A redução da taxa de desmatamento da Floresta Amazônica, anunciada às vésperas da 23ª Conferência do Clima (COP23), rendeu um reforço de caixa ao Brasil. Paralelamente às negociações climáticas em Bonn, foram anunciadas nesta terça-feira (14/11) doações internacionais que chegam a meio milhão de reais.
Da Alemanha, país anfitrião, virão cerca de 235 milhões de reais adicionais para Brasil. Um pouco mais da metade irá para o Fundo Amazônia, com o qual os alemães colaboraram com 28 milhões de reais desde 2010. O valor restante vai financiar projetos de manejo sustentável de florestas no Acre e Mato Grosso.
Esses estados brasileiros, que perderam respectivamente 13% e 40% de suas matas nativas, vão receber também 185 milhões de reais do Reino Unido. O país, que faz ajustes internos para se separar da União Europeia, alocou ainda 82 milhões de reais para projetos florestais no Brasil, na Colômbia e no Peru.
Da Noruega, maior doadora do Fundo Amazônia, nenhum centavo a mais. Vidar Hegelsen, ministro norueguês do Meio Ambiente, classificou de “positiva” a queda de 16% na taxa de desmatamento da Floresta Amazônica entre agosto de 2016 e julho deste ano. Em junho último, ele havia criticado a política ambiental do Brasil que, logo na sequência, viu o repasse de verbas norueguesas cair.
“O sucesso [do combate ao desmatamento] depende no Brasil”, disse. “Não há dúvida de que os esforços do Brasil são importantes para o clima mundial, especialmente em relação ao que acontece na Amazônia.”
O ministro brasileiro do Meio Ambiente, José Sarney Filho, saudou os contratos de cooperação firmados. “Alemanha e Noruega valorizam os esforços de combate ao desmatamento por meio do Fundo Amazônia, que é um importante vetor de políticas ambientais na região”, afirmou.
Nos últimos meses, recursos do Fundo Amazônia ajudaram a custear veículos e outros equipamentos usados por agentes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Apesar da redução de 16% anunciada pelo governo, o desmatamento na Amazônia segue expressivo: o total de área desmatada entre agosto de 2016 e julho deste ano foi de 6.624 quilômetros quadrados, sendo a maior parte nos estados do Pará, com 2.413 quilômetros quadrados, e do Mato Grosso, com 1.341 quilômetros quadrados.
“Criação do homem branco”
Cacique Raoni, líder da etnia caiapó, viajou a Bonn e acompanhou os anúncios das novas doações para combater o desmatamento. Com uma idade estimada em 88 anos, o líder de populações indígenas de Mato Grosso está acostumado a grandes plateias e autoridades internacionais.
Ele diz se alegrar com a cooperação internacional, mas ressalta que o maior problema tem que ser tratado dentro do Brasil. “O que acho mais importante para os povos indígenas é a terra. A gente precisa de terra demarcada”, afirma.
“O dinheiro não é uma criação do meu povo, é uma criação de vocês, do homem branco”, diz Raoni na língua indígena, traduzida para o português por seu sobrinho-neto, Patxon Metukktire.
“Quando se tem a terra, os indígenas podem usar o dinheiro que esses países estão investindo para fazer nossa agricultura, o desenvolvimento, do nosso jeito, nas nossas terras”, complementa Raoni.
Momentos após o anúncio, lideranças indígenas lançaram na COP23 um manifesto contra retrocessos internos, citando o projeto de lei que será levado ao Congresso para autorizar arrendamento de terras indígenas. No dia anterior, um grupo havia apresentado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos denúncias sobre o aumento de violência – 118 indígenas foram assassinados no ano passado, segundo dados do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
Para André Guimarães, diretor-executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), o dinheiro dos países doadores é menos importante. “Cooperação internacional é extremamente necessária para conservação”, justifica. Guimarães cita o impacto positivo de mais de 40 anos de cooperação com a Alemanha, que classifica de “permanente e consistente”.
Segundo Guimarães, o trabalho conjunto, ao longo dos anos, foi importante para se conhecer melhor a Amazônia. Projetos em comum ajudaram, por exemplo, a criar o sistema de alerta de queimadas.
“A construção de dados e organização de informações talvez seja o melhor resultado que o Brasil tenha tido com a cooperação alemã”, opina.
Florestas sentem mudanças climáticas
Estima-se que 11% das emissões globais de gases de efeito estufa venham do desmatamento. Um estudo publicado pelo centro de pesquisas Woods Hole concluiu que o fim da destruição das florestas tropicais, o manejo sustentável e a restauração de 500 milhões de hectares poderiam capturar 100 bilhões de metros cúbicos de CO2 – o que equivale a dez vezes o volume emitido por ano pela queima de combustíveis fósseis.
Mas as florestas estão fora da mesa de negociação na COP23. Na reunião, de caráter mais técnico, o assunto é abordado de forma lateral, o que Guimarães considera um erro.
“Florestas podem ser uma ponte até que tenhamos tecnologias que substituam de vez as fontes fósseis. Trabalhar e restaurar floresta tropical é estratégico para manter a temperatura abaixo dos 2 graus Celsius [meta do Acordo de Paris]”, avalia o diretor do Ipam.
No processo de crescimento, as árvores capturam CO2 da atmosfera, gás de efeito estufa apontado como principal causador das mudanças climáticas.
Na COP23, diversas entidades – e o governo brasileiro – defendem a criação de programas que compensem financeiramente quem preserva áreas de mata, mecanismo conhecido como pagamento por serviço ambiental.
“É outra parte do processo de acabar com o desmatamento. É compensar quem está fazendo direito, quem mantém a floresta em pé”, comenta Guimarães.
Raoni diz que ninguém precisa explicar ao seu povo os benefícios das florestas, que, segundo ele, já sentem os impactos das mudanças do clima. “Na minha juventude, não havia dias tão quentes. Hoje, os ventos são mais fortes. O fogo entra nas nossas terras. A gente está vivendo o problema que está acontecendo no mundo, e a gente está vendo nas nossas aldeias.”
Fonte: Deutsche Welle (DW)