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Dalciolo virou meme. Esse é um dos que o coloca como membro do fictício time de de motoristas de transporte alternativo  “Choque de Cultura” que comentam cinema e acabam dizendo as coisas mais absurdas

Eu estava assistindo ao primeiro debate com os candidatos a Presidente para estas eleições. Não esperava muita coisa, posto que o nível das candidaturas e o debate não me animam muito. Metade dos candidatos ali presentes aproveitaram a oportunidade para se apresentar. Foi então que se apresentou o Cabo Daciolo. Com uma mistura de proselitismo evangélico e crítica ao sistema político, do qual ele faz parte, este político teve então os seus 15 minutos de fama. Seguindo o mesmo estilo de Jair Bolsonaro, ele tenta conquistar o eleitorado batendo nos políticos, dizendo-se um representante do “Deus Vivo. Imediatamente, Daciolo conquistou os seus 15 minutos de fama.

No dia seguinte ao debate, as redes sociais encheram-se de menções ao seu nome e às suas tiradas, que acabaram se transformando em memes de humor. Mas, para além da apresentação caricata, alguns também aproveitaram para perguntar como uma figura como o Cabo Daciolo conseguiu fazer uma carreira política. Outros, aproveitam para discutir a necessidade de uma reforma política, que pudesse evitar que novos Cabos Daciolos sonhem em algum dia, ter uma carreira política.

Muitos perguntaram como o Rio de Janeiro, estado que por tantos anos foi identificado a um certo progressismo político produziu personagens tão canhestras como o Cabo Daciolo e outros. Estes questionamentos no fundo, nascem de uma certa perplexidade decorrente da crença de que o Rio de Janeiro sempre foi caracterizado por uma cultura política “progressista”. Mas esta é uma crença falsa.

O Cabo Daciolo não é um “ponto fora da curva” na história política fluminense. O estado do Rio de Janeiro tem uma longa história de cultura política conservadora, que forneceu uma série de personagens que se tornaram famosos, e isso remonta ao século XIX.

Quando o Abolicionismo já tinha deixado de ser apenas uma ideia discutida entre jornalistas e intelectuais, e se transformou em um grande movimento social, o Rio de Janeiro, ou melhor alguns líderes políticos fluminenses, protagonizaram o movimento de manutenção da escravidão  a todo custo. Na Assembléia dos Deputados, a liderança que ecoava estes interesses encontrou em Andrade Figueira uma personagem perfeita. Andrade Figueira, que hoje é mais lembrado apenas por ser uma modesta rua no bairro de Madureira, estava à frente da bancada parlamentar que acreditava que a escravidão poderia perfeitamente entrar no século XX. Eles defendiam a tese de que o cativeiro não era uma instituição decadente, como afirmavam Joaquim Nabuco e seus aliados. Casado com a filha de um rico plantador de café de Paraíba do Sul, andrade Figueira usava a Assembléia Legislativa para defender a tese de que o número de escravos, ao contrário do que apregoava, não estava diminuindo, mas até aumentando.

Andrade Figueira também afirmava que eles, os fazendeiros proprietários, já estavam fazendo, “por sua conta”, a Abolição, posto estavam concedendo a alforria para inúmeros escravos. Em Cabo Frio, por exemplo, um grupo de proprietários de escravos chegou a escrever uma petição endereçada ao próprio imperador D. Pedro II, alegando que eles realizaram uma série de alforrias por sua conta e risco. Muitos ex-escravos, segundo leles, ganharam a liberdade por que estes senhores financiaram a compra da liberdade, condicionando a estes escravos trabalharem nas terras de seus antigos senhores.

O que preocupava estes proprietários, era que tanto o movimento abolicionista quanto o próprio Império, não estavam muito preocupados em indenizar estes senhores. Para estes proprietários de escravos da região de Cabo Frio, a sua benevolência não estava sendo devidamente reconhecida.

