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Foto: El País
Foto: El País

Por Mark Zussman

trump
Um dos “Trumps” do programa de humor Saturday Night live, sucesso há mais de 4 décadas na TV americana.

Às vezes a Barbara ri às gargalhadas, às vezes os risos dela são meio sufocados, mas a Barbara está rindo muito. E, quando não rindo, sorrindo. Eu não uso Facebook.  Nem sequer tenho uma conta. Barbara, sim. E é graças à enxurrada de piadas circulando pelo Facebook e por uma variedade de outros canais que ela e os demais milhões de americanos hostis ao Reichskanzler Donald estão mantendo o seu equilíbrio frente aos ataques dele não somente à Constituição – falando sério, gente, a Constituição lá, não é um documento tão sagrado quanto muitos dos meus concidadãos norte-americanos acreditam – mas também a coisas infinitamente mais básicas como o bom senso, a decência humana e esse consenso que existia no passado a respeito de alguns fatos rudimentares como, por exemplo, que dois e dois fazem quatro.

Sim, gente, no meu país de origem, é tão tétrico assim. Trump e a sua quadrilha estão virando uma grande parte do que era mesmo um pouco promissor nos EUA de cabeça para baixo. Os Republicanos no Congresso, mesmo a grande maioria que não concorda plenamente com a visão etno-nacionalista do Reichskanzler, estão trabalhando assiduamente para explorar a situação em proveito próprio. Os Democratas no Congresso . . . ah, os coitados dos Democratas. A oposição “oficial”. Não somente não têm os votos para impedir os projetos espalhafatosos já na mesa e os outros vindouros, o pior é que eles ainda estão se comunicando numa linguagem racionalista aperfeiçoada em séculos passados e baseada, hoje em dia, em pesquisas e análises rigorosas, ou seja, em fatos, mas agora . . . desprezada? Não, não é que essa linguagem seja desprezada exatamente. É que uma grande parte do eleitorado simplesmente não tem a capacidade de sintonizar e entender um discurso racional e racionalista. Não tem interesse em pontos de vista que divergem dos seus. Quanto aos defensores os mais fanáticos de Trump (e ainda tem muitos), eles ficam emocionados somente pelos brados incendiários dos apresentadores ultraconservadores e ultranacionalistas da rádio de bate-papo. Alimentam-se de lemas, bordões, palavras de ordem.

Bem estranho aqui em nosso lar ainda inexoravelmente norte-americano, aqui em Búzios. Normalmente, eu sou o otimista. Qualquer que seja o probleminha do dia, eu acredito que será resolvido com nada mais do que uma pequena dose de astúcia e, se absolutamente necessário, honorários de R$50. Barbara é que é a cética. Mas, com respeito aos EUA, a Barbara é muito mais otimista do que eu. Barbara acredita, por exemplo, que as manifestações populares, as campanhas de envio de cartas, as campanhas de telefonemas para senadores e “Representatives” (os deputados de lá) surtirão efeito. Barbara acha que a eleição de Trump era uma dessas anomalias técnicas que serão corrigidas assim que o rapaz com a chave de fenda especial chegar para mexer na caixa. Ponto de vista mais do que respeitável e dividido por muitos americanos bem informados e de mente analítica. Não obstante, eu rio.

Eu vejo somente duas luzes de esperança. Primeiro, os tribunais. Mesmo os juristas indicados por Presidentes Republicanos – Bush filho, Bush pai, Reagan – têm, aparentemente, pelo menos um mínimo de respeito por princípios constitucionais. É por isso que eles contribuíram ao bloqueio da “ordem executiva” – como uma medida provisória presidencial no Brasil – pela qual o Reichskanzler fechou as fronteiras do país, de um momento para o outro, para todos os cidadãos de sete países de maioria muçulmana, mesmo aqueles com os seus vistos em ordem, com malas feitas e, em alguns casos, já esperando a porta do avião abrir para desembarcarem em solo americano. Mesmo aqueles que tinham morado no país por muitos anos com green card e, por acaso, na hora da ordem executiva, estavam viajando no exterior.

