Em 1994, a cidade do Rio de Janeiro passava por uma crise tão grande, ou mesmo pior, do que a que ela enfrenta atualmente. As taxas de homicídios explodiram, as indústrias que empregavam milhares de pessoas fechavam as portas, foi a época em que a indústria naval, que empregava milhares de operários foi desmontada, peça por peça, porque não havia mais encomendas.
A inflação ainda era um fantasma que assombrava a todos, embora o Plano Real surgisse no horizonte como uma promessa.
Foi nessa época, que uma nova expressão começou a se fazer cada vez mais presente no vocabulário carioca: “fulano é um emergente”, diziam. Mas afinal, o que seria um “emergente”? O termo apareceu pela primeira vez, na coluna de Hildegard Angel, que na época escrevia para o caderno “Ela”, aos sábados, no jornal “O Globo”. Hildegard Angel, filha da estilista Zuzu Angel, e irmã de Stewart Angel Jones, seguia uma longa tradição do jornalismo que cobria a vida cotidiana dos ricos e famosos do Rio de Janeiro. Ibrahim Sued, nos anos 60 e 70, levou o colunismo social para a televisão e se tornou o cronista de uma elite carioca que construiu a sua fortuna a partir de empreendimentos como a indústria, o mercado financeiro e o comércio.
Era um mundo fechado, com lugares reservados a poucos privilegiados, como a pérgola do Copacabana Palace. Os rituais deste grupo eram rígidos e mostravam que estas famílias ricas e também tradicionais. Havia Carmem Mayrink Veiga e Eduardo Guinle, referências de estilo e elegância. Se o Rio de Janeiro era um cartão postal, eles eram as pessoas que sempre apareciam nas fotos com a paisagem da praia ao fundo.
Mas a violência, a desindustrialização e a decadência econômica empobreceram a cidade, e o glamour da elite que a representava, já não era mais o mesmo. Foi neste contexto de decadência econômica, que Hildegard Angel criou a expressão “emergente”. Ela representava a ponta do iceberg de um processo bem mais profundo. Um “emergente” era antes de tudo, um “novo rico”, alguém que ao contrário de decadência e empobrecimento da cidade, mostrava que conseguiu enriquecer, em uma cidade onde todos empobreciam.
O “emergente” era também aquele estava disposto a consumir produtos que naquele momento, mesmo os ricos e famosos hesitavam em abrir as carteiras. Além disso, o “emergente” tinha uma história que parecia se encaixar como uma luva na conjuntura de crise econômica que a cidade enfrentava.
Nascido e criado no subúrbio do Rio de Janeiro, o “emergente” enriqueceu em atividades que os ricos tradicionais em outros tempos, torciam o nariz. Eram donos de redes de padarias, como a antológica Vera Loyola, de cadeias de postos de gasolina e supermercados. Ele exibia com seus bens, a comprovação de que era possível “dar a volta por cima”. Era enfim, o “dinheiro novo” que a cidade estava precisando.
No entanto, para a elite tradicional, estes ‘novos ricos” eram a prova de que o Rio de Janeiro estava de mal a pior. A exuberância de suas roupas, a sua origem “plebéia”, o gosto duvidoso de suas casas e de suas festas eram interpretadas pelos “velhos ricos”, como uma afronta aos rígidos códigos de admissão ao seu mundo pequeno, mas glamouroso.
Escrevo este texto no sentido de explorar uma ideia que já passa na minha cabeça há algum texto. Cronistas da vida social como Hildegard Angel, perceberam o momento de uma mudança fundamental na cartografia econômica e social da cidade do Rio de Janeiro. Os “emergentes’ marcavam o momento em que a elite econômica da cidade do Rio de Janeiro sofria uma grande transformação.
Como já dizia Jacqueline Kennedy, o dinheiro nunca acaba, ele apenas muda de bolsos, e era isso o que estava acontecendo naquele momento. O dinheiro estava mudando de bolsos no Rio de Janeiro, e também de endereço. A partir da década de 90, os ‘emergentes” iniciaram um movimento de mudança do eixo residencial “rico” da cidade. Na maior parte do século XX, a “Zona Sul” era o horizonte cultural, não apenas da elite da cidade, mas do restante da sociedade. Nesta cartografia simbólica, Copacabana e Ipanema eram exportadoras de estilo de vida.
Os “emergentes” resolveram mudar esta cartografia. A Barra da Tijuca, com uma arquitetura emulando claramente Miami e Los Angeles, tornara-se o lugar preferido de residência destes novos ricos.
Se percorrermos os subúrbios cariocas podemos perceber claramente que esta não foi uma mudança à toa. Todos os ídolos desta população suburbana, de Adriano, “o Imperador”, às estrelas do Funk, todos e todas escolheram a Barra da Tijuca, e o estilo de vida destes emergentes, como régua e compasso para suas vidas.
Quando Hildegard Angel escreveu pela primeira vez sobre os “emergentes”, sua intenção era mostrar que a cidade estava dando sinais de uma recuperação econômica. Personagens como Vera Loyola eram prova destes tempos. Mas, na minha opinião havia algo mais ali. Havia também a crônica de um movimento de mobilidade social muito grande.
De um lado, os “velhos ricos” estavam ficando cada vez mais velhos, e menos ricos. Mas por outro, havia uma classe média, esta oriunda dos subúrbios do Rio de Janeiro que encontrou na Barra da Tijuca, a paisagem para a realização de suas aspirações. Definitivamente, a emergência dos “emergentes”, marcava o começo do fim da Zona Sul, como horizonte simbólico e de estilo de vida do Rio de Janeiro.
Pesquisas de opinião mostram que quando perguntados se gostariam de se mudar dos subúrbios, muitos cariocas responderam que a princípio, não fariam este movimento, mas se o fizessem, ou seja, se tivessem dinheiro para se mudar para outro lugar, eles se mudariam para a Barra da Tijuca, e não mais para a Zona Sul.
Hoje, passados mais de vinte anos, a cidade vive outra crise econômica, talvez pior do que a anterior. Resta saber se desta vez, uma outra personagem “emergente” vai aparecer, como foi o caso em 1994.
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