Bernardo Santos, O BNegão, tem 45 anos, mas a música parece que o mantém com jeito e voz de garoto. Garoto carioca, claro. Em entrevista ao Prensa, por ocasião do show da turnê que comemora os 15 anos do álbum “Enxugando Gelo”, um dos mais aclamados de 2003 e considerado entre os mais importantes do século XXI, o líder dos Seletores de Frequência, que sobem ao palco nesta quinta-feira (23), às 20h, no Teatro da Firjan SESI em Macaé, falou da carreira, da turnê, e também de música, política, racismo, e a atual cena da moderna música brasileira.
O “Enxugando Gelo”, conta, apesar de ter sido lançado em 2003, com uma série de shows lotados na Europa, e também muito premiado, só pegou mesmo no Brasil em 2006. Mas foi sucesso de venda e público. Foram 20 mil copias vendidas, e isso depois de uma decisão ousada à época. Foi o primeiro álbum disponibilizado inteiramente grátis para download, mesmo paralelo a isso havendo uma estratégia tradicional de venda.
“Sendo sintético na resposta, o que rolou foi que eu discutia novas frentes de divulgação do trabalho com o Miguel Bastos (um ativista punk clássico), e ele já em 1998 falava em disponibilizar os discos de graça na internet. Isso já em 1998, cara. Então entre 2000 e 2003 ele ainda falava nisso. Pô, então eu gravando o “Enxugando Gelo” por uma grande gravadora, que era a BMG Ariola, que gosto de chamar de BMG mariola (risadas), pensei que era a hora. O disco era meu. Já tinha bandas que gravavam uma música e disponibilizavam na rede, iam assim, música por música. Mas um álbum de uma vez só fomos os primeiros.”, lembra.
Sobre se a decisão de disponibilizar de graça o disco na internet atrapalhou as vendas, BNegão é claro: “Muito pelo contrário. Foi o disco que mais vendeu”. “Vale lembrar que era um período bizarro, onde se dizia que ações de disponibilização de música pela internet era um roubo aos artistas e tal. Teve até caso de gente indo presa. ”, recorda.
Se tem esse legado de pioneirismo do disco, o mais importante, a música em si, também é outro marco. O disco é referência sobre a síntese do rap com outros estilos da música negra, como: reggae dub, samba, funk, jazz, funk carioca, rock e hardcore. As letras, criativas e cheias de crítica social misturadas a reflexões filosóficas ganham volume e suingue no vocal soul com acento carioca marcante e cheio de energia do artista.
É claro que se o “Enxugando Gelo” é uma referência, BNegão como artista também é. Começou na escola misturando influências punk e eletrônicas, era o vocal da lendária banda Juliete, de onde além dele, também saíram grande músicos como Marcelo Vig, Bruno Migliari e Jr Tostoi. Fundou o Funk Fuckers, banda que faz parte da história da cena under carioca. E, claro, fez parte da Planet Hemp, que dispensa comentários. Perguntado sobre se ter sido da Planet ajudou a fazê-lo mais conhecido, responde: “Colaborou. Mesmo o som, e até o discurso, sendo bem diferentes. ”.
BNegão está muito animado com a turnê e com a oportunidade de tocar em cidades do interior do Rio. “ Meu irmão, tá sendo do caralho! A gente não teve chance de tocar muito no interior, porque somos uma banda alternativa com um cachê maior. Isso dá uma travada no Rio de Janeiro. Mas esse conceito de circuito que o SESI faz é foda, com ingresso baratinho.”, explica.
Sobre o que o público pode esperar do show já adianta que todas as músicas do “Enxugando Gelo” são tocadas na ordem que estão no disco, e ao final tocam mais duas de brinde para a galera. Os fãs da antiga e os novos podem contar que não vão embora sem ouvir sucessos como “A verdadeira dança do patinho”, “V.V”, “Dorobo” e “Funk até o caroço”, hits de Bnegão & Os Seletores de Frequência.
Outros papos
Prensa de Babel: Como vê a cena musical hoje pra artistas que fazem um som mais alternativo?
BNegão: Acho que o momento é foda pra caralho. Mesmo com perda de força ainda pesa a política das gravadoras, que faz com que grandes artistas como o BaianaSystem, ou Criolo, que tocam para 3mil, 5 mil pessoas, não saiam na mídia. Não toca no rádio e nem vão na TV.
Prensa: Isso atrapalha vocês de alguma forma?
BNegão: Um pouco. Mas graças a Deus somos privilegiados. Rola legal pra gente, mas só que tem que ser pra todo mundo,né. Essa política deixa pra trás muita gente boa, sacou? Faz gente boa ter de tratar a música como hobbie.
Prensa: Acha que para novos artistas que tocam um som mais alternativo era mais difícil agora ou nos anos 90?
