Por Vilmar Madruga
A frase de Ferreira Gullar, morto ao fechar as cortinas deste ano, trouxe-o de volta a vida. Dubuffet fala de uma cultura asfixiante onde a arte da maneira como é conhecida na cultura ocidental está limitada ao mito da beleza plástica que para ele é uma impostura de mercado.
Dubuffet propõe em seu manifesto para a Arte Bruta uma produção artística que desconhece regras de apreciação e julgamentos críticos de marchands, curadores e museólogos. Uma arte produzida não para galerias ou para ser guardada em museus ou coleções particulares. A força destas produções surgiram já na arte rupestre, quando ainda não havia a noção de civilização, dinheiro e produção artística.
Este desconhecimento das regras de estilo e de estetização tornou famoso a arte primitiva em contraposição à civilizada. Grande parte da produção de Picasso, por exemplo, bebeu na arte africana e nos concedeu belos momentos de sua trajetória como suas máscaras e cerâmicas. A arte sem censura e sem normas por contrariar a estética civilizada sempre serviram de impulso às vanguardas artísticas e grupos questionadores da sociedade. Paul Gauguin refugiou-se no Taiti em busca desta força natural da arte.
Mas, o sistema costuma ser impiedoso e a partir do século XX quando nosso planeta foi integralmente conhecido e globalizado pela televisão via satélite e redes sociais, a sociedade de consumo cooptou estas manifestações espontâneas das pequenas sociedades e rotulou-as de arte exótica, transformando-as em artesanato, em belos adereços, pasteurizados em souvenir e fonte de comércio.
Nem os grafiteiros, artistas de rua, surgidos nos últimos anos resistiram à investida do mercado de arte. O conceito transgressor da arte urbana a cada dia sai das ruas e dos muros para os sistemas emoldurados da cultura ganhando espaços no cubo branco da galeria. E ninguém se queixa disto. Nem artistas, nem galeristas. É a lei do mercado e suas formas brandas de inclusão.
Há no entanto, uma manifestação artística ainda intocada apesar de incensada pela critica e pelas instituições culturais: a produção dos que são separados da sociedade e da cultura pelos hospícios, clinicas, asilos e prisões. No Brasil o trabalho mais conhecido é o da Dra Nize da Silveira que revolucionou através da arte o tratamento dos pacientes da Colônia Juliano Moreira, que resultou na criação do Museu do Inconsciente e que revelou o enorme talento de Arthur Bispo do Rosário. Aí temos de volta o conceito da arte bruta de Jean Dubuffet: “Assistimos nela a operação artística toda pura, bruta, reinventada por completo em todas as suas fases pelo seu autor, apenas a partir de seus próprios impulsos, (…) na qual somente se manifesta a função da invenção.”
Nossos índios e nossos loucos hoje flertam com os meios de comunicação, dão entrevistas, participam de vernissages e bienais em São Paulo e em Veneza. Apesar disto, em meio a banalização da cultura e de alguns equívocos de seus percursos, a arte sobrevive, já que a vida só não basta.