A outra luz de esperança? A comédia.

Difícil equiparar o Brasil com os Estados Unidos nesse quesito. Eu sempre gostava do comediante Gustavo Mendes no papel de Dona Dilma, e agora, alguns meses atrás, no The Noite, com Danilo Gentili, vi Tom Cavalcanti imitar Michel Temer com considerável virtuosismo – mas não tão considerável quanto o de um outro alguém, não sei quem (mas não Gustavo Mendes), ao lado dele, imitando os grandes gestos desajeitados da Dilma. Vi outro comediante, um tal de Gregório Duvivier, também imitando Temer sem a peruca de Drácula que Tom Cavalancante usava mais com mesóclise sobre mesóclise sobre mesóclise.

Sou estrangeiro. Meu entendimento do Brasil não é enciclopédico. Mas tenho a impressão que, depois do termino do Casseta e Planeta, a maioria do humor político no Brasil migrou para a Internet. Porta dos Fundos.  O Sensacionalista (“isento de verdade”) na página www.sensacionalista.com.br.  Charges.com.br de Maurício Ricardo. Tem mais.

Nos Estados Unidos o humor é uma indústria muito maior – e em rápida expansão; e o humor e a comédia políticos constituem um segmento cada vez mais expressivo do setor. Isto não é uma piada. Dois anos atrás, o jornal profissional Billboard noticiou que os clubes de comédia em pé, sozinhos, movimentavam $300 milhões por ano. Isto, obviamente, é mais do que a ponta do icebergue, mas é bem longe do icebergue inteiro.

Para a comédia, Trump é uma dádiva dos céus. Coisa como um Land Rover zero sob a árvore de Natal. Considere, por exemplo, o programa Saturday Night Live, ou sábado à noite ao vivo, que vem ao ar no sábado (obviamente) às 23h30. SNL está no seu 42.º ano, ou seja, já ultrapassou a sua esperança de vida por duas ou três décadas. Mas o ator Alec Baldwin observa de perto todos os trejeitos e maneirismos de Trump. Apresenta-se no SNL como Trump, e o Trump dele – um pavão desastrado – é hilariante. Semana passada, SNL tinha a segunda maior pontuação no ibope de toda a televisão norte-americana entre adultos 18-49.  E esse ibope não é prejudicado pelo fato que Trump, obcecado, narcisisticamente, com a sua própria imagem, monitora o show com mais atenção do que os dados econômicos, ou quaisquer outros dados, deixa o show mexer com ele, e escreve tuites – inconsistentes nem com a dignidade nem com as responsabilidades do cargo – para denunciar o show. Um exemplo: “Not funny, cast is terrible, always a complete hit job. Really bad television!” “Sem graça, elenco horrível, nada mais do que assassínio puro. Péssima televisão.” Em dezembro, tratou o show de “unwatchable” – impossível de assistir. Mas ele assiste.

Outros comediantes brilhantes – Stephen Colbert, Bill Maher, Samantha Bee, Lewis Black – o ataca sem trégua. Quanto mais feroz o ataque, mais sobe a popularidade do comediante e maior a audiência.

Eu acho interessante, já que cheguei a este ponto, que não mencionei o jornalismo sério, inteligente e analítico nos EUA entre as entidades e organizações e instituições ripostando contra Trump, junto com os Democratas no Congresso e o sistema judiciário e as manifestações populares. O quadro de honra é grande – liderado, obviamente, pelo The New York Times. Mas tem dezenas de veículos, impressos e virtuais. Provavelmente centenas. Só que os veículos de notícias e de opinião sérios, ponderados e inteligentes, como os especialistas em política pública entre os Democratas no Congresso, não conseguem alcançar essa grande população com pouca capacidade de atenção e viciado em lemas, bordões, palavras de ordem. Além do mais, Trump vem demonizando a imprensa séria, ponderada e inteligente a toda hora. Tuitou, sexta-feira: “The FAKE NEWS media (failing @nytimes, @NBCNews, @ABC, @CBS, @CNN) is not my enemy, it is the enemy of the American People!” “Os veículos de notícias falsas não são meu inimigo, são o inimigo do povo americano” – e, como sempre, quando refere ao The Times, o The Times foi caracterizado como o “The New York Times fracassado”.

