Luisa Barbosa e Maria Cristina Pimentel*
Que tempos são estes em que
é quase um delito
falar de coisas inocentes,
Pois implica silenciar tantos horrores!
Esse que cruza tranquilamente a rua
não poderá jamais ser encontrado
pelos amigos que precisam de ajuda?
Aos que vierem depois de nós – Bertolt Brecht
Instinto de sobrevivência. Reflexo irracional. Defesa. Ataque. Quando se trata da proteção do bem mais valioso de um ser vivo – a vida – não há racionalidade. Há reação. Mas para tratar de um tema tão complexo como segurança pública é preciso pensar. E muito.
Na ânsia de respostas simples para um problema urgente, muitos recorrem à experiência de Nova York, nos anos 1990, quando o prefeito Rudolph Giuliani executou um sistema penal de “tolerância zero” contra qualquer tipo de delito. Os índices de criminalidade de fato despencaram. Mas o sociólogo francês Loïc Wacquant[1] mostrou que o sucesso do “tolerância zero” só foi possível pelo envolvimento de grandes “tanques de pensamento” – como o Manhatan Institute e a Heritage Foundation – criando consensos artificiais em torno da eficiência da repressão. Na década de 1990, a cidade de San Diego conseguira índices de redução de criminalidade tão bons quanto os de Nova York, adotando uma estratégia oposta: polícia comunitária e preventiva, diálogo e interação da população com os policiais. Por isso, diminuiu em 15% o número de prisões. A experiência, contudo, não foi difundida. O capitalismo é violento. E a indústria de armamento e de guerra, uma das suas bases econômicas mais fundamentais.
Bogotá e Medellín também conseguiram reduzir a violência apostando mais no modelo californiano do que no nova iorquino e se tornaram laboratórios sobre como prevenir e combater à criminalidade. A primeira reduziu suas taxas de homicídio em 79%. A segunda em 90%. Aprendamos com os exemplos: no início dos anos 1990, a taxa de homicídio de Medellín era de 360 por 100 mil habitantes. Hoje, 39 por 100 mil. A política adotada utiliza prevenção, repressão e articulação nos diferentes níveis governamentais, mas ênfase é no poder local, ou seja, a prefeitura. Criar ciclovia e biblioteca. Envolver educadores e assistentes sociais. Melhorar a polícia e as prisões. A sociedade também participa efetivamente de todo esse processo. Uma entidade civil, a “Como Vamos Medellín”, serve de termômetro para avaliar a eficiência das políticas públicas de combate à violência e medir qualidade de vida da população, que compartilhava ações e decisões. Em Bogotá, a cidade além de reprimir o crime, investiu em urbanismo combinado com educação e criou uma grande rede de bibliotecas – conectada à ciclovia e rede de ônibus – em bairros mais pobres com o objetivo de ocupar o espaço público e estimular a convivência. Reformou praças, fechou as principais vias aos domingos e promoveu uma agenda constante de festivais de teatro, música e dança em áreas de vulnerabilidade social. Ao lado de tudo isso, aprimorou-se o número e o treinamento de policiais, foram promovidos programas de formação universitária, treinamento específico para os carcereiros.
Nesses tempos, em que o óbvio e o clichê embaçam a pauta de reivindicações, o debate sobre segurança pública ainda tem muito que avançar em prol de políticas públicas de promoção da paz.
[1] Para mais sobre o tema ver: Wacquant, Loïc. As prisões da miséria. Paris: Raisons d’Agir, 1999.
https://prensadebabel.com.br/index.php/2017/02/15/coletivo-pela-seguranca-em-buzios-vai-se-reunir-com-prefeito-e-com-orgaos-de-seguranca-da-cidade/