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‘Não questiono a sanidade da minha irmã’: Sobre Matheusa e o extermínio da população LGTQI+

Matheusa / foto reprodução internet

Não questiono a sanidade da minha irmã. Não permito que questionem a sanidade da Matheusa. Matheus Passareli Simões Vieira nasceu dia 21 de janeiro de 1997, daqui a quinze dia completaria 22 anos. Questiono a sanidade de quem esteve com uma pessoa que pede ajuda por não estar se sentindo bem e mesmo assim omite o cuidado. Questiono a sanidade de quem executa uma pessoa de 21 anos em situação de vulnerabilidade. Questiono a sanidade do Estado que negligência questões de saúde mental e segue reproduzindo lógicas manicomiais de cuidado. Como manter o equilíbrio diante de tanta violência e descaso?

Busco compreender como seguir adiante, mesmo exposta a tanta crueldade. À cada amanhecer sigo em busca da fluidez de vir a ser aquilo que desejo para mim mesma, aprendizado que compartilhei em experiência de vida com a minha irmã. Sigo questionando a todos que questionam o direito à vida de alguém. Os questionamentos chegam de todos os lados. As dores transbordam por todos os corpos que sentem a ausência material da Matheusa, da Marielle, do Marcos Vinicius, do Anderson e todes aqueles que tiveram o direito à vida negado.

O Estado segue matando. A mídia segue matando. O seu olhar de julgamento segue nos matando todos os dias. Como sentir vontade de viver se a morte caminha ao nosso lado? Não por ser uma das nuances da vida, mas por ser uma imposição sobre nossos corpos, por construirmos nossas vidas independentes aos padrões bizarros de gênero, econômicos, territoriais, de saúde, de performance-vida.

Penso em como agir daqui para a frente. Sinto a necessidade de seguir gritando sobre a vida da Matheusa, sobre a minha vida, sobre a vida das minhas amigas, sobre a vida da minha família. Seguirei gritando sobre o direito à vida de qualquer sujeito. Não saímos de Rio Bonito atoa, meus pais com muito suor e trabalho construíram a possibilidade de navegação para nós. Navegação que se faz entre corpos, portos, palavras, tempo e espirito. A possibilidade de sair do ninho nos foi concedida, criamos asas e voamos. Atiraram na minha irmã, à impossibilitaram de conhecer o mundo que ela deseja para nós. Sinto uma dor profunda.

Bolsonaro não me assusta. A violência chega de todos os lugares, o presidente é apenas mais um manequim do macho-astral que assola o Brasil em morte, roubo e medo. Necessitamos criar agência sobre nossas próprias vidas, com isso, me recuso a limitar as interseccionalidades que formam a minha subjetividade ao uso do azul ou rosa, já superamos isso a anos, graças a luta e força de muitas que vieram antes de nós. Não podemos nos desmobilizar graças ao Protestantismo Capitalista que vem derramando ainda mais sangue sobre nossa terra.

Terra nossa. Estamos aqui antes deles. A Terra não é deles. Precisamos nos atentar ao que de fato continuará promovendo mudanças reais sobre nossas vidas. Chega de azul e rosa. A luta que precisamos assumir como nossa é a luta pela vida. Sim, estamos em um contexto onde se faz necessário lutar pelo direito a vida, ainda. Não vamos retroceder, eu não aceito retroceder.

Não aceito que culpem a minha irmã pela sua morte. Sobre a notícia que saiu hoje, questiono quem omitiu cuidado quando ela precisou. Questiono quem atira contra uma pessoa que clama por sua vida e tem a coragem de dialogar e agenciar mesmo em situação de sofrimento e violência. O Estado segue matando. Não é preciso muito esforço hoje para estarmos cientes sobre como a arma que foi usada tirar a vida da Matheusa chegou até as mãos de quem julgou e atirou.

Inquestionavelmente me recuso a me dar por satisfeita em pensar que a responsabilização que se dará sobre a morte da minha irmã, seja apenas a prisão. O Estado também precisa se responsabilizar por mais essa morte. Essa terra é nossa. Nossos corpos. Nossos espíritos. Nossas subjetividades. Nossas cabeças. Nosso direito vir a florescer. NÃO ACEITO O ASSASINATO DE UMA PESSOA DE 21 ANOS DE IDADE, ASSIM COMO NÃO ACEITO A EXECUÇÃO DE NENHUMA OUTRA PESSOA. O direito à vida está garantido nos papéis que eles mesmos escreveram, no entanto, parece que é apenas para inglês ver. O direito à vida nos tem sido negado.

Medo não me paralisa. A morte da minha irmã não me paralisa, sigo com vontade de justiça. Não estou falando dessa falsa justiça branca que domina o país, estou dizendo sobre justiça que se resulta do acreditar na vontade de mudança como transcendência. MATHEUSA PASSARELI SIMÕES VIEIRA NÃO TRASCENDEU, FOI EXECUTADA.

Execução não é transcendência. Sigo me comunicando com ela todos os dias, os sinais chegam cotidianamente. Sua presença viva se faz em todos os lugares que círculo e o amor está presente. Esquartejaram e queimaram a matéria, o barro, a pedra, os fios, o sangue. A presença se faz viva. Essa presença é a que me faz acordar todos os dias e seguir com DESEJO DE VIDA.

Eu não saí de Rio Bonito, agora não mais uma adolescente ingênua, sigo de agora em diante com desejo de justiça, não com fome de punição. Punição não faz parte dos meus recursos de vida. Justiça sim. Responsabilidade sim. Liberdade sim. Autonomia sim.

Sigo meditando em sua vida, minha irmã. Sigo me silenciando quando te sinto. Seguirei lutando por nossas vidas. Seguirei lutando por você que tanto me ensinou sobre amar minha própria vida. Sigo lutando, respirando. Com olhos de fogo, mãos de aço. A justiça vai soltar faíscas sobre aqueles que ousam ainda desrespeitar nossas vidas.

Aprendemos juntas como resistir. Construímos juntas nossa paz interior e isso ninguém tirará de nós, pois transcende a matéria, inclusive a carne e o ferro que destrói o corpo de uma outra pessoa. Esse Brasil que vivemos hoje se alimenta de morte e sofrimento. Como você me ensinou, desejo me alimentar dos saberes da terra, terra essa cuidada e fertilizada até assassinos chegarem aqui. Criaram novos assassinos. Me recuso ser uma assassina. Me recurso pensar que a minha vida vale mais do que a vida de uma outra pessoa.

Enquanto sociedade luto pelo direito de existir, se expressar e criar. A sociedade brasileira é responsável pela morte da Matheusa e da Marielle. Ouso dizer a sociedade brasileira, pois aqueles que possuem uma visão e experiência crítica sobre a vida que tem sido possível nesse país em tempos atuais, sabem de que sociedade estou falando. Uma sociedade é construída de muitas sociedades. Aqueles que desejam OLHO POR OLHO E DENTE POR DENTE, sugiro: voltem para onde vocês saíram. Caso não suportem a liberdade, voltem para a caverna. Apaguem todas as luzes.

Registro de performance realizada em 2017: VIDAFODONA Rapha Narciso

 

 

 

Texto reproduzido do facebook de Gabe Passareli, na íntegra, comentando sobre as conclusões da investigação em torno do assassinato de sua irmã, Matheusa, e a repercussão na grande mídia.

Noticiário das Caravelas

Coluna da Angela

Angela é uma jornalista prestigiada, com passagem por vários veículos de comunicação da região, entre eles a marca da imprensa buziana, o eterno e irreverente jornal “Peru Molhado”.

Coluna Clinton Davison

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