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Por *Fábio Emecê

 

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Maria Eduarda, de 13 anos, foi atingida por um tiro de fuzil as 17h durante a aula de Ed. Física na escola, no RJ. Sua morte gerou revolta nos moradores do bairro da Fazenda Botafogo, bairro vizinho ao da escola. Divulgamos abaixo carta escrita por seu professor. “Seu dedo apertou o gatilho: o sonho acabou. Hoje foi executada com três tiros, pela Polícia Militar, um na cabeça, um na nuca e outro nas costas, uma menina de 13 anos. Dentro da escola, em aula. Não é a primeira e não será a última. Morreu com black na cabeça, camisa e bermuda do uniforme da prefeitura do Rio de Janeiro, e um tênis rosa. Sem mochila ou celular, pois estava indo beber água. Jogava volei, ganhou por isso uma bolsa para ir para um colégio particular como aluna atleta, como diversos outros alunos do colégio conseguiram. Fruto de um trabalho maravilhoso dos professores de Educação Física, a menina começou a ter sonhos. O colégio foi o melhor da CRE, venceu jogos e campeonatos contra colégios particulares, trouxe 9 medalhas das 10 modalidades que participou no ano passado. Foi o destaque. Ela era da equipe. Mas, morreu. Com ela morreu seus sonhos e a esperança de diversas outras crianças, que experimentaram hoje o ódio e o desejo de vingança pela covardia sofrida. Todo trabalho de 6 anos do colégio na comunidade, todo o trabalho de 3 anos da equipe de Educação Física e direção, toda credibilidade que tinham, morreram ali. Eu sairia as 16h20m, estava com a turma de 6º Ano. Ouvi três tiros de pistola. Coloquei todos sentados e em silêncio, em local seguro. Ouvi mais rajadas de fuzil. Gritos. Controlando a turma, boatos vinham, diziam: ’menina baleada’. Disse a turma que iria averiguar e eles esperassem. Concordaram. Um funcionário, pai de aluna, que veio três vezes a turma para ver a filha e pedir que não saísse dali, estava no corredor. Perguntei a ele o que realmente havia acontecido, ele pegou no meu braço e disse: quer ver o que aconteceu? Olhe ali embaixo. Vi o corpo e a poça de sangue. Morta. Voltei a turma. Confirmei o boato. Vi ainda na quadra o professor de Educação Física com os outros alunos abrigados e abaixados. Na primeira pausa do tiroteio, que não acabou durante toda a tarde e noite, os alunos foram liberados para casa. Mas a troca de tiros não parou. Alunos, pais, familiares, curiosos, vizinhos e bandidos queriam ver o corpo, entrar na escola. Uma multidão que nunca vi ali, e sempre se renovava. Uma multidão. Muita dor, revolta, desespero, ajuda… gás de pimenta, coquetel molotov, tiros, fogos, gritos…muitos gritos. Muita gente desesperada, muita gente desmaiando. O inferno. Fogo na rua, barricadas, ônibus e carros queimados. Tiros. Execução sumária. Revolta. Justa revolta. E nós, professores e funcionários, ali. Muito ódio. Justo ódio. E ela, morta. Esta política de “combate às drogas”, mata. Morre policial, morre traficante, morre inocente. Lucrando com ela, uma minoria de políticos e “empresários” da “boa sociedade”, que fornecem armas e drogas para os dois lados. Vendem a ideia de que vivemos em uma “guerra”, para atuarem livremente. Encontram eco nos discursos conservadores que dizem que “bandido bom é bandido morto”, que “favelado é criminoso”, que “direitos humanos só servem para proteger bandidos”, que a “polícia deve ser justiceira contra bandidos”… Se você defende isso, parabéns!, seu desejo foi realizado: seu dedo ajudou a puxar o gatilho do fuzil que matou Maria. Ela virará estatística: mais uma preta, pobre e favelada que morreu. Junto com ela o humano deste ser. Nesta lógica do olho por olho, ficamos todos cegos. O ódio classista, o ódio contra a favela, o ódio contra o pobre, voltará. A favela dará o retorno. A indiferença, o descaso, o descompromisso com ela, terá volta. Não terá controle. Não há paz sem justiça social. Não há sossego possível com esta omissão estrutural e esta política de extermínio. Ou mudamos tudo, ou nada mudará. A família gritava: “a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro matou minha irmã “; “a favelada que estuda tá aqui morta, enquanto isso, aquela criminosa foi solta para cuidar do filho dela”; “Queria ver se fosse na Zona Sul, se isso aconteceria, se as pessoas seriam tratadas assim”. O que dizer? Justo. Muito justo e lúcido. Muitas coisas me doeram hoje: a menina que morreu; a dor de cada membro da família que chegava – cada grito de desespero era uma nova morte; o desespero e perplexidade dos alunos vendo o corpo, deitados no chão, e não sabendo o que fazer; a insensibilidade dos policiais militares que, nem ao lado do corpo da criança, pararam de rir, zombar e atiçar a dor da população; o despreparo e, ao mesmo tempo, o amor e empatia dos professores e funcionários para lidar e ajudar na situação; a impotência diante desta estrutura asfixiante e imobilizante. Mas nada se comparou a dor sentida ao ler a mensagem que recebi do professor que mudou o colégio com sua nova forma de organizar a Educação Física, dando esperança a dezenas de alunos-atletas, que até então eram apenas “péssimos alunos” ou “projeto de marginais”: “Obrigado, Júnior. Mas a minha pergunta é: do que adiantou eu ajudar ela a sonhar?”

