Área é uma das poucas unidades de mata atlântica conservada no Brasil e abriga o primeiro bairro ecológico do balneário
Logo no início da estrada de terra é possível avistar o horizonte cercado de vegetação e poucos imóveis. Em volta do carro em movimento uma nuvem de poeira se forma. Durante o trajeto de 1,5 km nenhum automóvel ou pessoas circulando. Tirando o som do veículo somente o canto dos pássaros soava. Até o vento estava mais contido trazendo apenas o frescor da brisa suave da cidade litorânea. O passeio foi conhecer um lugar isolado e pouco visitado na península buziana: a APA Pau Brasil, uma unidade de conservação protegida pelo Parque Estadual da Costa do Sol (PECS), dentro do bairro Caravelas.
Longe do barulho dos carros e da agitação de uma cidade turística, Búzios também tem lugares poucos conhecidos e de grande valor histórico. Apesar da vila de pescadores ganhar projeção internacional e estar entre os dez destinos mais procurados do mundo, segundo uma pesquisa recente de uma empresa de turismo, é possível encontrar sim cantinhos que emanam ar puro e conexão com a natureza. O lugar é pouco visitado e conta com um vilarejo composto de três condomínios e um hotel, que juntos possuem aproximadamente 170 imóveis, e uma praia pouco explorada, com areias alaranjadas, muitas conchas, ondas perfeitas para o surf e área delimitada por colchões rochosos. E detalhe que é aberta a todos os visitantes.
“Aqui é contato com a natureza o tempo todo, muito verde e ar puro. Por ser escondido, são poucos os visitantes, comparado com as outras praias de Búzios, o que ajuda na preservação”, diz Hugo Iurcovich, presidente do Instituto Ecológico Búzios Mata Atlântica (IEBMA), fundado em 1996 por ele e pelo biólogo, Dr. Janis Roze, no intuito de proteger a fauna e a flora local.
APA Pau Brasil
Uma reserva ambiental protegida e com muita história para contar. A área preservada da APA Pau Brasil tem 10.564 mil hectares. É uma das últimas unidades de mata atlântica original da costa brasileira, nem reflorestada e nem desmatada. Ela se estende da Praia de José Gonçalves, passando pela Praia de Caravelas, ambas em Búzios, até a Praia do Peró, nos limites de Cabo Frio. Criada por decreto estadual, em maio de 2002, conserva 574 mudas e árvores que dão nome ao local, jovens e maduras, e também plantas raras como a orquídea de baunilha, que crescem nos troncos de pau-brasil, além de 30 espécies de bromélias, que retém água e servem de fonte para os animais em tempo de seca, em especial o mico leão dourado e o bicho preguiça.
A sombra das árvores e o som dos pássaros são um convite para apreciar a natureza e provocam reflexão sobre o futuro da floresta tropical. Até quando será preservada? No Brasil, 93% da cobertura de mata atlântica já foi destruída pela agricultura, especulação imobiliária e desenvolvimento urbano. O desmatamento aumentou 27,2% nos anos de 2018 e 2019, segundo dados do Atlas Mata Atlântica, elaborado pela Fundação SOS Mata Atlântica e pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Em um comparativo, 36 campos de futebol cobertos com vegetação nativa desaparecem a cada dia. Triste notícia para um país de 1.300.000 km2 que já teve 15% do território coberto pelo bioma.
Mas em Búzios, se depender do trabalho do Instituto Ecológico Búzios Mata Atlântica (IEBMA), da Associação Civil Village Praia das Caravelas (ACVPC) e do Apa Pau Brasil Eco Praia Hotel a preservação desta unidade de conservação terá vida longa. As três instituições se uniram em uma ação de cooperação para conservar o local e tornar o vilarejo existente dentro da mata no primeiro bairro ecológico de Búzios.
“Nos anos 80 e 90, a especulação imobiliária começou muito forte aqui em Búzios. A cidade foi se tornando conhecida, ainda como distrito de Cabo Frio, e ganhou muitos visitantes do mundo inteiro. Quando eu olhei para essa mata maravilhosa, pensei em como fazer para proteger e me associei a um amigo biólogo e juntos começamos um trabalho árduo de lutar para que o local continuasse preservado”, conta Hugo.
Ele explicou que o bairro Caravelas já existia e que ele e o Dr. Janis Roze frequentavam muito o local. Ao ver que a mata atlântica precisava ser preservada, trataram de criar o instituto, que foi fundamental para criação da APA com trabalho de pesquisa e conscientização ambiental. Se uniu ao Hotel e a Associação para tornar o bairro Caravelas autossustentável.
