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Manchete do jornal de 1888 sobre o fim da escravidão e manchetes dos jornais de hoje

Muita coisa tem sido escrita sobre o impacto da escravidão “depois” da escravidão. Até aí, tudo bem. Geralmente, quem estudou um pouco de História aprendeu, em algum momento da vida, que os efeitos do fim da escravidão perduraram pelo menos até os primeiros anos da República. Quando Deodoro da Fonseca declarou que a República estava instaurada na capital do Império, Aristides Lobo escreveu que o povo da cidade assistiu àquela quartelada “bestializado”.

Havia uma ponta de ironia e de crítica na expressão. Por um lado, o povo do Rio de Janeiro, ainda de maioria não branca foi espectador, e não protagonista da derrubada da única monarquia ainda existente no continente americano. O movimento não passou de uma quartelada de militares descontentes com o rumo dos negócios do Império. O próprio Deodoro, a bem da verdade, nem republicano era ou se o foi, converteu-se à causa na última hora. Havia também na expressão a alusão ao fato de que aquele “povo” era bestializado também porque faltava-lhe a  “civilidade” necessária para perceber a importância da participação política. Afinal, para uma população em grande parte recém saída do cativeiro, a ‘política” era como se dizia, “coisa de branco”.

Enfim, a não participação política desta população não branca, a sua pobreza e precariedade no trabalho e nas suas condições de vida poderiam ser atribuídas, naquele momento, ao legado de mais de 350 anos de cativeiro.

 

Mas, o tempo passou, o país sofreu muitas transformações e a escravidão foi ficando cada vez mais distante no retrovisor. A pergunta é: será que mesmo a longo prazo, mais de 120 anos depois da assinatura da Lei Áurea, ainda podemos dizer que esta “abominável instituição”, como dizia Joaquim Nabuco, ainda produzia as suas sequelas? Isso é o que poderíamos chamar de “efeitos de longo prazo”, ou seja, evidências que encontramos no presente de fatores que surgiram há muito tempo atrás, mas que ainda assim causam consequências.

Por exemplo, a atual desigualdade entre brancos e negros poderia ser atribuída, ao menos em parte, aos efeitos de longo prazo da escravidão? Afinal, já se passaram mais de um século e, como assinalei acima, já teria passado tempo suficiente para que as marcas desse passado estivessem apagadas por completo. Ou talvez, a sombra do passado distante ainda se projetasse sobre nosso presente.

O Brasil, por mais de três séculos, foi o destino de pelo menos 40%  de todos os escravos que saíram da África e tomaram o caminho da América, ou seja, de cada dez escravos que eram embarcados nos portos africanos, pelo menos quatro vinham parar em território brasileiro.

Quando o primeiro e único Censo a contabilizar a população escrava foi realizado em 1872, percebeu-se que o cativeiro ainda era forte, mas sua distribuição pelo país era bem desigual. Havia províncias (naquela época, os atuais “estados” eram chamados de ‘províncias”) em que a escravidão era praticamente inexistente. Por exemplo, na Província do Amazonas, assim como no Ceará, a escravidão estava em franco declínio. Poucos escravos podiam ser contados entre as populações daquelas regiões, pois a maioria já havia sido vendida para as províncias do Sul, principalmente o Rio de Janeiro e São Paulo.

E Deodoro nem republicano era

Os escravos nestas províncias eram tão poucos, que no início da década de 1880, antes mesmo da assinatura da Lei Áurea, a escravidão já havia sido ali abolida. Este porém,  não era o caso da Província de Minas Gerais, ou do Rio de Janeiro e São Paulo. Minas Gerais sempre teve a maior população escrava do Império, ao longo de todo o século XIX. No Rio de Janeiro, cidades como Valença, Vassouras e mesmo a pequena Cabo Frio, possuíam uma população escrava que era superior a um terço do total de moradores. Proporcionalmente, mesmo às vésperas da Abolição, as cidades do interior do Rio de Janeiro possuíam uma população escrava comparável às cidades do Sul dos Estados Unidos, antes da Guerra Civil.

Ao menos do ponto de vista demográfico, uma cidade como Valença, Vassouras, ou mesmo Cabo Frio estavam mais próximas do Alabama ou do Mississipi, do que da Corte. Em termos comparativos, em 1872, o Rio de Janeiro possuía 18% de sua população contabilizada como ‘escrava”, enquanto Vassouras, a cidade mais importante do complexo cafeeiro fluminense tinha mais de 40% de escravos.

Agora, vamos imaginar o seguinte jogo mental. Vamos supor que somos espectadores em uma pista de corrida. Em um canto desta pista está um “corredor”, que foi escravo, mas que morava em uma cidade do interior do Rio de Janeiro. Este mesmo “corredor” decidiu ficar no seu torrão natal, depois da Abolição. No outro canto da pista, temos um outro “corredor”  ex-escravo, mas que saiu de sua cidade e foi buscar a sorte em outro canto. A “corrida” aqui seria a seguinte: em quanto tempo, os descendentes destes “corredores” teriam realmente uma ascensão social, a ponto de se colocarem em melhores condições do que seus ancestrais?

Este “experimento” seria uma maneira de medir o impacto da escravidão sobre as gerações subsequentes. A hipótese é que em cidades onde a presença da escravidão foi maior, o principal efeito seria que a desigualdade entre brancos e negros atualmente seria maior do que nas outras cidades, onde a presença da escravidão foi menor.

Assim, em princípio, as possibilidades de mobilidade social para um ex-escravo e seus descendentes em uma cidade como o Rio de Janeiro seriam maiores, do que em outras cidades, onde o peso da escravidão foi maior, como no caso de Vassouras, ou mesmo de Cabo Frio.

Richard Wade, um historiador norte-americano escreveu em 1964, um livro que se tornou um clássico nos estudos da escravidão. “Slave in the Cities” era uma tentativa de mostrar um aspecto da escravidão que até então não tinha merecido tanta atenção dos estudiosos. Ele resolveu estudar a vida dos escravos nas cidades do Sul dos Estados Unidos, antes da Guerra Civil, o período que os americanos chamam de “Antebellum’. Wade demonstrou que as cidades foram muito mais importantes para o fim da escravidão nos Estados Unidos do que até então se pensava.

Na verdade, pouco antes da Guerra Civil, a escravidão estava diminuindo rapidamente nas grandes cidades sulistas. E então ele pergunta: se a escravidão estava em decadência por causa do crescimento urbano, a Guerra Civil americana foi um fato inevitável? Havia a necessidade de sacrificar quase um milhão de vidas para acabar com aquela “infâme instituição”, segundo Abraham Lincoln?

Os negros que saíram do interior e foram para estas cidades tiveram melhores chances do que seus conterrâneos, que ficaram nas “roças” colhendo algodão? Richard Wade conclui seu estudo afirmando que “sim”, quem deixou o campo saiu na frente nesta corrida imaginária que levaria gerações para ser concluída.

E é por isso, que um dos maiores símbolos da liberdade, lá na América do Norte, assim como aqui no Brasil era sair pela estrada a fora, à pé, de trem, ou no lombo de uma mula, por quê no fim daquele caminho, quem sabe, a corrida tivesse valido a pena. (Continua)


Nota da redação: A imagem de Deodoro de cabeça pra baixo é proposital

Noticiário das Caravelas

Coluna da Angela

Angela é uma jornalista prestigiada, com passagem por vários veículos de comunicação da região, entre eles a marca da imprensa buziana, o eterno e irreverente jornal “Peru Molhado”.

Coluna Clinton Davison

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