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“Às vezes só precisamos de uma oportunidade”, diz estudante quilombola de Búzios aprovada para faculdade de Medicina

Aos 22 anos, Alicia Oliveira vai iniciar curso na Universidade Federal do Pampa (RS) ainda neste mês; campanha virtual foi lançada para custear despesas com estudos e tratamento de saúde

O município gaúcho de Uruguaiana, quase na fronteira do Brasil com a Argentina, fica a mais de 2.100 km de Maria Joaquina, comunidade limítrofe entre Cabo Frio e Armação dos Búzios, mas os sonhos da estudante Alicia de Oliveira Nascimento, de 22 anos, foram ainda mais longe. A jovem quilombola começa a cursar a partir do fim deste mês a faculdade de Medicina da Universidade Federal do Pampa (RS), para a qual foi aprovada depois de quatro anos de tentativas de ingressar no Ensino Superior.

Para a família de Alícia, o feito da futura médica é motivo de alegria e orgulho, mas a nova universitária entende que sua caminhada pode servir de espelho para outras meninas que como ela, negra e moradora de uma comunidade da periferia, alcancem o objetivo de ocupar cada vez mais os espaços acadêmicos.

“Para minha família foi e está sendo uma felicidade e realização. Eles falam que desde pequena eu já falava que queria ser médica e aqui esse sonho foi abraçado por todos eles. A maioria das pessoas da minha família estudou até o ensino fundamental e ter alguém que está quebrando essa estatística é um sinal de que é possível mudar nossa realidade.

Essa aprovação vai além de ser um sonho. Com a divulgação desse fato, tenho recebido muitas mensagens de jovens da minha comunidade e de vários lugares do Brasil dizendo que estão se inspirando em mim. Acho que a grande questão é essa, mostrar para quem vem das periferias, das escolas públicas, das vulneráveis e das comunidades quilombolas que é possível”, ponderou.

A base escolar que permitiu a Alicia passar no vestibular foi inteiramente construída na rede municipal de ensino de Armação dos Búzios, onde passou pelas escolas Lydia Sherman, Manoel Antônio da Costa, Cilea Maria Barreto e Paulo Freire, esta no curso normal.

Ciente das dificuldades que teria, dada a defasagem que o ensino público possui em relação ao particular, a jovem se debruçou sobre os livros obstinadamente, com a ajuda de um curso preparatório, custeado com esforço pela mãe. Até receber a notícia de que seu futuro profissional vai passar pelo Sul, tentou o vestibular em três estados diferentes.

“Eu estudava de segunda à sexta, na maioria das vezes das oito da manhã às dez da noite. Literalmente fazia valer cada centavo pago no cursinho. Quando o problema dos meus joelhos me impediam de ir ao curso, eu estudava em casa. Eu acordava às quatro e meia da manhã para conseguir chegar no centro de Cabo Frio no horário da aula do cursinho, quando voltava para casa de noite precisava fazer baldeação por Búzios, porque não tinha mais ônibus naquele horário para Maria Joaquina. Claro que nesse processo precisei abrir mão de algumas coisas para estudar, mas soube conciliar bem os estudos e ter uma vida além deles. Eu sabia o que queria e o foco foi meu principal aliado”, relembra.

Se todo o seu esforço foi recompensado, Alícia tem a consciência de que ainda é exceção que foge à regra. Por esse motivo, ela rechaça qualquer tese de meritocracia. Ela não esconde a chateação com alguns comentários na postagem sobre a aprovação na faculdade que criticavam as cotas raciais; ou que simplesmente minimizaram a sua condição de quilombola.

Ela deixa claro que o discurso de igualdade de condições é uma utopia.

“Sou preta, mulher, pobre, quilombola e aluna de escolas públicas. Se formos me comparar a alguém que seja branco, que tenha condições financeiras e que estude em uma escola particular, obviamente essa pessoa passaria na minha frente. Não é uma questão de que ele estude mais, mas sim que as oportunidades para ele são diferentes. Encarei e encaro todos esses comentários que recebi como racismo. Sou completamente a favor das cotas raciais, políticas públicas e tudo que possibilite uma reparação para o meu povo. As pessoas não sabem a realidade umas das outras, por isso não têm esse direito de dizer discursar sobre meritocracia. Não na minha história. Queria convidar todos eles para fazerem uma visita na comunidade de Maria Joaquina. Aqui a realidade é outra. A notícia da minha aprovação só ganhou essa repercussão porque as pessoas não estão acostumadas com jovens com essas especificidades alcançando esses lugares. Às vezes só precisamos de uma oportunidade. Espero que com isso o poder público olhe com atenção para a educação do município, para o bairro de Maria Joaquina e que possibilite que outras pessoas alcancem”, destacou.

VAQUINHA VIRTUAL VISA À ARRECADAÇÃO DE RECURSOS

Sem dúvida, a aprovação para a Universidade Federal do Pampa foi uma grande alegria para os amigos e familiares de Alícia, mas apenas o primeiro passo rumo ao desejado jaleco. Desafios como a manutenção financeira, morando tão longe de casa, são imediatos.

Além disso, há os custos do tratamento feito desde 2014 da rara artrose grau III que a jovem tem nos dois joelhos, doença congênita que a obriga a ter despesas com medicamentos, consultas, deslocamentos e viscossuplementação.

Por isso, foi criada uma vaquinha virtual para a arrecadação de fundos para que a estudante consiga dar conta dos gastos com alimentação, moradia e livros, além do tratamento de saúde que lhe permitirá ter maior qualidade de vida. Até o momento, foram arrecadados pouco menos de R$ 2 mil da meta estabelecida de R$ 50 mil. Para quem quiser apoiar a Alícia, o endereço da vaquinha é https://abacashi.com/p/ajude-uma-quilombola-a-se-tornar-medica.

Mas mesmo à distância, o coração quilombola vai seguir batendo orgulhoso de seu chão, sua gente e seus ancestrais. No recado final, a mais nova caloura de Medicina fez questão de convidar quem quiser conhecer o que aquela terra tem de tão especial.

“Só queria enfatizar que o quilombo de Maria Joaquina está de portas abertas para receber visitas. É importante que as pessoas tenham conhecimento daquilo e de quem estão falando. Temos trilhas, loja de roupas e moda praia, venda de artesanatos, oficina de tapioca e a horta comunitária. Caso queira conhecer, só entrar em contato pelas redes sociais da comunidade.Trazer essa visibilidade para a minha comunidade é importante para mim. Essa aprovação não é minha. É nossa”, exaltou.

Noticiário das Caravelas

Coluna da Angela

Angela é uma jornalista prestigiada, com passagem por vários veículos de comunicação da região, entre eles a marca da imprensa buziana, o eterno e irreverente jornal “Peru Molhado”.

Coluna Clinton Davison

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