Eu acho um sinal dos tempos que o próprio The Times consagra cada vez mais espaço na sua primeira página a resumos detalhados dos esquetes vindos ao ar no Saturday Night Live e dos gracejos político-satíricos nos monólogos dos apresentadores da televisão em altas horas.  É que os satiristas estão dizendo coisas que o Times e os outros veículos “respeitáveis” não podem dizer em sua própria voz.

Quando, por exemplo, o The Times pela primeira vez vinculou o nome Trump e a palavra “lie”, ou mentira, numa única manchete (“Trump Repeats Lie About. . .”/“Trump repete mentira sobre. . .”), mês de janeiro,o The Times quase teve que ir para a cama por uma semana para recuperar o seu equilíbrio. Não fica nas tradições educadas e civilizadas do The Times tratar o presidente da República como mentiroso. Indagado, um dos principais redatores do jornal disse, “Mentira é uma palavra forte. Não a usamos com leveza ou sem debate criterioso e ponderação”.

 

A comédia, em contrapartida, não tem qualquer problema em tratar Trump de mentiroso. Ou idiota. Ou cretino. Ou palhaço. Ou bobo. Ou ignorante. Ou imbecil. Não somente isso, a comédia não tem qualquer problema em colocar um “fuckin’” em frente de qualquer um desses epítetos para ênfase. Como todos vocês sabem, “fuckin’” em inglês é uma palavra de baixo calão com aproximadamente a força de um bom “porra!” no final de uma frase em português. A comédia está irritando Trump. Está tornando Trump cada vez mais doido. E, com cada novo aumento na maluquice dele, maiores são as chances que ele seja apeado da Casa Branca numa camisa de força. Contribuição enorme. A comédia também exprime o que a população racional está sentindo.

* * *

Os americanos são viciados em comédia?

Não sei ao certo. Mas pode ser. Quem não gosta de rir?

temer11199647
Gregório Duvivier – famoso por ser um dos criadores do Porta dos Fundos e por seu ativismo politico, encarnando Michel Temer.

Judd Apatow, diretor de filmes (de comédia) como Descompensada, O Virgem de 40 Anos e Bem-vindo aos 40, fez uma observação, recentemente, que, credível ou não, fica ecoando cada vez mais alta no ar. Disse ele: O candidato mais engraçado sempre vence – e, portanto, ele não ficou tão surpreso quanto à maioria das pessoas pela vitória do Trump. Falou para o The New York Times, “Disse isso como gracejo, mas pode ser que haja alguma razão nessa idéia. Reagan era engraçado. Bill Clinton era engraçado. Bush era mais engraçado do que Gore. Obama era provavelmente mais engraçado do que qualquer outro candidato na história.” E arrematou dizendo que, “apesar de o Trump raramente rir, ele tem um senso de humor demente. É muitas vezes mais engraçado do que Hillary.”

Trump engraçado? Questão complicada.

Trump tem, aparentemente, uma auto-estima enorme – mas tão frágil quanto uma bonequinha de porcelana. Seria doloroso para ele pensar que é ridículo, um palhaço. Ficaria mortificado. Para ele, é mais do que doloroso o suficiente saber que outras pessoas acham que ele é ridículo, um palhaço, um bobo. Mas ele banca o palhaço e o bobo e, conscientemente ou inconscientemente, ele explora o seu lado palhaço e bobo.

