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Esse texto não pretende ter nenhum compromisso acadêmico, formal com a História ou Geografia de Cabo Frio. Terá, porém, algumas licenças poéticas; traço de alguém que gosta de desconstruir palavras e conceitos. Mas nele afirmo meu compromisso de ser fiel ao resgate da minha história, à força do povo caiçara de uma cidade que está em mim desde que nasci.

Nela habitaram meus antepassados, que eu saiba, desde meus “tataravós”. Nela eu toquei meus pezinhos na areia fina e branquíssima da Praia do Forte. Tomei os primeiros banhos de mar e os primeiros “caldos” em dias de ondas agitadas. Fui privilegiada em morar a 5 minutos da praia (andando), o que me possibilitou uns bons mergulhos em tempos de horário de verão, depois do trabalho. E momentos de higiene mental, refletindo sobre as pedras do Forte São Matheus nos dias difíceis (foram muitos).

Cabo Frio é vista pelo restante do estado como uma cidade do interior , essa não é uma má visão.

Na minha Cabo Frio, conheci o Malibu, a Rua do Canal, o meu primeiro amor. Nela nasceram minhas filhas, frutos desse amor. Nela enterrei meus avós, que me criaram como filha. Lá estudei, trabalhei, casei, me formei. Cresci como pessoa. E vi a cidade crescer e estacionar. Vi a cidade se descaracterizar. O comércio sofrer a entrada de empresas forasteiras e o povo aplaudir, consumir e reclamar dos comerciantes locais, que não se atualizavam. E é verdade. Mas também é verdade que há uma acomodação geral da cultura dessa antiga vila de pescadores, do povo que se nega a buscar os meios que a cidade pode oferecer. Ao mesmo tempo, uma necessidade de importar ideias e padrões da “cidade grande”, porque, afinal, ninguém aqui quer ser demodê. Chique é a moda do Rio de Janeiro, que já vem pronta e é referência “lá fora”. E o mito da cidade grande segue sequestrando a nossa raiz, a cultura de Cabo Frio, aquela que o povo só percebe o valor quando regressa em forma de sucesso, aclamada nos grandes centros.

Essa cidade “de interior” (o chique Rio de Janeiro chama Cabo Frio assim), lá pelas tantas, torna-se pequena diante do potencial e das possibilidades que as metrópoles têm. Mas e o seu potencial? É grande. Mas ela é colônia. Em História, Geografia e pensamento. Um pedaço de terra sem identidade, que avança pelo mar em busca do seu colonizador.

Nos anos que trabalhei na Secretaria de Cultura, encontrei algumas cabeças que pensavam uma cidade sustentável, com sua cultura valorizada e fomentada; iniciativas de gestão interna; parcerias entre Educação, Cultura e Turismo; Políticas Públicas sérias, que trabalhassem suas vocações, explorando seus recursos, que são muitos. Utopia. Pela sua linha do tempo, observo as tentativas e fracassos daquelas cabeças que, por mais comprometidas e interessadas no bem-estar e desenvolvimento da cidade, não conseguiram ocupar um espaço de fala ou atuação com continuidade; apenas ações pontuais marcadas pela filosofia de Política Partidária de Governo, em vez de Políticas de Estado. O diagnóstico é inevitável nessa ausência de atendimento: “Cada um por si”. O tratamento, velho conhecido dos nossos avós: automedicação. Especialmente se, nesse caso, quem deve garantir e promover o bem-estar, nega o direito a ele. Então, qual o remédio?

Penso que as palavras de ordem são: acesso e inclusão. A exclusão segrega, enfraquece, rouba perspectivas. A cidade sem cultura, sem identidade, sem memória cria filhos sem apego, sem interesse, sem futuro. Que saem e não querem voltar para casa. Hoje, várias cidades, com suas realidades diversas, criam um novo horizonte, no sentido de dar a praça ao povo, que lhe é de direito. Acontece de uma forma embrionária, mas esperançosa. Informal, mas acessível. Com pouca estrutura, e total respeito à diversidade histórica, econômica e social.

Mas o cabo-friense, numa micro representação do povo brasileiro, precisa sair da “cadeira numerada, sentar na arquibancada”, entender de que lado está e se fortalecer contra o processo de exclusão da elite política (para isso, entender quem é a elite). E então, começar a se reconhecer nesse processo e se pertencer. Ocupar seu lugar e lutar pela sua permanência nele.

Eu tive que sair, mas ficaria, se pudesse. Hoje, olho de longe. E escrevo sob a perspectiva que esse olhar me trouxe. Quero voltar um dia. E sonho com uma outra Cabo Frio, com autonomia de pensamento e ação, livre da pequenez das vaidades e das amarras da colonização.

 

  • Daniela Lopes, 43 anos. Nascida e criada em Cabo Frio. Morando em Niterói. Assistente Social por formação. Mãe por opção. Artista por inquietação.

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