O mundo todo celebrava os 4 primeiros anos de um novo milênio, era o comecinho do século 21 e toda aquela expectativa de avanços não só de tecnologia, mas também de consciência e cultura. Mas em Búzios, tão conhecida por sua força turística e por um suposto ar cosmopolita, teve um fato que revelou de dentro da bruma da fama uma cidade de interior conservadora e obscurantista como qualquer outra. O fato: uma moção de repudio a um jornalista por um texto que criticava uma manifestação realizada por uma agremiação religiosa. No caso; a Assembleia de Deus.
“Me sinto honrado com isso. Fui laureado com uma Moção de Repúdio pelos vereadores buzianos. Somente o vereador Adilson da Rasa votou contra a indicação. A câmara de Búzios oferece Título de Cidadão Buziano ( para quem é de fora mas tem bons serviços prestados na cidade, mas isso é tudo balela pois o tal título virou uma ação entre amigos) .Medalha Bento Ribeiro Dantas( para os nativos que se destacaram de alguma maneira), Moção de Aplausos para entidades merecedoras e Moção de Repúdio para quem ousa falar a “verdade. Escrevi um texto sobre um circo que foi alugado por alguns pastores evangélicos para fazer falsos milagres a alguns vereadores evangélicos não gostaram.”, assim o repórter Sandro Peixoto resume a história.
Mas vale lembrar que o fato narrado por Sandro já faz 14 anos, foi em 6 de fevereiro de 2004. Fazia 10 anos que a cidade havia se tornado autônoma e a sua Câmara de Vereadores estava em sua 2ª composição. Naquele período a moção nº 001/04 foi dada ao então repórter de O Perú Molhado. A razão? Uma matéria publicada na edição 836 do semanário anárquico, que por 34 anos cobriu de um jeito bem peculiar a cidade de Búzios e deixou sua marca no jornalismo carioca.
O titulo era “O Circo dos Horrores (ou opio do povo)”, e narrava, com muitas doses da opinião ácida de Peixoto, os fatos ocorridos em um circo montado no campo de futebol do bairro Manguinhos, em Búzios, onde um pastor capixaba, bem conhecido no meio pentecostal da época, realizava uma espécie de ritual de exorcismo até então nunca visto de perto pela tradicional comunidade protestante da cidade.
Sandro retratou em seu texto cenas que levava o leitor a estar no ambiente de tensão e desespero, bem mais próximo de um filme de terror que de um encontro espiritual.
“O pastor gritava e pulava no púlpito. As pessoas subiam e ele segurava suas cabeças e balançava-as com força e desespero chamando aos gritos pelo diabo. Daí em diante acontecia uma sessão de vômitos reais e convulsões teatrais no palco. Em um dado momento o pastor retirava o paleto e girava-o como a hélice de helicóptero .”, contou ao Prensa recordando o fato, e revelando que havia levado seu filho, na época com 9 anos, que ficou extremamente assustado.
Ele também explicou que notou que nas primeiras filas estavam fiés mais antigos da Assembléia de Deus e outras igrejas evangélicas da cidade, e todos demonstravam estar muito constrangidos com a cena.
O Pastor Gentil
A matéria caiu como um bomba dentro da aldeia de Búzios, e o telefone tocou na redação de O Perú Molhado, era o pastor Gentil, líder evangélico histórico da cidade, reserva moral reconhecida por todos os setores da sociedade local, já aposentado de suas funções na Assembleia de Deus. Ele convidava, fazendo jus ao seu nome, gentilmente Sandro Peixoto para um café em sua casa.
“Fiquei preocupado. Achei que iria levar um esporro. Ele (pastor Gentil), me recebeu afetuosamente, juntamente com sua esposa, com um abraço, e me disse: ‘você escreveu tudo que eu gostaria de ter dito sobre o que aconteceu naquela tenda.’. “, revelou Sandro.
O o veterano pastor explicou a Sandro que descordava dessas manifestação pública exaltada de supostas ações sobrenaturais e muito menos a utilização da fé como moeda de troca politica. Lamentou não poder expor sua opinião publicamente por uma questão corporativista, afinal estava aposentado como clérigo, mas era ainda sua igreja.
Fé como moeda de troca
Sandro ainda afirma que houve cenas de supostos paralíticos que voltavam a andar e cegos que voltavam a enxergar. Sem nenhuma cerimônia em sua polêmica e corajosa matéria afirmou que era charlatanismo. Mas, ao que parece, a afirmação que causou a ira dos vereadores, encabeçada pelo presidente da Casa na época Aziel Da Silva, irmão do atual vereador Dida Gabarito, foi : ” Tenho 2 mil fiés. Quer pagar quanto? “.
Sandro não deixava dúvidas de que era um evento organizado na cidade na tentativa de forjar uma influência politica para as eleições que estavam em curso. “Vi o pastor de Búzios que organizou a vinda do missionário exorcista jantando no restaurante Buzin com um candidato a prefeito da época, e no final do dia vi o mesmo pastor tomando café com outro candidato no restaurante Dom Juan. Tenho confirmação de que ambos pagaram, sem saber um do outro, para bancar toda a estrutura pra trazer aquele circo. Foram enganados com a promessa de que ajudando a montar o circo teriam um retorno em votos da comunidade evangélica. Com isso a matéria que fiz não era um ataque aos evangélicos, mas aos seus lideres corruptos na cidade.”, é taxativo.
A Câmara da época
O autor da moção era Aziel da Silva Vieira, que foi seguido dos vereadores Carlos Henrique da C. Vieira/ Fernando Gonçalves dos Santos/ Evandro Oliveira da Costa, marido da atual vereadora Gladys da Costa/ Isaías Souza da Silveira/ Paulo Pereira da Silva/ Uriel da Costa Pereira e Valmir Conceição Oliveira. O único a votar contra foi o vereador Adilson Azevedo dos Santos (Adilson da Rasa).
De todos estes apenas um se reelegeu, mas de alguma forma todos tem, em maior ou menor grau, alguma influência na política local.
O texto da Câmara na integra
O Sr. Sandro Peixoto escreveu uma carta com o titulo “O Circo dos Horrores (ou opio do povo)”, publicada no jornal O Péru Molhado, 6 de fevereiro deste ano, edição 836 -ano XXIV, que afronta não somente os evangélicos, como toda a comunidade buziana quando diz que : ” Tenho 2 mil fies. Quer pagar quanto? “. Como se o povo estivesse a venda.
No texto, esse senhor debocha claramente, não só dos evangélicos, como de todo o povo credo da fidelidade de Deus, da liberdade de maneiras inexprimíveis.
Sua insatisfação política o fez usar palavras torpes contra o nome de Deus e o povo ali presente que ali estavam para adorar o nome de Deus, e não com interesses de vender seus votos ou fazer política. Estavam ali motivados pela fé.
Esta manifestação arcaica demonstra o desrespeito deste senhor pelo povo, que usou o espaço para criticar políticos (Liberdade de expressão é um direito, mas não teve a sensibilidade de respeitar a fé).
Sabemos e respeitamos a liberdade de expressão, e que ela se cumpra, mas a mesma não nos dá o direito de achincalhar e denegrir a imagem do povo.
Assim sendo, e pelo motivo acima supracitado é que requeiro esta moção de repúdio, que após a sua aprovação pelo soberano plenário, será encaminhada a autoridade competente.”
Após a moção de repúdio de Sandro A Câmara de Vereadores de Búzios deu mais duas moções ao longo dos anos. Uma para o advogado e jornalista Hamber Carvalho e ao secretário de saúde do governo do atual prefeito André Granado, Fábio Waknin.