A Federação Internacional de Diabetes (IDF) estima que metade dos adultos que vivem com a condição no mundo ainda não foi diagnosticada. São aproximadamente 537 milhões de pessoas, a maioria com diabetes do tipo 2, cujas complicações podem ser evitadas ou retardadas com o diagnóstico precoce, tratamento adequado e adoção de hábitos saudáveis. No Brasil, há cerca de 16 milhões de pessoas com diabetes, 32% das quais não sabem que têm a condição, e, portanto, estão sujeitas à perda de qualidade de vida e morte prematura por complicações como AVC, infarto e doença renal crônica.
No Dia Mundial do Diabetes, 14 de novembro, o Fórum Intersetorial para Combate às Doenças Crônicas não Transmissíveis no Brasil (FórumDCNTs) reafirma a importância do fortalecimento da atenção primária no país para ampliar o acesso da população a prevenção, diagnóstico e tratamento humanizado. Com o objetivo de discutir soluções para o contexto brasileiro, a entidade reuniu especialistas de diferentes campos no evento Diabetes: Prevenir Complicações para Aumentar Expectativa e Qualidade de Vida.
Segundo Mark Barone, coordenador do FórumDCNTs, “as apresentações mostraram iniciativas inspiradoras para os gestores públicos de saúde e, também, para o engajamento dos demais setores da sociedade em um movimento coordenado para o gerenciamento do diabetes no Brasil”. “Vimos exemplos de melhorias clínicas por meio da organização das linhas de cuidado, investimento em rastreio e diagnóstico, implementação de tecnologias, capacitação profissional e educação da população”. E, completou, “temos estimulado estados e municípios a conhecerem o pacote HEARTS-D da Organização Mundial da Saúde (OMS) e Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), em parceria com a IDF, para organizar os cuidados de qualidade do diabetes na atenção primária”.
Hermelinda Pedrosa, vice-presidente da IDF, enfatizou que todos se engajem na campanha deste ano “Saiba o Seu Risco, Saiba o que Fazer” e, na sequência, apresentou uma pesquisa realizada em sete países, inclusive no Brasil. “Dentre as 655 pessoas com diabetes entrevistadas, 72% descobriram que possuíam a condição apenas após manifestarem alguma complicação”, expôs. “A primeira necessidade é a do diagnóstico precoce. Porém, isso não basta – é preciso o suporte de profissionais capacitados que tirem as pessoas diagnosticadas da inércia e promovam o autocuidado, para que não desenvolvam complicações”, afirmou Sheila Vasconcellos, vice-presidente da Associação de Diabetes de Lagoa-RJ (ADILA).
Os painelistas reforçaram a importância da atenção à saúde mental. Entre os dados relatados por Pedrosa, está a informação de que 62% dos brasileiros entrevistados reconhecem a depressão como uma das complicações do diabetes. “Os pesquisadores também solicitaram sugestões de palavras relacionadas à condição. As mais citadas pelos brasileiros foram ‘medo’ e ‘ansiedade’”, apontou. Rebecca Barber, enfermeira cientista no Hospital das Crianças de Los Angeles (CHLA), ressaltou que as questões emocionais impactam o cenário clínico e, por isso, as políticas públicas devem incluir o apoio psicossocial para quem possui condições crônicas. “Precisamos desenvolver em nossos profissionais de saúde a habilidade de ver a pessoa como um todo e não se preocupar somente se ela está aplicando insulina”, defendeu.
Soluções: intersetorialidade e tecnologias
A relevância da cooperação intersetorial foi exposta por Clavdia Kochergin, docente da Universidade Federal da Bahia, instituição que implementou intervenções para o manejo de hipertensão e diabetes no município de Vitória da Conquista (BA). “Nós desenvolvemos uma rede de colaboração com a participação das secretarias municipal e estadual de saúde; Serviço Social da Indústria (SESI); Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia; e os hospitais Sírio Libanês e Albert Einstein. Também contamos com financiamento privado”. Como resultado, o nível de pressão arterial desejado (<140/90 mmHg) foi alcançado em 39% das pessoas com hipertensão; enquanto 38% das pessoas com diabetes apresentaram redução de, pelo menos, 1% da hemoglobina glicada (HbA1c).
A tecnologia também esteve em pauta durante o evento promovido pelo FórumDCNTs. Kochergin falou sobre a implantação de dispositivos point-of-care nos em Vitória da Conquista para medição do nível de HbA1c sem a necessidade de deslocamento dos indivíduos para um laboratório. “A inclusão dessa tecnologia na rotina das equipes de atenção primária à saúde aumentou as taxas de diagnósticos e identificação de indivíduos com a glicemia fora da meta glicêmica, e se mostrou custo-efetiva”, assegurou.
Resultados positivos também vem sendo obtidos com a utilização do Glic, aplicativo web/mobile para gerenciamento do diabetes com maior número de usuários no Brasil – 256 mil pessoas com diabetes e 2700 médicos. “O usuário insere seus dados diariamente na ferramenta, aos quais o médico tem acesso, o que viabiliza o acompanhamento contínuo, ajustes do tratamento a distância e prescrição eletrônica. O aplicativo também fornece suporte para autocuidados”, explicou Gabriel Moreira, diretor das áreas de Operações e Data Science do Glic. “No último mês, constatamos que a média de hemoglobina glicada das pessoas que usam a plataforma foi de 7,4%, dois pontos percentuais menor que a média nacional. De todos os lançamentos, 73% estiveram dentro do alvo, o que se traduz em estimativas de 60% menos complicações microvasculares, 68% menos amputações, 38% menos mortes relacionadas a diabetes e 26% menos infartos do miocárdio”, detalhou.
Para Jéssica Quadros, assessora no Departamento de Prevenção e Promoção da Saúde na Secretaria de Atenção Primária (APS) do Ministério da Saúde (MS), o Glic dialoga com as inovações pensadas no âmbito do Conecte SUS e do e-SUS APS. “O aplicativo é uma estratégia que pode fortalecer e transformar essa rede de serviços ao longo dos anos”, refletiu. Segundo Quadros, o MS assumiu o compromisso de aumentar a cobertura de estratégia saúde da família para que ela alcance 90% ou mais da população com serviços acessíveis qualidade e incorporação de tecnologias. Conclui que “os planos da APS do Futuro, do MS, levarão a ajustes que otimizarão consideravelmente os cuidados com diabetes e outras condições crônicas não transmissíveis”.