Emily Nussbaum, num artigo de um brilho incandescente na The New Yorker, faz distinções entre a comédia de Obama (sim, a comédia de Obama) e a do seu sucessor. Ela usa os termos “hot” (para Trump) e “cool” (para Obama). Esses termos não se traduzem muito bem – “hot” como “quente”, talvez, tudo bem. “Cool” como “legal”? Não. De jeito nenhum. E, na verdade, os termos também não têm significado perfeitamente claro em inglês. Mas Emily refere às observações cômicas que Obama fez a respeito de Trump, e na presença de Trump, num dos jantares anuais dos correspondentes da Casa Branca. Nessa ocasião, Obama alfinetou Trump impiedosamente pelos muitos anos em que Trump alegava, sem a mais mínima prova, que Obama não tinha nascido nos EUA. A atuação de Obama estava “cool” no sentido de cerebral, sofisticada, de fala tranqüila. Para Emily, coisa de cabaré. (A gozação pode ser apreciada ainda em www.youtube.com/watch?v=k8TwRmX6zs4.)

A comédia de Trump é “hot”, ou quente, por contrapartida, por ser grosseira, agressiva, ofensiva; isto é uma das subcategorias da comédia nos EUA. O grande pioneiro – um cara chamado Don Rickles. Não é comédia de cabaré, é a comédia dos grandes estádios ou das casas de espetáculo nos hotéis-cassinos em Las Vegas – a serviço de hooligans.

Trump faz rir? Não, necessariamente, da forma que Alec Baldwin e Bill Maher ou Samantha Bee e Stephen Colbert e Lewis Black e Jon Stewart faz rir. Mas, tanto quanto a comédia convencional, o ato de Trump depende muito da exageração – de tudo ser, como falamos em inglês, over-the-top. “Vamos construir esse muro.” De Hillary, durante a campanha, “Tranca ela. Atrás das grades.” A respeito de um provocador durante um comício também no decorrer da campanha, “Gostaria de dar-lhe um murro na cara.” Os seus adversários não eram simplesmente fracassados. Eram “fracassados totais.” A administração Obama nunca era um simples desastre. Sempre era um desastre total. E ele tinha os cacoetes de um comediante. Interrompia-se constantemente para acrescentar um “honestamente” ou “para contar a verdade” ou “acreditem” ou “podem acreditar” ou “confiem em mim”. Ele não se expressava em piadas formais, com um remate que fazia rir, mas, como diz Emily Nussbaum nesse artigo na The New Yorker, as declarações dele tinham a forma e o ritmo de piadas. E, de qualquer forma, o público dele, nos comícios, ria muito.

Para as pessoas menos insanas recapturarem a Casa Branca no futuro, há, eu acho, só um caminho. Os Democratas terão que candidatar um comediante melhor do que o comediante deles. A tentação é de avaliar uma meia dúzia. Mas vamos ao campeão. O nome dele é Al Franken. Senador pelo Estado de Minnesota. (No Brasil, três Senadores por estado. Nos EUA, somente dois.) Franken começou na comédia, na década de ’70, como escritor para o Saturday Night Live. Por um tempo, apareceu na tela como apresentador numa paródia do noticiário.  Mais tarde, escreveu uma meia dúzia de livros humorísticos, quatro dos quais chegaram à lista dos mais vendidos do The New York Times. Entre eles, Rush Limbaugh Is a Big Fat Idiot and Other Observations (algo como “Rush Limbaugh é um grande idiota lipídico e outras observações” – gosto dessa tradução; Limbaugh é uma personalidade super-influente na rádio bate-papo ultraconservadora nos EUA); Lies and the Lying Liars Who Tell Them: A Fair and Balanced Look at the Right (“Mentiras e os mentirosos desonestos que as dizem: Uma Examinação justa e equilibrada da direita”).  Ele foi eleito senador em 2008 e reeleito em 2014. Ele não é um Tiririca. É sério. Inteligente. Um excelente comediante também.