BNegão: Nos anos 90 a treta era para gravar, né. Tinha que descolar um estúdio de amigos, ou juntar uma grana. Isso para gravar uma fita demo. Hoje fazemos em casa. Mas ao mesmo tempo hoje os lugares para tocar diminuíram muito. Cada região tinha um lugar. Jacarepaguá tinha, e tinha também uns bares na baixada. Tinha lugares pra tocar. Cada tempo seu problema (risos).
Prensa: Como é o público de hoje nos shows de vocês? Galera da antiga, gente nova? Uma tribo apenas, ou mistura?
BNegão: O público cresceu, cara. Antigos e novos. Isso é o necessário pra uma banda continuar. Sobre tribos, sempre foi misturado. Criamos prateleiras por aí a fora. Uma parada legal sobre isso: encontrei o Criolo quando ele tava lançando o primeiro disco dele e escutei dele que abrimos o caminho. Isso é foda.
Prensa: O rap se expandiu muito. Há 20 anos era bem definida a diferença entre o que se produzia em São Paulo e no Rio. Como vê isso hoje?
BNegão: O que enriquece é a diferença. Coisas de outras regiões, o sotaque. Isso é a grande graça, a diferença. Era chato quando todo mundo queria ser rapper paulista, digamos assim (risos). Aí veio o Cambio Negro da Bahia, o rap de recife, do Rio Grande do sul. Cada um falando de um jeito. Só enriquece. No próprio rap nos Estados Unidos você percebe essas características regionais, é natural e é bom.
Prensa: E o engajamento, mudou de lá pra cá?
BNegão: O hip hop das antigas era mais engajado. Hoje a maior parte de quem faz rap, não é. A galera tá aí na disputa e tal, mas nesse momento de obscuridade o rap, a música em si né, pode ser como uma lanterna, uma vela, ou algo maior, para iluminar o caminho. A verdade hoje está soterrada. O cara publica uma mentira na internet e replicam igual em mais, sei lá, 20 lugares, e passa a ser lido como uma verdade. E pra combater isso a informação é a melhor arma. Informação é tudo. O sofrimento é justamente ver o crescimento da desinformação.
Prensa: Por que acha que isso, da desinformação e consequentemente alienação, de certa forma se generalizou no país?
BNegão: É um projeto. Veja que só o Brasil não resolveu a questão da ditadura, por exemplo. Os outros países da América Latina resolveram isso, puniram os caras responsáveis. Tratam isso com seriedade, enquanto aqui se passou a mão na cabeça e se foi empurrando pra frente. Não tem oficialmente uma ditadura, mas as ideias continuam valendo. Isso porque não foi resolvido. E com isso tem o desmonte do ensino público, é um projeto também. Deixar o povo vulnerável a qualquer manobra. Massa de manobra mesmo.
Prensa: Com isso candidatos que antes eram quase que personagens humorísticos hoje estão sendo chamados de mito?
BNegão: É aquilo, já que não tem ditadura, vota no cara mais próximo disso. Quem apoia isso. O Candidato lá, o Bolsonaro, tá agora dizendo o tempo todo que o principal projeto dele é justamente dar salvo conduto pros policiais matarem sem risco de serem julgados depois . Se já morríamos sem ninguém saber, porque matavam e havia acobertamento, imagina com licença pra entrar matando nas favelas? Para combater a violência ele quer mais arma na mão dos caras. E tem mais uma: mesmo que esse cara não fosse esse ser humano péssimo, ele ainda é burro pra caralho. Sacou? Meu irmão, o Brasil precisa de alguém que nos tire dessa merda, e esse cara é um burro, despreparado. Como pode ser presidente se não era nem pra ser vereador.
Prensa: Como você se posiciona na questão do negro nesse momento do país?
BNegão: Por um lado vejo hoje acontecendo uma espécie de um segundo “Black Power”. Tá rolando um amor próprio maior. Nascendo um amor maior por si mesmo nos negros de novo. Apesar de tudo está rolando um momento legal de orgulho de quem somos. Mas por outro lado, em um momento de avanço do conservadorismo e de brutalidade, é claro que quem dança primeiro é o preto. É um projeto também, um projeto de extermínio . É fato que 90% de quem está nas favelas e outras comunidades pobres não tem ligação com o tráfico de drogas, mas quem liga? Hoje com câmeras de segurança vem a tona o que a gente já denuncia nas nossas musicas há anos; policiais matando inocentes, incriminando quem era assassinado enganado. Colocando a arma não mão da vitima para incriminar ela. Essas coisas.
Ficha técnica:
Trompete: Pedro Selector
Bateria: Robson Riva,
Baixo: Nobru Pederneiras
Guitarra: Ulisses Cappelletti
Trombone: Marco Serragrande
Voz: DJ Rodrigues e Paulão King.
https://www.youtube.com/watch?v=TTDX3LtqVXE
Serviço
Data: 23 de agosto
Horário: a parti das 20h
Ingressos: R$ 10 (inteira) | R$ 5 (meia)
Local: Teatro do SESI em Macaé – Alameda Etelvino Gomes, 155 – Riviera Fluminense (Vendas de ingressos: segunda a sexta, das 8h às 19h45, na bilheteria do teatro)