88% dos dias, o município abriga um ecossistema singular, em que a adaptação das espécies revela a resistência de uma flora moldada pela escassez.
Dar visibilidade e preservar esse patrimônio é a missão da arquiteta e paisagista, Heloísa Ribeiro Dantas, que há 20 anos coleta, registra e organiza dados sobre a vegetação local. O trabalho começou em 2005, durante seu mestrado, e se transformou em um acervo com cerca de 250 amostras de árvores, arbustos e trepadeiras, hoje reunido no Herbário de Búzios, aberto ao público no Viveiro Aretê.
O herbário funciona como uma “biblioteca viva”, permitindo comparar espécies, estudar padrões de adaptação e registrar variações. O acervo, que engloba aproximadamente 150 espécies, está em processo de digitalização para ampliar o acesso de pesquisadores e moradores. Foi nesse processo de pesquisa que Heloísa identificou uma espécie inédita para a ciência: a Machaerium robsonnianum Filardi & HC.Lima, pertencente a um dos maiores gêneros arbóreos de leguminosas dos trópicos. A planta recebeu o nome em homenagem ao botânico Robson Dalmas Ribeiro, que trabalhava na identificação quando faleceu em um acidente de trânsito. Ainda sem nome popular, a descoberta amplia o valor científico do levantamento realizado em Búzios.
Do herbário ao catálogo
O esforço de catalogação resultou no Flora Buziana, cuja segunda edição foi lançada em agosto. A publicação descreve 50 espécies nativas, entre elas o Pau-Brasil, bromélias e a Swartzia glazioviana, árvore ameaçada de extinção antes considerada exclusiva da região de Cabo Frio.
Mais do que reunir informações botânicas, o catálogo busca consolidar a identidade da flora buziana e servir de referência para ações de conservação, paisagismo e recuperação ambiental.
Viveiro como laboratório
Criado em 2020, o Viveiro Aretê ocupa 17 mil m² e multiplica 62 espécies nativas da Mata Atlântica. Além de fornecer mudas para o paisagismo do bairro planejado, o espaço atua na recuperação ambiental de áreas degradadas. Só em 2024 foram plantadas 4.600 mudas, distribuídas em 45 espécies.
O projeto incorpora práticas de sustentabilidade, como o uso de água de reuso em nível terciário para irrigação, iniciativa que garantiu ao Aretê o Prêmio Firjan Ambiental em 2021, na categoria “Água e Efluentes”.
Educação e futuro
Desde 2022, o viveiro recebe alunos de escolas públicas e particulares para atividades de educação ambiental. As visitas incluem oficinas, trilhas e práticas de reflorestamento.
Para Heloísa, o desafio é maior em Búzios do que em outras regiões.
“Aqui a vegetação não se regenera sozinha. Uma vez devastada, não volta. Por isso precisamos de ações permanentes de recuperação como as que são realizadas aqui no Aretê”, explica.
O cruzamento entre pesquisa científica, inovação em sustentabilidade e práticas educativas faz do Aretê um polo de conservação ambiental sem precedentes na Região dos Lagos. Mais do que um espaço de paisagismo, o conjunto formado pelo catálogo, herbário e viveiro projeta para o futuro a singularidade da flora buziana.
A Flora de Búzios em números
- 800 mm de chuva por ano (menos da metade do Rio de Janeiro)
- Apenas 12% dos dias sem vento
- Herbário com 250 amostras, reunindo 150 espécies
- Descoberta de espécie inédita: Machaerium robsonnianum
- Catálogo Flora Buziana descreve 50 espécies nativas
- Viveiro Aretê produz 62 espécies da Mata Atlântica
- 4.600 mudas plantadas em 2024