Os argumentos muitas das vezes engasgam por conta da fomentação do bizarro enquanto marco civilizatório brasileiro. Digo isto a partir de um esgotamento cotidiano da existência pelo fato de ser preto, de ser alguém com o mínimo de senso sobre como podemos proceder com um ínfimo de dignidade diante dos tempos.
Vem aquela frase, já dita por pessoas comprometidas com a vida e com a sensibilidade daqueles que acreditam que podem viver nas trocas sinceras de que o mal venceu. “O mal venceu!” é uma frase impactante e também com aqueles ares dicotômicos, tão perigosa para militantes e ativistas de várias gerações.
A formação privilegiada do Brasil conseguiu um terreno de difusão de sentido, tendo a barbárie e o desprezo àquilo considerado diferente de um modelo artificial e amorfo de pessoa, que é o modelo difundido anos a fio, por academias, mídias e hoje, redes sociais.
O sentido, que, difundido, agora promove o futuro como privilégio dos ricos, enquanto o resto se digladia para defender os ricos e outros para comer, após a leitura deste parágrafo. O Brasil tem 45 bilionários e um pouco mais de 2 mil pessoas milionárias e a escolha deste grupo foi a eliminação das formas de vida, além da deles para se continuarem ricos.
Exagero? Tente não reduzir a discussão política e social a um mero discurso de caráter moral em que existirá alguém para acabar com o que está errado. E o que está errado? É o Brasil não ter uma cultura pública democrática, em que a maioria absoluta das pessoas, quiçá, todas, tenham acessos garantidos e qualitativos a segurança alimentar, ao transporte, deslocamento, ir e vir, aos serviços de saúde e as possibilidades educacionais.
Não há porque optou por não ter, simples assim. Além da opção política e jurídica para não ter uma cultura pública democrática, se elimina aqueles que precisam e reivindicam essa cultura. E qualquer ação, dentro de políticas capitalistas ou não, é rechaçada de maneira gritante por milhões de arautos, que não são os bilionários e milionários, de plantão, patrocinadores da barbárie brasileira.
Pense o texto aparenta ser um manifesto contra os ricos, os condenando ao mármore do inferno por conta do acúmulo de bens. Nem acredito em inferno, na verdade. Acredito na práxis humana, nas ações humanas que são interligadas, entrecruzadas, moldes de entendimentos sobre como queremos e podemos estar nos nossos territórios.
Qual seria o seu local concreto da história? O local da fome diária, do risco do despejo, do perigo do estupro, do medo da bala no peito, do currículo rejeitado, da conta bloqueada e direito trabalhista pulverizado? Isto simplesmente acontece por conta de se não ter um alguém capaz de resolver essas questões, por alguma questão divina ou por uma ideia política e social sobre como devemos e tratamos as pessoas?
Uma ideia política e social de massacre existencial, confusão de perspectivas, submissão a exigências irreais e as expectativas de uma vida digna, apenas no campo da alienação. A dignidade se torna uma ilusão para mascarar nossas dores, nossa estafa e o local de não pertencimento. Vivemos porque somos teimosos, mas a opção é acabar com nossa teimosia a todo custo.
Não tenho medo de olhar mais no espelho, de qualquer maneira tenho asco de se perceber no Mundo, no Brasil de hoje. As reações negativas a abertura de vagas a cargos de chefia a pessoas pretas causa desgosto. O fato de que durante uma aula remota, na Escola Politécnica Joaquim Venâncio, um professor foi xingado de “preto macaco maconheiro”, me faz pensar em que Brasil estamos cultivando.
De verdade, não quero morrer sendo mais um colaborar de uma experiência civilizatória fracassada, arcaica, genocida e estéril. O legado é esse mesmo?
*Fabio Emecê é Mc, Poeta, Professor e Comunicador