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Por Ruy Portilho – jornalista
O tema é vasto e, como tal, me permitirei tratar apenas de alguns poucos aspectos. Primeiro, uma consideração. Se estamos falando de notícias falsas, ou “fake news” como a expressão vem se popularizando, não é pelo aspecto até hilariante de algumas delas – que o diga a turma do Sensacionalista. O que nos interessa nesse artigo é o potencial de danos físicos, materiais, psicológicos e morais que tais “notícias” acarretam.
E aqui, mais uma vez, cabe distinguir as fake news pela sua área de abrangência, quase sempre relacionada, num primeiro momento, ao tipo de veículo utilizado para a sua propagação. Grupos do Facebook ou do Whatsapp costumam ter alcance relativamente reduzido, mas estão entre as categorias cujas notícias falsas produzem mais malefícios individualmente.
Mulheres, principalmente, são vítimas constantes de acusações falsas sobre sua conduta amorosa, espalhadas pelas redes sociais, e assim ficam, na maioria das vezes, condenadas a longos períodos de convivência com a difamação.
No caso das pessoas falsamente acusadas de crimes, além do dano à reputação, têm que arcar com manifestações de desprezo da comunidade onde vivem.
Mais recentemente, quando as acusações falsas envolveram de alguma forma a presença de crianças, as reações das pessoas supostamente iludidas pelas mentiras tem se tornado violentas.
Quase todos estão lembrados do trágico episódio ocorrido em maio de 2014 no litoral de São Paulo, onde a dona de casa Fabiane Maria de Jesus, de 33 anos, morreu dois dias após ter sido espancada por dezenas de moradores do bairro Moinhos onde residia. Fabiane foi linchada a partir de um boato gerado numa página de rede social que afirmava que a dona de casa sequestrava crianças para utilizá-las em rituais de magia negra.
O que espanta ainda, além da crueldade do ato, é o fato de as pessoas que participaram do assassinato de Fabiane acreditarem tão cegamente nos poderes de um ritual oculto denominado “magia negra”.
Mais recentemente, no dia 5 de abril, no município de Araruama, na Região dos Lagos, um casal teve o carro parcialmente destruído e quase foi linchado quando cerca de 200 pessoas resolveram reagir a uma mensagem divulgada no Whatsapp ( Veja no vídeo acima). A falsa notícia dava conta que eles estavam abordando crianças e levando-as para dentro do carro. Não fosse a PM ter chegado ao local a tempo, o casal poderia ter se transformado verdadeira notícia de uma nova tragédia.
Mais uma vez, a excentricidade da mensagem parece não ter despertado o bom senso das pessoas. Não me refiro aos momentos em que as pessoas, já contaminadas pela emoção coletiva, deixam de se guiar pela individualidade e passam a agir como turba. Será possível que nas primeiras mensagens, antes que o boato se espalhasse não tivesse havido uma voz alertando que o sensato seria deixar que a polícia averiguasse o caso?
Se notícias falsas veiculadas nas redes sociais têm um alto poder ofensivo individual quando acusam pessoas de crimes, o que dizer dos boatos de alcance geral que dão notícia de fatos inexistentes, mas que causam medo, insegurança, desconforto e irritação nas pessoas?
Há pouco tempo, uma amiga de Búzios veio com a informação da ocorrência do primeiro caso de febre amarela na área urbana do Rio de Janeiro. Segundo ela, um amigo tinha visto num site a notícia, e outro amigo, este com parente na Fiocruz, havia confirmado a informação. Na dúvida, peguei o tablet, pesquisei pelas palavras febre amarela – Rio – Fiocruz, e lá estava a notícia (verdadeira) estampada no G1. Ao contrário do que dizia a minha amiga, a própria Fiocruz desmentia a existência de vítima fatal no Rio em consequência de febre amarela. Pude notar um certo ar de decepção no semblante da minha amiga, quase como se ela estivesse pensando: “que cara chato esse Ruy, desmentindo uma história tão verossímil.”
Bem, deixei por último a questão das fake news políticas. Essas não contêm o imediatismo predatório de um linchamento físico e, por conseguinte, podem ter seus efeitos minimizados, mas apenas com o passar do tempo. Felizmente, com a mesma rapidez que uma notícia falsa se espalha na Internet, a versão política oposta pode também obter seu espaço. É um jogo – muitas vezes sujo – para o qual quem está na política tem que estar preparado para jogar.
Como no Brasil o mais imaginativo dos ficcionistas políticos perderia de longe para a realidade da roubalheira e da corrupção, fica um pouco difícil convencer os internautas de que determinada acusação contra políticos seja mentirosa. Algumas “fakes”, mesmo desmoralizadas, permanecem circulando durante anos.
Finalmente, algumas considerações
Notícias falsas na Internet chegam a cada instante, ao gosto de cada leitor. E confiar nas suas fontes de informação, diz muito menos sobre a veracidade do conteúdo, e muito mais sobre a concordância dos destinatários com o viés opinativo que lhe é apresentado. Em outras palavras, o leitor menos atento se identifica com a opinião de sua fonte e, a partir daí, seus critérios de julgamento vão ficando fracos, a ponto de se tornar crédulo até para as maiores esquisitices. Ou seja, ele acredita no que já quer acreditar. Sob essa ótica, o leitor e eventual propagador de “fake news” nada mais faz do que deleitar-se e reagir passivamente a um conteúdo que já esperava encontrar na sua fonte usual de informações.
Saiba mais sobre Ruy Portilho na matéria abaixo.
https://prensadebabel.com.br/index.php/2017/03/07/sou-o-caixeiro-viajante-das-premiacoes-jornalisticas/