 

Trump, a piada

Foto: El País
Foto: El País

Por Mark Zussman

trump
Um dos “Trumps” do programa de humor Saturday Night live, sucesso há mais de 4 décadas na TV americana.

Às vezes a Barbara ri às gargalhadas, às vezes os risos dela são meio sufocados, mas a Barbara está rindo muito. E, quando não rindo, sorrindo. Eu não uso Facebook.  Nem sequer tenho uma conta. Barbara, sim. E é graças à enxurrada de piadas circulando pelo Facebook e por uma variedade de outros canais que ela e os demais milhões de americanos hostis ao Reichskanzler Donald estão mantendo o seu equilíbrio frente aos ataques dele não somente à Constituição – falando sério, gente, a Constituição lá, não é um documento tão sagrado quanto muitos dos meus concidadãos norte-americanos acreditam – mas também a coisas infinitamente mais básicas como o bom senso, a decência humana e esse consenso que existia no passado a respeito de alguns fatos rudimentares como, por exemplo, que dois e dois fazem quatro.

Sim, gente, no meu país de origem, é tão tétrico assim. Trump e a sua quadrilha estão virando uma grande parte do que era mesmo um pouco promissor nos EUA de cabeça para baixo. Os Republicanos no Congresso, mesmo a grande maioria que não concorda plenamente com a visão etno-nacionalista do Reichskanzler, estão trabalhando assiduamente para explorar a situação em proveito próprio. Os Democratas no Congresso . . . ah, os coitados dos Democratas. A oposição “oficial”. Não somente não têm os votos para impedir os projetos espalhafatosos já na mesa e os outros vindouros, o pior é que eles ainda estão se comunicando numa linguagem racionalista aperfeiçoada em séculos passados e baseada, hoje em dia, em pesquisas e análises rigorosas, ou seja, em fatos, mas agora . . . desprezada? Não, não é que essa linguagem seja desprezada exatamente. É que uma grande parte do eleitorado simplesmente não tem a capacidade de sintonizar e entender um discurso racional e racionalista. Não tem interesse em pontos de vista que divergem dos seus. Quanto aos defensores os mais fanáticos de Trump (e ainda tem muitos), eles ficam emocionados somente pelos brados incendiários dos apresentadores ultraconservadores e ultranacionalistas da rádio de bate-papo. Alimentam-se de lemas, bordões, palavras de ordem.

Bem estranho aqui em nosso lar ainda inexoravelmente norte-americano, aqui em Búzios. Normalmente, eu sou o otimista. Qualquer que seja o probleminha do dia, eu acredito que será resolvido com nada mais do que uma pequena dose de astúcia e, se absolutamente necessário, honorários de R$50. Barbara é que é a cética. Mas, com respeito aos EUA, a Barbara é muito mais otimista do que eu. Barbara acredita, por exemplo, que as manifestações populares, as campanhas de envio de cartas, as campanhas de telefonemas para senadores e “Representatives” (os deputados de lá) surtirão efeito. Barbara acha que a eleição de Trump era uma dessas anomalias técnicas que serão corrigidas assim que o rapaz com a chave de fenda especial chegar para mexer na caixa. Ponto de vista mais do que respeitável e dividido por muitos americanos bem informados e de mente analítica. Não obstante, eu rio.

Eu vejo somente duas luzes de esperança. Primeiro, os tribunais. Mesmo os juristas indicados por Presidentes Republicanos – Bush filho, Bush pai, Reagan – têm, aparentemente, pelo menos um mínimo de respeito por princípios constitucionais. É por isso que eles contribuíram ao bloqueio da “ordem executiva” – como uma medida provisória presidencial no Brasil – pela qual o Reichskanzler fechou as fronteiras do país, de um momento para o outro, para todos os cidadãos de sete países de maioria muçulmana, mesmo aqueles com os seus vistos em ordem, com malas feitas e, em alguns casos, já esperando a porta do avião abrir para desembarcarem em solo americano. Mesmo aqueles que tinham morado no país por muitos anos com green card e, por acaso, na hora da ordem executiva, estavam viajando no exterior.