A bancada de políticos fluminenses era tão aferrada à continuidade da escravidão, que passou a ser conhecida como a “Junta do Coice”, o símbolo daquilo que de mais conservador poderia existir naquele momento da história política fluminense e nacional.

Se avançarmos um pouco mais, para a década de 30 do século XX, vamos perceber que o Rio de Janeiro foi o palco do surgimento do maior movimento de massas de conotação nitidamente de extrema direita. Era a Ação Integralista Brasileira, criada em 1932 por Plínio Salgado. A história da AIB já foi objeto de inúmeros trabalhos acadêmicos, mas eu acredito que existe muito mais coisas a descobrir.  Os arquivos desta organização, que estão no Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro revelam como a AIB conquistou a simpatia do cidadão do Rio de Janeiro, tanto na capital federal, como o interior do estado.

Esta documentação revela que na cidade do Rio de Janeiro, muitos simpatizantes dos integralistas eram funcionários públicos, em sua maioria policiais, militares, mas havia também um número considerável de integralistas, que tinham como profissão o comércio. Numericamente, a Ação Integralista Brasileira teve um número maior de associados do que o Partido Comunista Brasileiro, uma estimativa de mais ou menos um milhão de associados, número impressionante até para os dias de hoje.

Ao contrário de uma tese muito difundida nos dias hoje, não acredito que um político como Jair Bolsonaro seja um representante de um movimento semelhante ao da Ação Integralista Brasileira. Sou de opinião que Jair Bolsonaro está à léguas de distância do fascismo de um Plínio Salgado. A AIB foi o mais próximo que a cultura política brasileira chegou de um fenômeno como o fascismo.

Plínio Salgado liderou um movimento que realmente acreditava que poderia conquistar o poder por meio de uma ação direta,  no caso um golpe de Estado, que foi reprimido por Getúlio Vargas, em novembro de 1938. A AIB foi colocada na ilegalidade por Vargas, que imediatamente acionou a polícia política para vigiar e prender todo e qualquer simpatizante da organização. Foi essa operação que encheu os arquivos da Polícia do Rio de Janeiro de informações sobre os membros e simpatizantes do integralismo.

Portanto, o mesmo Rio de Janeiro que foi o berço do Abolicionismo, que viu nascer o Partido Comunista Brasileiro e o movimento operário, foi também o lugar de onde surgiu a defesa mais acirrada da escravidão, e quase conseguiu colocar no poder uma organização política nitidamente fascista, no final da década de 30.

Mas há mais. Ao longo do século XX, principalmente depois da Segunda Guerra Mundial, o Rio de Janeiro viu surgir personagens como Carlos Lacerda, Amaral Netto e Wilson Leite Passos. Todos eles construíram suas carreiras com uma retórica agressiva e marcadamente anticomunista, defensora de muitos valores que atualmente a “Nova Direita” defende nas redes sociais.

Amaral Netto por exemplo, tornou-se famoso por sua defesa intransigente da pena de morte, muito antes de inventarem o bordão “bandido bom, é bandido morto’. Acredito que podemos compreender muita coisa de nossa realidade,  se investigarmos seriamente o passado recente da política fluminense, principalmente o período dos últimos 50 anos.

Portanto, quando perguntam como o Rio de Janeiro produziu personagens como Jair Bolsonaro e o Cabo Daciolo, eu costumo responder: faça uma viagem pela nossa história política. Vamos encontrar personagens como as citadas mais acima, mas também outras, que evidenciam que o Rio de Janeiro também foi desde há muito tempo, vanguarda no atraso.  O Cabo Daciolo é um convite a conhecer esta história.

 

 

 

Noticiário das Caravelas

Coluna da Angela

Angela é uma jornalista prestigiada, com passagem por vários veículos de comunicação da região, entre eles a marca da imprensa buziana, o eterno e irreverente jornal “Peru Molhado”.

Coluna Clinton Davison

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