O período é o das reivindicações por uma vida mais justa, mais digna, com menos mortes, sem exclusões e aceitação do outro se torna mimimi com o contra argumento de que tudo se conquista com esforço e dedicação, que não se precisa ficar esbravejando. Certo…

O Estado não pode prover meios de um grupo ou grupos serem cuidados, todos que se esforcem e terão sua recompensa. Ao mesmo tempo o Estado tem que me proteger para usufruir os frutos do meu esforço próprio. Comprar, usar, consumir, gozar… ou fingir que goza.

Aí se tem a propaganda da força coercitiva que uns chamam de PM, nos proteger, justamente para que seja garantido nosso direito ao consumo. Então as ações ostensivas têm um propósito digno, que é nos garantir felizes com nossos cartões, carões e ilusões.

Matar pretos e favelados é garantir que menos um, dois, três, setenta mil não vão chegar perto daquilo que é meu por direito, que o meu esforço garantiu, que é o bendito fruto do Iphone, do carro, da escola particular para  a minha cria e da lista vip numa festa ou boate qualquer.

Corpos alvejados, executados, destroçados e arrebentados são um preço justo para minha tranquilidade. Por que não? Meus heróis vestem farda e o governador é uma pessoa de bem, sabe o que faz. As atualizações no meu feed tem que continuar, tem que continuar sem eu ser importunado.

Lógica de pensamento estranha, né? Diz aí? Engraçado o operativo ser desvelado e você se sentir pelo menos incomodado pelo fato de se matar pessoas para se ter um relaxamento psicológico que vai garantir seu consumo e sua vida de merda diária.

Imagina um professor com um projeto de sua vida e resultados práticos acontecendo, uma aluna dedicada, medalhista e com o sonho de jogar basquete pela Seleção Brasileira. Sim, o Brasil de quem você tem orgulho. Aí no intervalo de um treino, a aluna vai beber água e quatro tiros disparados.

Ela é assassinada dentro da escola. Ela era esforçada, ela era uma das melhores e aí, adiantou?

Uma vida descartada para não se haver disputa na vaga que você almejou. Pode acreditar: é sua ou de seu filho e filha por direito e não vai ser ameaçada. Palmas pra PM. Cumpriu seu serviço bem demais e garantiu o não revide e nem a bala vai chegar perto de você.

A política de Estado mais eficiente e sanguinária que você respeita. Te garante, te garante, te garante seus dentes, seu remédio e sua mediocridade. Ser médio no Brasil é questão de classe, não é mesmo? Não importa muito a engrenagem, importa os corpos perfurados e sua segurança garantida.

Não vou perder meu tempo dizendo que o Estado é racista e mata preto. Não vou perder meu tempo em dizer que a Polícia Militar não protege ninguém, além de garantia de consumo e de manutenção do status quo. Não vou perder meu tempo com você dizendo que bandido bom é bandido morto e ao mesmo tempo é um escroto que consume e goza a vida com o dinheiro do bandido que você ignora que é bandido.

Meu tempo vai ser gastado em defender os meus, até porque nem vai funcionar dizer pra eu levar o bandido para casa, pois semprefui um bandido em potencial mesmo. O corpo preto alvo e medonho, pronto pra usurpa-lo ou engoli-lo de alguma maneira.

Sem trégua para com o Estado de Morte. Não somos efeito colateral de uma guerra contra algo que nunca acaba. Estamos no fundo do poço e até meu falecimento quero ir pro meio dele e não quero ir sozinho. Só isso…

 

*Fábio é professor e rapper, milita desde a adolescência contra o racismo e ignorância.

 

Leia mais um texto de Fábio Emecê

https://prensadebabel.com.br/index.php/2016/12/30/as-ruas-cobram-texto-de-final-ano/

Noticiário das Caravelas

Coluna da Angela

Angela é uma jornalista prestigiada, com passagem por vários veículos de comunicação da região, entre eles a marca da imprensa buziana, o eterno e irreverente jornal “Peru Molhado”.

Coluna Clinton Davison

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