A outra luz de esperança? A comédia.

Difícil equiparar o Brasil com os Estados Unidos nesse quesito. Eu sempre gostava do comediante Gustavo Mendes no papel de Dona Dilma, e agora, alguns meses atrás, no The Noite, com Danilo Gentili, vi Tom Cavalcanti imitar Michel Temer com considerável virtuosismo – mas não tão considerável quanto o de um outro alguém, não sei quem (mas não Gustavo Mendes), ao lado dele, imitando os grandes gestos desajeitados da Dilma. Vi outro comediante, um tal de Gregório Duvivier, também imitando Temer sem a peruca de Drácula que Tom Cavalancante usava mais com mesóclise sobre mesóclise sobre mesóclise.

Sou estrangeiro. Meu entendimento do Brasil não é enciclopédico. Mas tenho a impressão que, depois do termino do Casseta e Planeta, a maioria do humor político no Brasil migrou para a Internet. Porta dos Fundos.  O Sensacionalista (“isento de verdade”) na página www.sensacionalista.com.br.  Charges.com.br de Maurício Ricardo. Tem mais.

Nos Estados Unidos o humor é uma indústria muito maior – e em rápida expansão; e o humor e a comédia políticos constituem um segmento cada vez mais expressivo do setor. Isto não é uma piada. Dois anos atrás, o jornal profissional Billboard noticiou que os clubes de comédia em pé, sozinhos, movimentavam $300 milhões por ano. Isto, obviamente, é mais do que a ponta do icebergue, mas é bem longe do icebergue inteiro.

Para a comédia, Trump é uma dádiva dos céus. Coisa como um Land Rover zero sob a árvore de Natal. Considere, por exemplo, o programa Saturday Night Live, ou sábado à noite ao vivo, que vem ao ar no sábado (obviamente) às 23h30. SNL está no seu 42.º ano, ou seja, já ultrapassou a sua esperança de vida por duas ou três décadas. Mas o ator Alec Baldwin observa de perto todos os trejeitos e maneirismos de Trump. Apresenta-se no SNL como Trump, e o Trump dele – um pavão desastrado – é hilariante. Semana passada, SNL tinha a segunda maior pontuação no ibope de toda a televisão norte-americana entre adultos 18-49.  E esse ibope não é prejudicado pelo fato que Trump, obcecado, narcisisticamente, com a sua própria imagem, monitora o show com mais atenção do que os dados econômicos, ou quaisquer outros dados, deixa o show mexer com ele, e escreve tuites – inconsistentes nem com a dignidade nem com as responsabilidades do cargo – para denunciar o show. Um exemplo: “Not funny, cast is terrible, always a complete hit job. Really bad television!” “Sem graça, elenco horrível, nada mais do que assassínio puro. Péssima televisão.” Em dezembro, tratou o show de “unwatchable” – impossível de assistir. Mas ele assiste.

Outros comediantes brilhantes – Stephen Colbert, Bill Maher, Samantha Bee, Lewis Black – o ataca sem trégua. Quanto mais feroz o ataque, mais sobe a popularidade do comediante e maior a audiência.

Eu acho interessante, já que cheguei a este ponto, que não mencionei o jornalismo sério, inteligente e analítico nos EUA entre as entidades e organizações e instituições ripostando contra Trump, junto com os Democratas no Congresso e o sistema judiciário e as manifestações populares. O quadro de honra é grande – liderado, obviamente, pelo The New York Times. Mas tem dezenas de veículos, impressos e virtuais. Provavelmente centenas. Só que os veículos de notícias e de opinião sérios, ponderados e inteligentes, como os especialistas em política pública entre os Democratas no Congresso, não conseguem alcançar essa grande população com pouca capacidade de atenção e viciado em lemas, bordões, palavras de ordem. Além do mais, Trump vem demonizando a imprensa séria, ponderada e inteligente a toda hora. Tuitou, sexta-feira: “The FAKE NEWS media (failing @nytimes, @NBCNews, @ABC, @CBS, @CNN) is not my enemy, it is the enemy of the American People!” “Os veículos de notícias falsas não são meu inimigo, são o inimigo do povo americano” – e, como sempre, quando refere ao The Times, o The Times foi caracterizado como o “The New York Times fracassado”.

