Filme nacional alertava profeticamente para um país alterado em 2020
Na pequena cidade de Bacurau, perdida no sertão, num futuro próximo, os moradores estão sendo amedrontados pelos ataques de misteriosos atiradores. O prefeito local não resolve nem essa, nem outras mazelas, como a falta d’água e a distribuição de remédios, que ele manipula para enganar os moradores e ganhar sua propina. Diante de tudo, a comunidade organiza a própria resistência contra uma sinistra operação estrangeira.
Discussões avassaladoras sobre entreguismo, racismo e manipulação de massa vão sendo jogadas na tela em meio a uma trama de sangue e muita violência.
Bacurau é um filme original. Além da rima, essa verdade cria um problema de expectativa. A única inspiração que ficou clara para mim foi o filme O Alvo (Hard Target, 1993) com Jean Claude Van Dame e que aposto que ninguém mais lembra. Embora também tenha me feito lembrar o Ju-on (2002), o Grito, original japonês, porque, ao contrário da adaptação norte-americana, o original japonês tem como personagem principal a casa e não um protagonista específico. Aqui, é a mesma coisa. O personagem principal de Bacurau é… Bacurau, formada por seus excêntricos e normais habitantes.
O roteiro e a direção não têm pressa de nos apresentar a cidade e seus moradores para depois começar a mexer as peças do xadrez. O filme mistura muita, mas muita crítica social com uma violência exacerbada, nudez e uma sensação de nunca saber direito para onde o roteiro está indo, o que é ótimo. E quando achamos que conhecemos aquele mundo, o roteiro vai nos dando uns nós e uns “WTF?” que nos deixam desorientados e cada vez mais curiosos.
Termina o filme e temos a sensação de ter ido além de um filme, mas uma experiência. Bacurau é para ser experimentado, para ser vivido, sem pudor, sem vergonha e sem culpa, como fazem os habitantes da cidade.
Para deixar a coisa ainda mais original e mais “WTF?”, trata-se de uma ficção científica assumida, embora num futuro que pareça não ser tão distante e nem tão improvável e pelo fato de que a história poderia se passar tanto hoje, quanto uns 40, 70 anos atrás, afinal, o Brasil sempre foi assim. A ficção científica entra no recheio da crítica social deixando o filme cheio de camadas para você ficar pensando depois. Mas é bom repetir, a gente vai sempre concluir que o Brasil sempre foi assim, como é retratado em Bacurau.
Agora, a expectativa estraga um pouco. Porque elogios demais e a nossa ligação de intimidade com os filmes de ação de Hollywood cobram um pouco demais do filme. No manual do roteiro hollywoodiano, Bacurau teria menos 10 minutos apresentando a cidade a mais 10 minutos no seu ato final, com um pouco mais de tensão. Não sei se foi de propósito, mas deixou um gosto de quero mais.
Coincidentemente, o filme e seu contexto deixam ganchos para uma continuação. Afinal, que mundo é aquele? Que Brasil é aquele de Bacurau, tão real e tão fantástico?
Para esse povo chato que reclama de excesso de filmes de super-heróis e da Fórmula Marvel, como se fosse obra do diabo, que vá então ver Bacurau. Só não espere um filme de super-heróis e com a Fórmula Marvel. Bacurau é original. Não crie expectativas, apenas abra a boca e prove.
Revendo um ano depois. Estamos em um Brasil apocalíptico mais parecido com Bacurau do que gostaríamos. Será que o alerta não serviu de nada?
Clinton Davisson é jornalista, escritor e roteirista. Formado em comunicação pela UFJF, com pós-graduação em Educação pela FeMass e mestrado em educação pela UFJF.