Em março de 1882, no Congresso Americano, o Deputado Edward K. Valentine, em um discurso inflamado diante de seus colegas, defendeu a restrição à imigração chinesa para os Estados Unidos.
Os imigrantes chineses, argumentava Valentine e outros defensores da Lei de Exclusão Chinesa eram uma ameaça ao trabalho, à sociedade e até mesmo à civilização americana.
“O portão deve estar fechado!”, disse ele. A partir da aprovação daquela Lei, os Estados Unidos abria um novo precedente em sua história, o de ser uma nação que impunha restrições à entrada de estrangeiros por usando leis para excluir estrangeiros perigosos.
A imagem de um “portão”, ou de um “muro” não é portanto, uma metáfora desconhecida na história dos Estados Unidos, erroneamente associada ao governo Donald Trump. Quando Donald Trump ameaça o Congresso Americano com um boicote, se este não votar a legislação que aprova as obras para a construção de um muro que separe os Estados Unidos do México, ela está recuperando uma retórica que tem, pelo menos, cem anos de idade.
O discurso de Valentine, proferido na virada do século XIX para o XX, enquadra-se em um contexto em que os Estados Unidos estava em meio a um ciclo de intensa imigração estrangeira, iniciada em meados do século XIX, mas intensificada lá pelos anos 1890.
Cidades como Nova York e Chicago tornaram-se os polos de atração de milhões de europeus vindos de todos os cantos do velho Mundo, da Itália à Rússia. Nova York tornou-se a cidade com a maior densidade populacional do mundo.
Com os imigrantes, segundo muitos americanos vieram os problemas, principalmente nestas cidades. O principal deles era o aumento da criminalidade, que passou a ser atribuída diretamente ao aumento da presença de imigrantes. Valentine, o parlamentar americano citado acima, estava se referindo a este tipo de situação, quando disse que os Estados Unidos deveriam criar um ‘portão’ para impedir a entrada de mais estrangeiros ao país.
Nos anos 1920, iniciou-se um ciclo de restrições à entrada de imigrantes aos Estados Unidos, culminando em 1924, a Lei de Imigração. Esta lei estabelecia cotas de entrada para os estrangeiros, e os critérios para o cumprimento destas cotas eram principalmente raciais e religiosos.
Entre a década de 1920 e o início dos anos 60, a imigração era considerada um ‘problema’, não apenas para o Governo, mas também pelo cidadão comum. Estrangeiros, em geral, não eram bem-vindos no país.
Esta percepção só mudou realmente, a partir do governo Kennedy, que considerava a imigração uma oportunidade para o país aproveitar-se de talentos vindos de todo o mundo, que quisessem morar nos Estados Unidos. Em 1965, o Presidente Lyndon Johnson aboliu o sistema discriminatório de regulação que governou a imigração por 40 anos.
Desde aquela data mais de 50 milhões de estrangeiros encontraram trabalho e lar nos Estados Unidos, transformando a sociedade, a economia, a cultura e a política americanas. A política de imigração americana pode ser considerada o maior experimento de transferência de capital humano da história moderna, injetando trilhões de dólares na economia daquele país.
No entanto, desde o 11 de Setembro, mais uma vez, os americanos são levados a decidirem se consideram a imigração boa ou não para seu país. As críticas ao modelo de imigração começaram já na década de 70, quando o ciclo de imigração atrai principalmente os latino-americanos, puxados principalmente pelos mexicanos.
Foi nessa época que surgiu no imaginário americano a ideia de que o país estava sendo submetido a uma “invasão”.
Os conservadores americanos, desde a década de 90, foram ativos em participarem de uma série de iniciativas no Congresso Americano, destinadas à criação de leis aumentando a repressão aos imigrantes ilegais nas fronteiras americanas.
Os atentados terroristas de 11 de setembro aumentaram estes temores de que o país estava sob “ataque” de todos os lados.
É neste contexto que o “Muro de Trump” aparece não apenas como uma entidade materializada em concreto e aço, mas como a metáfora de um novo ciclo da política americana em relação aos imigrantes.
“O Muro” portanto, é mais do que uma simples bravata de um político populista, ele retoma um tema muito importante na formação social e cultural americana, qual seja, o que fazer com o legado cultural e econômico deixado por milhões de imigrantes.
Os Estados Unidos, ao longo de sua história sempre se debateu neste dilema: afinal, a América é uma “terra de imigrantes”, aberta a todos aqueles que desejem viver nela, ou é uma comunidade fechada? O “Muro de Trump” recoloca essa questão, mostrando que essa história ainda está sendo escrita.
*Paulo Roberto Araújo é professor de História e suburbano convicto