Eu acho um sinal dos tempos que o próprio The Times consagra cada vez mais espaço na sua primeira página a resumos detalhados dos esquetes vindos ao ar no Saturday Night Live e dos gracejos político-satíricos nos monólogos dos apresentadores da televisão em altas horas.  É que os satiristas estão dizendo coisas que o Times e os outros veículos “respeitáveis” não podem dizer em sua própria voz.

Quando, por exemplo, o The Times pela primeira vez vinculou o nome Trump e a palavra “lie”, ou mentira, numa única manchete (“Trump Repeats Lie About. . .”/“Trump repete mentira sobre. . .”), mês de janeiro,o The Times quase teve que ir para a cama por uma semana para recuperar o seu equilíbrio. Não fica nas tradições educadas e civilizadas do The Times tratar o presidente da República como mentiroso. Indagado, um dos principais redatores do jornal disse, “Mentira é uma palavra forte. Não a usamos com leveza ou sem debate criterioso e ponderação”.

 

A comédia, em contrapartida, não tem qualquer problema em tratar Trump de mentiroso. Ou idiota. Ou cretino. Ou palhaço. Ou bobo. Ou ignorante. Ou imbecil. Não somente isso, a comédia não tem qualquer problema em colocar um “fuckin’” em frente de qualquer um desses epítetos para ênfase. Como todos vocês sabem, “fuckin’” em inglês é uma palavra de baixo calão com aproximadamente a força de um bom “porra!” no final de uma frase em português. A comédia está irritando Trump. Está tornando Trump cada vez mais doido. E, com cada novo aumento na maluquice dele, maiores são as chances que ele seja apeado da Casa Branca numa camisa de força. Contribuição enorme. A comédia também exprime o que a população racional está sentindo.

* * *

Os americanos são viciados em comédia?

Não sei ao certo. Mas pode ser. Quem não gosta de rir?

temer11199647
Gregório Duvivier – famoso por ser um dos criadores do Porta dos Fundos e por seu ativismo politico, encarnando Michel Temer.

Judd Apatow, diretor de filmes (de comédia) como Descompensada, O Virgem de 40 Anos e Bem-vindo aos 40, fez uma observação, recentemente, que, credível ou não, fica ecoando cada vez mais alta no ar. Disse ele: O candidato mais engraçado sempre vence – e, portanto, ele não ficou tão surpreso quanto à maioria das pessoas pela vitória do Trump. Falou para o The New York Times, “Disse isso como gracejo, mas pode ser que haja alguma razão nessa idéia. Reagan era engraçado. Bill Clinton era engraçado. Bush era mais engraçado do que Gore. Obama era provavelmente mais engraçado do que qualquer outro candidato na história.” E arrematou dizendo que, “apesar de o Trump raramente rir, ele tem um senso de humor demente. É muitas vezes mais engraçado do que Hillary.”

Trump engraçado? Questão complicada.

Trump tem, aparentemente, uma auto-estima enorme – mas tão frágil quanto uma bonequinha de porcelana. Seria doloroso para ele pensar que é ridículo, um palhaço. Ficaria mortificado. Para ele, é mais do que doloroso o suficiente saber que outras pessoas acham que ele é ridículo, um palhaço, um bobo. Mas ele banca o palhaço e o bobo e, conscientemente ou inconscientemente, ele explora o seu lado palhaço e bobo.

