Por Vilmar Madruga
Não tem jeito. Vivemos um tempo onde a saúde politica do cidadão acaba sendo medida pela sua capacidade de indignação, sendo que, motivo para tal não nos tem faltado. Outro dia fui surpreendido com a informação de que os artistas convidados para a Mostra Arte Serra e Mar, a ser inaugurada na próxima sexta feira, teriam que pagar uma taxa de colaboração de 200 reais para expor no Espaço Cultural Zanine, recentemente inaugurado em nossa Armação dos Búzios e recuperado sob a promessa de abrigar também ali oficinas de arte para a comunidade.
Como se trata de quase 50 artistas não precisa ser nenhum gênio da matemática para fazer as contas de que um banner, convites impressos (hoje dispensáveis graças ao alcance das midias sociais) e um coquetel para otimistamente 200 pessoas não custam 10 mil reais.
Interpelei humoradamente alguns participantes sobre se na ocasião seriam servidos champagne Vieuve Cliquot ou coquetel do Fasano. Alguns artistas Informados sobre a quantia somente depois de confirmarem suas participações desistiram da mostra.
Outros responderam com um triste: Fazer o que? A prefeitura não tem dinheiro. Preciso expor meu trabalho.
Conhecendo os organizadores tenho certeza de que não houve dolo ou má intenção na cobrança mas, talvez uma distração na maneira de lidar com uma oferta cultural sem atentar para a aparente configuração de certa promiscuidade entre o publico e o privado.
Não se pode tratar um espaço público como se fosse uma galeria particular. A prefeitura não tem dinheiro? Monta-se uma equipe de captação de recursos para ir à rua pedir recursos para investimento na área cultural. O que não se pode é apresentar a conta ao artista que já tem despesas para realizar seu trabalho e ainda paga impostos municipais.
Sabemos que em tempos de crise, profissionais das áreas de ensino e da saúde publica tem tirado do próprio bolso material escolar, luvas descartáveis, etc para conseguir trabalhar. Razão pela qual considero o magistério e a medicina verdadeiros sacerdócios.
Contudo, no campo das artes visuais é diferente. Quando não há subvenção do estado ou recursos da iniciativa privada para a realização de um evento recorre-se ao famoso ratatá e cada um leva de casa uma pastinha, uns belisquetes e divide-se o espumante, gelo e refrigerantes, etc. Há sempre um primo ou irmão que cobra 150 reais num banner mas pode fazer por 70 pratas. Os próprios artistas com o auxilio de um servidor do municipio montam a exposição, afinam a luz e recebem os convidados em torno de uma simpática mesa, onde apenas um garçon administra a bebida para evitar os mais afoitos.
Entre outros equívocos de produção da referida mostra, um me chamou especialmente a atenção. Ao interpelar outros artistas sobre a real necessidade do pagamento da tal taxa, soube que se tivesse desejo de também expor talvez fosse liberado deste pagamento. Como assim? Que artista por mais consagrado e de sólida carreira aceitaria expor num evento onde seus colegas fossem tratados com tamanha desigualdade?
Não entendo também por que desde sua inauguração o Espaço Zanine não cumpre as normas estabelecidas pelo Ministério da Cultura abrindo editais públicos abertos à comunidade artística para apresentação de seus projetos, o que tem gerado insatisfação em muita gente boa sem oportunidade de expor seu trabalho. Salvo a recente exposição de projetos de designes do próprio arquiteto Zanine, a programação tem sustentado “curadorias” que não oferecem leituras ou recortes mais profundos e reflexivos da produção artística, aparentemente privilegiando gostos pessoais ou talvez relacionamentos amistosos. Pode isto, Arnaldo?
Repito, não acredito em más intenções mas em desconhecimento não só dos realizadores como dos próprios responsáveis pelas ofertas culturais em nossa cidade.
Como cidadão buziano que ajudou a eleger a atual gestão cumpre-me o papel da cobrança e até do alerta antecipado, o que aliás fiz, antes de me dedicar a este texto, usando os recursos disponiveis para comunicar o equivoco ao prefeito e quem sabe reverter esta situação. Não obtive retorno, possivelmente por existir algum expediente burocrático que permita a tal cobrança.
O jeito foi deixar aqui este alerta na esperança de que, em não havendo uma prestação publica dessas contas que a mesma seja feita pelo menos aos artistas pagantes.
Em tempos de moralização das políticas publicas há que se buscar como nunca valores como ética, honestidade e transparência. Nem que seja, como diz o outro, só de sacanagem.
Vilmar Madruga é artista plástico reconhecido como cidadão buziano.