Imagina uma cidade conhecida internacionalmente pelo charme e pelas belezas naturais, mas que precisa rediscutir, ainda que com seis anos de atraso, os seus critérios de ocupação urbana, bem como seus aspectos turísticos, econômicos e sociais. É a partir dessa premissa que a Prefeitura de Armação dos Búzios começou o processo de revisão do Plano Diretor, elaborado em 2006, quando foi celebrado pelo pioneirismo e aprovado como um modelo para o país, especialmente pelo modelo de desenvolvimento sustentável proposto.
A reportagem da Prensa apurou que um grupo de trabalho está em formação, sob a coordenação das Secretarias de Governo e de Ambiente e Urbanismo. Oficialmente, a Prefeitura informou para a reportagem que “devido à complexidade dos temas abordados na revisão do plano”, será contratada uma empresa especializada.
Segundo o governo municipal, o procedimento licitatório de contratação da empresa está em processo de finalização. Desta forma, não foram informados os prazos de tramitação de cada etapa do procedimento, nem quais serão os passos do processo que, possivelmente, terá reuniões e audiências públicas, antes do envio para análise e votação da Câmara.
A discussão ocorre com seis anos de atraso, tendo em vista que o Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.257/2001) determina que, pelo menos a cada dez anos, os planos diretores devem ser revistos.
Com o desenvolvimento populacional das áreas mais distantes da península, o debate entrou na ordem do dia, ainda que como projeto inacabado. A construção do novo acesso a Búzios a partir de Maria Joaquina, por exemplo, está contemplado no atual Plano Diretor, mas ainda não saiu do papel, bem como a construção do novo terminal rodoviário.
Considerada a “mãe” do atual Plano, a professora da Fundação Getúlio Vargas Aspásia Camargo defende que o processo de revisão seja encurtado e que a futura versão do Plano Diretor seja efetivamente colocada em vigor, com as devidas atualizações.
“Eu acho que nós temos que ser mais pragmáticos. Que o prefeito faça um plano executivo, com os grandes projetos transformadores de Búzios e encaixe o Plano Diretor dentro desses projetos. Não perca mais tempo de fazer recomendações, diretrizes, planos de ação, porque isso tudo é inútil. O Brasil já está exausto de tanta recomendação, de tanta coisa inútil que depois é abandonada, enquanto a caravana passa e nós perdemos as oportunidades”, opina, demostrando certo desencanto em relação à classe política colocar os planos e suas leis complementares em prática.
Do alto de sua experiência como gestora pública; de parlamentar e de presidenta da Comissão do Plano Diretor na Câmara do Rio entre 2008 e 2010, Aspásia ressaltou que o potencial turístico de primeira classe do município foi desperdiçado nos últimos 16 anos.
“Nossa recomendação era de um Turismo náutico, para poder atrair esse grandes barcos e esses projetos que dão dinheiro ao município, ao estado do Rio de Janeiro e ao Brasil. Para atrair isso você precisa ter uma cidade com serviços avançados, telefônicos, tecnológicos. Hoje nada se faz sem uma tecnologia de ponta e sobretudo um governo que não se meta naquilo que não precisa se meter, em negócios ou coisas assim. Ele tem que dar as diretrizes urbanas, tem que determinar as grandes linhas que são problemáticas. Porque essas diretrizes, esses planos de ação nós já fizemos, estão ditas e reditas. Basta dar um ok e dizer que fica tudo como está. O que tem que mudar no Plano, só a parte executiva. Fazer um pacote executivo. Cadê o Museu de Búzios, que nós pedimos para acontecer?”, indaga citando Paraty como bom exemplo de impulso econômico com o Turismo.
O presidente do núcleo buziano do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB), Pedro Campolina, admitiu que o tema é bastante discutido internamente entre a categoria, mas que a entidade ainda não foi convidada pelo governo municipal a participar de qualquer discussão.
Campolina afirma que faltam dados para compreender o processo de crescimento da cidade e também o que não foi concretizado desde 2006. O profissional acredita que um dos principais temas a serem avaliados é a ocupação informal, de que forma isso ocorre, e a busca por ferramentas para controle, melhoria da qualidade dos bairros, com a criação de uma cidade melhor planejada.
O especialista espera que, mais adiante, a entidade seja convidada a contribuir com a atualização do Plano.
“Esse tema puxa junto a mobilidade, a acessibilidade, e o meio ambiente no sentido de que, na ocupação informal, nenhuma taxa de preservação é respeitada. No primeiro PD o IAB participou bastante. Espero que a gente possa contribuir com esse também.
Os arquitetos e urbanistas são um dos profissionais mais capacitados para articular as disciplinas que formam os Planos diretores”, destaca Campolina.
Também uma figura de relevância no processo que levou à criação do atual Plano, a arquiteta urbanista Marlene Ettrich acredita que, com o desenvolvimento do município, a revisão do trabalho de 16 anos atrás se faz necessária, mas destaca que se trata de uma ação complexa.
Ettrich, que por 30 anos integrou o quadro técnico da área do planejamento urbano da Prefeitura do Rio e também já atuou como consultora técnica nos Planos Diretores de Manaus (AM) e de Palmas (TO), explica que o PD é um instrumento norteador das políticas públicas e que é ele quem determina a escolha que o município faz quanto à definição do eixo central de seu desenvolvimento.
A especialista acredita que a revisão será um combinado entre o que precisa ser revisto e o que pode ser somente atualizado ou até mantido. Ela observa que o desenvolvimento da parte continental do município foi o que mais mudou em quase duas décadas, entretanto, muita coisa não foi colocada em prática.
“Faço aqui uma ressalva quanto aos instrumentos urbanísticos instituídos no Plano de 2006, que não vem sendo utilizados, ou melhor, só foram parcialmente utilizados, que podem dar conta da gestão desse desenvolvimento. E ainda: a própria Lei Orgânica do Município os menciona. Portanto incluo como sendo importante nessa revisão/ atualização, a avaliação do porquê que eles não estão sendo utilizados”, diz ela, que prossegue.
“Não foram esgotados os recursos que existem para a regulamentação das Áreas de Especial Interesse – Urbanístico, Ambiental e Social – já delimitadas no Plano Diretor de 2006 e para as quais também são definidas as diretrizes para sua regulamentação. Este instrumento é um importante recurso de gestão urbana e já estava inclusive previsto na Lei Orgânica Municipal. Ainda existem outros, mas considero este o principal. Menciono ainda a pendência quanto ao Código de Obras”, enumera.