Emily Nussbaum, num artigo de um brilho incandescente na The New Yorker, faz distinções entre a comédia de Obama (sim, a comédia de Obama) e a do seu sucessor. Ela usa os termos “hot” (para Trump) e “cool” (para Obama). Esses termos não se traduzem muito bem – “hot” como “quente”, talvez, tudo bem. “Cool” como “legal”? Não. De jeito nenhum. E, na verdade, os termos também não têm significado perfeitamente claro em inglês. Mas Emily refere às observações cômicas que Obama fez a respeito de Trump, e na presença de Trump, num dos jantares anuais dos correspondentes da Casa Branca. Nessa ocasião, Obama alfinetou Trump impiedosamente pelos muitos anos em que Trump alegava, sem a mais mínima prova, que Obama não tinha nascido nos EUA. A atuação de Obama estava “cool” no sentido de cerebral, sofisticada, de fala tranqüila. Para Emily, coisa de cabaré. (A gozação pode ser apreciada ainda em www.youtube.com/watch?v=k8TwRmX6zs4.)

A comédia de Trump é “hot”, ou quente, por contrapartida, por ser grosseira, agressiva, ofensiva; isto é uma das subcategorias da comédia nos EUA. O grande pioneiro – um cara chamado Don Rickles. Não é comédia de cabaré, é a comédia dos grandes estádios ou das casas de espetáculo nos hotéis-cassinos em Las Vegas – a serviço de hooligans.

Trump faz rir? Não, necessariamente, da forma que Alec Baldwin e Bill Maher ou Samantha Bee e Stephen Colbert e Lewis Black e Jon Stewart faz rir. Mas, tanto quanto a comédia convencional, o ato de Trump depende muito da exageração – de tudo ser, como falamos em inglês, over-the-top. “Vamos construir esse muro.” De Hillary, durante a campanha, “Tranca ela. Atrás das grades.” A respeito de um provocador durante um comício também no decorrer da campanha, “Gostaria de dar-lhe um murro na cara.” Os seus adversários não eram simplesmente fracassados. Eram “fracassados totais.” A administração Obama nunca era um simples desastre. Sempre era um desastre total. E ele tinha os cacoetes de um comediante. Interrompia-se constantemente para acrescentar um “honestamente” ou “para contar a verdade” ou “acreditem” ou “podem acreditar” ou “confiem em mim”. Ele não se expressava em piadas formais, com um remate que fazia rir, mas, como diz Emily Nussbaum nesse artigo na The New Yorker, as declarações dele tinham a forma e o ritmo de piadas. E, de qualquer forma, o público dele, nos comícios, ria muito.

Para as pessoas menos insanas recapturarem a Casa Branca no futuro, há, eu acho, só um caminho. Os Democratas terão que candidatar um comediante melhor do que o comediante deles. A tentação é de avaliar uma meia dúzia. Mas vamos ao campeão. O nome dele é Al Franken. Senador pelo Estado de Minnesota. (No Brasil, três Senadores por estado. Nos EUA, somente dois.) Franken começou na comédia, na década de ’70, como escritor para o Saturday Night Live. Por um tempo, apareceu na tela como apresentador numa paródia do noticiário.  Mais tarde, escreveu uma meia dúzia de livros humorísticos, quatro dos quais chegaram à lista dos mais vendidos do The New York Times. Entre eles, Rush Limbaugh Is a Big Fat Idiot and Other Observations (algo como “Rush Limbaugh é um grande idiota lipídico e outras observações” – gosto dessa tradução; Limbaugh é uma personalidade super-influente na rádio bate-papo ultraconservadora nos EUA); Lies and the Lying Liars Who Tell Them: A Fair and Balanced Look at the Right (“Mentiras e os mentirosos desonestos que as dizem: Uma Examinação justa e equilibrada da direita”).  Ele foi eleito senador em 2008 e reeleito em 2014. Ele não é um Tiririca. É sério. Inteligente. Um excelente comediante também.

 

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