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1976, o ano em que o Rio de Janeiro descobriu que era “Black”

 

O ano era 1976 e o Jornal do Brasil em um sábado, 17 de julho, publicou uma reportagem da jornalista Lena Frias no seu Caderno B. Para quem não sabe, ou já não se lembra mais, o “Caderno B do JB” era o suplemento cultural mais respeitado do jornalismo carioca, e provavelmente do Brasil. Ali, toda semana saíam matérias sobre literatura, cinema, arte, comportamento, onde uma parte da classe média carioca poderia atualizar o seu estilo de vida. Na época, o JB era considerado o jornal da classe média “esclarecida”, aquela que muito discretamente manifestava o seu descontamento com o Regime Militar.

A música popular brasileira acabou se transformando no espaço mais visível desta oposição. Conquistar um espaço neste cenário, no entanto, não era pouca coisa. Para começo de conversa, o músico tinha que se entender com a muralha de críticos e formadores de opinião. Por mais que os músicos discordassem, sem o aval dos críticos, as coisas eram bem mais difíceis, as opiniões deles delimitavam uma fronteira muito clara entre aquilo era o “bom gosto musical”, e o “resto”.

Para complicar mais as coisas, havia também as rádios. Para tocar uma música de um artista em começo de carreira, as gravadoras estabeleceram um verdadeiro código de honra com as redes de comunicação: este artista, considerado ‘uma promessa” pela gravadora, começava a ser executado maciçamente nas rádios, o que dava a entender que ele era um “sucesso”.

Todo produtor de rádio sabia que por trás de cada “sucesso” havia uma agressiva campanha de marketing das gravadoras que não raro, envolvia o pagamento para que a música fosse executada. No meio radialista isso era conhecido como o popular “jabá”.  O “campeão de vendas” acabava se transformando em uma profecia auto realizável, quanto mais a rádio executava a música daquele artista, mesmo sem o pedido dos ouvintes, mais o artista subia nas paradas de sucesso.

Mas aquela reportagem de Lena Frias apresentou ao público leitor do Jornal do Brasil, um Rio de Janeiro que não era conhecido. Era o Rio de Janeiro onde aconteciam todas as noites de final de semana, os bailes “Soul’, nos subúrbios do Rio de Janeiro. Lena Frias descreveu como todos os finais de semanas milhares de trabalhadores pobres dos subúrbios lotavam clubes de dança, envergando roupas e sapatos imitando rigorosamente os modelos da “Black Power” americana.

De certa maneira, foi com aquela reportagem, “Black Rio- O Orgulho (importado) de ser Negro no Brasil”, que o Rio de Janeiro foi apresentado àquela versão jovem do movimento negro carioca. A matéria mostrou como  jovens negros do subúrbio apropriaram-se dos símbolos de uma cultura importada, o “Black Power” americano e transformaram aquilo em uma forma expressão de seu estilo de vida.

Em Madureira, subúrbio da Leopoldina era exibido o legendário “Wattstax”, o registro cinematográfico do festival homônimo criado em 1972, que passou a ser conhecido como o “Woodstock Negro’. Ao mesmo tempo, fanzines, panfletos e saraus (sim Fábio Emecê, saraus), discutiam em rodas leitura, de Samba e de Soul Music, os problemas de ser negro, trabalhador e suburbano no Rio de Janeiro. Havia alguma coisa no ar, identificou corretamente Lena Frias, e não era apenas a música de James Brown ou de Isaac Hayes. Mas afinal, o que estava acontecendo com aquela garotada?

 

O movimento não foi bem recebido pela Velha Guarda do Samba. Então o subúrbio de Madureira, o torrão natal da Portela, do Salgueiro e do Império Serrano estava se rendendo aos requebros de James Brown e ao funk de Sly and The Family Stone, cantando “It’s A Familly Affair? Não faltaram aqueles que identificaram no movimento “Black Rio”, um distanciamento das verdadeiras “raízes” da cultura popular carioca e, de certa maneira, uma capitulação à “hegemonia cultural americana”.

A bem da verdade, o termo “Black Rio” foi um nome de batizado que procurava enquadrar manifestações culturais bem mais amplas e complexas do que apenas a música, a dança e a indumentária. A própria Lena Frias reconhecia que estava diante de um dos mais complexos problemas sociológicos. Afinal, como dar nome “àquilo”?

Em princípio o movimento “Black Rio”, não se identificava com qualquer bandeira política que naquela época pudesse associá-lo à um “movimento de esquerda”. Afinal, o que era “ser de esquerda no Rio de Janeiro” naquela época? A “esquerda” começava a ser associada, cada vez mais, a alguns segmentos da Classe Média. Eram os anos em que a cidade do Rio de Janeiro perdia rapidamente a sua base industrial. Fábricas fechavam ou se mudavam para outras cidades, o carioca trabalhador da fábrica e usuário dos trens da Central, ia dando lugar a um outro tipo de trabalhador.

Os sindicatos e por extensão, a esquerda começaram a perder contato com esta população, ao mesmo tempo em que parte da classe média tornava-se cada vez mais simpática à esquerda, na medida em que a ditadura militar ficou mais brutal, principalmente a partir de 1969. Esta mudança merece ser melhor estudada, e considero que ela ajudaria e muito a compreender a cultura política carioca contemporânea.

Ainda estamos em plena ditadura militar, no governo do General Ernesto Geisel, que embora mais moderado que seu antecessor, Emílio Garrastazu Medicí, não teve nenhum constrangimento de fechar o Congresso Nacional em 1974.

Portanto, o que à primeira vista parecia apenas uma forma despretensiosa de lazer de jovens pobres do subúrbio do Rio de Janeiro, quando visto de maneira mais atenta representava também uma tentativa de construir algo mais profundo. Estavam ali os elementos que ligavam as vivências de trabalhadores com formas de expressão artística, que fizeram a tradição do samba no passado. Mas estava também a capacidade de apropriar-se de elementos de culturas estrangeiras para servir de formas de expressão dos trabalhadores pobres dos subúrbios da cidade. Bem, daí para o surgimento do Funk, não demorou muito tempo.

A jornalista Lena Frias estava certa, ali estava alguma coisa nova e muito diferente do que existia até então. E eu acho que ela identificou corretamente a ponta de um iceberg. Bem, o que mais tem lá no fundo?

Noticiário das Caravelas

Coluna da Angela

Angela é uma jornalista prestigiada, com passagem por vários veículos de comunicação da região, entre eles a marca da imprensa buziana, o eterno e irreverente jornal “Peru Molhado”.

Coluna Clinton Davison

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