Serviços de água e esgoto
A consciência ambiental parece pairar sobre o bairro, que tem a sua própria Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) desde 1988. Para atender com mais rigor as exigências ambientais, em 2019 passou a servir também como produtora de água de reuso. A água da Estações de Tratamento de Esgoto e Reuso (ETERS) é usada na recuperação e manutenção de duas lagoas que estavam ameaçadas devido às mudanças climáticas e ainda é usada para regar jardins, hortas e limpeza das estruturas locais, o que garante que não haja despejo esgoto de qualquer natureza no mar. A ETERS fica em um ponto central do empreendimento, uma faixa verde pertencente à área comum dos residenciais e que é preservada. Também foi construída uma rede de recolhimento de água pluvial. Até 2020, a água tratada não era interligada aos imóveis do bairro Caravelas.
“Nós não tínhamos água direto da rua. A distribuição era até a estrada e um reservatório instalado pelo empreendimento bombeava e distribuía a água para os proprietários. Mas isso já foi resolvido e agora tem água encanada. O reservatório usado anteriormente foi desativado ano passado”, explica Hugo.
A ampliação do sistema de destituição com implantação de nova rede pela empresa Prolagos, concessionária de água e esgoto que atende o município, levou água tratada direto para as torneiras das casas e do hotel. Segundo a empresa, foram assentados aproximadamente 4.600 metros de tubo de polietileno de alta densidade (PEAD), um dos materiais mais modernos para este tipo de serviço. A nova rede foi interligada à adutora que passa pela RJ-102 e passou a contar com uma casa de bombas (booster) com capacidade para bombear até 13 litros por segundo. A construção da nova rede fez parte do Plano de Melhoria Contínua da Prolagos com investimento de R $80 milhões.
Cooperação para preservar a APA Pau Brasil
Dentro do Caravelas todas as ações apontam para manter viva a preservação do ecossistema. “A Associação Civil em parceria com o Hotel Apa Pau Brasil e o IEBMA desde longa data vem desenvolvendo projetos de compostagem, separação do lixo de forma seletiva. Nosso próximo projeto em plena parceria com a Prefeitura é conseguirmos o selo de Bandeira Azul em nossa praia. Acreditamos que preservar é a única forma de se garantir a sobrevivência, não só de outras espécies, como de cada própria humanidade”, destaca o presidente da ACVPC, José Carlos.
Ainda de acordo com José Carlos, a Associação mantém com recursos próprios ronda de vigilância motorizada 24 horas, sistema de monitoramento por câmeras on-line, ações como distribuição de panfletos e placas com informações, em parceria com o Instituto Estadual do Ambiente (INEA), sobre a APA Pau Brasil e o Parque Estadual da Costa do Sol (PECS), orientações de acesso à Praia das Caravelas, às áreas públicas, manutenção da estrada de acesso, tratamento do lixo orgânico, limpeza de praia e jardinagem.
O IEBMA comemora 21 anos em novembro e continua atuante no resgate de animais silvestres, combatendo incêndios, realizando caminhadas educacionais pela floresta e plantando mudas de plantas no entorno da Praia de Caravelas.
Para fomentar atividades de ecoturismo e o turismo espiritual, o Hotel Apa Pau Brasil é peça chave na elaboração de atrativos com eventos já conceituados como Búzios Espiritualidade e o Festival de Yoga Internacional. O receptivo turístico conta com infraestrutura de apoio no Clube de Praia (legalizado e fora da área da Marinha) e possui convênio para a coleta de todo óleo de cozinha gerado por seus restaurantes.
Essa cooperação também tem como foco a promoção da educação ambiental através do ecoturismo. Duas trilhas guiadas gratuitas são mantidas pelas entidades, uma leva até a Praia do José Gonçalves e outra até a Praia do Peró. Antes da pandemia do coronavírus, os estudantes das escolas públicas participavam do projeto.
Dr. Janis Roze e sua importância para a criação da APA Pau Brasil
O Dr. Janis Roze nasceu na Letónia, país europeu localizado às margens do Báltico e, fugindo da guerra, morou na Alemanha e, posteriormente, foi para os Estados Unidos. Veio para Búzios na década de 90 e passou longas temporadas na Praia de Caravelas, onde tem casa até hoje. O biólogo trouxe sua vasta experiência para contribuir com a criação da APA Pau Brasil e assegurar a preservação da floresta.
Roze é uma figura de renome mundial e requerido como conselheiro e palestrante em conferências e eventos internacionais. É um dos principais especialistas em serpentes no mundo. Aos 95 anos, ele esbanja saúde e desenvolve na Colômbia, junto com sua esposa, um projeto de construção de uma escola secundária para a população indígena com um programa voltado para a preservação cultural e desenvolvimento humano, em La Sierra Nevada.
O biólogo será homenageado com o título Honorífico de Cidadão Buziano, que será entregue na sessão solene da Câmara Municipal em novembro, e virá receber a condecoração pessoalmente. A indicação é do vereador Gugu de Nair pela importância dele na fundação do Instituto Ecológico Búzios Mata Atlântica (IEBMA) e por abrir caminhos para a formação da APA Pau Brasil. O nome de Janis foi indicado na sessão ordinária do dia 28 de setembro.