Por José Carlos Alcântara
Cientistas sociais questionam o papel do Estado, ao aumentar o poder aquisitivo da parcela mais pobre da população sem ter um projeto político. No livro de Dawid Bartelt “A Nova Classe Média no Brasil como conceito e projeto político”, as críticas feitas nas manifestações sobre educação e saúde, foram as palavras de ordem que explodiram pelo país há dois anos atrás, como protestos aos exemplos dos serviços públicos básicos que continuam precários.
A frase – “não é por 20 centavos, é por direitos”, que interliga os argumentos dos artigos e identifica que o conceito de NCM Nova Classe Média – leva em conta apenas a renda. Os artigos buscam compreender o quanto esta emergência tem de real ou de estratégia de marketing político do governo. Se o Estado brasileiro é um grande agente transformador de fato, ou se acabou eximindo-se de suas responsabilidades fundamentais como o gestor e o garantidor dos direitos sociais e civis da população.
Apesar da queda da desigualdade ter contribuído para as pessoas saírem de uma condição de pobreza absoluta, definir classe média só por critério de renda é errôneo. Faltaria a essa parcela da população emancipada, o capital social e cultural. A nossa ‘verdadeira classe média’ é constituída pelo acesso privilegiado a um recurso de extrema importância: o capital cultural. A ‘Nova Classe Média’ não existe. Mas, o que não existe mesmo mais no Brasil, é o emprego. E esse é o motivo do desespero de grande parte do povo brasileiro.
Apenas a classe média ‘verdadeira’ pode ‘comprar’ o tempo livre de estudos dos filhos e assim reproduzir privilégios de sua classe. Esse fundamento social ‘invisível’, não apenas explica a renda diferencial, mas o reconhecimento social atrelado a isso. No entanto, a ‘Nova Classe Média’ – faixa da população brasileira com renda mensal familiar entre 1.315 e 5.672 reais – tem uma vida completamente diferente. Vive um cotidiano de ausência dos “privilégios de nascimento”, que caracterizam a classe média e a classe alta, pelo extraordinário esforço pessoal, pela dupla jornada de trabalho e pela “super exploração da sua mão de obra”.
É a classe mais explorada, a que mais trabalha e que menos garantia tem. E, nas profissões autônomas, chega até a ser inoculada pela ideologia de que é livre e de que seus membros são empresários de si mesmos. Os domicílios com renda relativa à ‘Nova Classe Média’ correspondem a 31,5 milhões, nos quais vivem cerca de 38 milhões de crianças e jovens. Destes, 75% possuem apenas um banheiro, além de outros 390 mil que não possuem nenhum. Fornecer um maior poder de compra para classes pobres não deve ser um fim em si mesmo. É preciso haver um projeto mais amplo. Nós precisamos de um plano, não apenas incrementar o consumo.
Esse conceito de ‘Nova Classe Média’ levou-nos para um caminho errado. Quando o Estado diz: – “Vai, classe média, paga uma escola particular e um plano de saúde para teu filho – acaba se eximindo da obrigação de garantir direitos previstos na Constituição”, observa Dawid Bartelt, que é diretor da Fundação Heinrich Böll: “Vale lembrar ainda, que a maioria gasta de duas a três horas por dia no trajeto entre a casa e o trabalho, possui pouca qualificação e continua trabalhando na economia informal. Qual o projeto político do governo? Vamos só comprar mais ou pensar em questões essenciais como a formação dessas pessoas?”.
Se queremos que a criação de uma nova classe média seja sustentável, teremos de entrar na questão profissional. Sem uma educação de qualidade, essa classe não conseguirá sustentar essa ascensão social. Em um momento de crise, os primeiros a perder o emprego serão esses trabalhadores pouco qualificados, causando um grande retrocesso. Em 2017 o cenário ficou pior, com muita gente entrando no mercado de trabalho e a criação de vagas sendo insuficiente para absorver todo o contingente que já está sem trabalho.
Após anos de recessão prolongada, até mesmo o trabalho por conta própria deu sinais de saturação em 2017. O Brasil perdeu cerca de 2 milhões de autônomos
– categoria que reúne os chamados PJs (pessoas jurídicas), microempreendedores individuais (MEIs) e todos aqueles que não pagam salário para funcionários. Muitos dos desempregados que tentaram abrir um negócio próprio quebraram ou desistiram da empreitada, aumentando ainda mais o contingente dos sem trabalho.
Estimativas para o PIB (Produto Interno Bruto), apontam que só a partir de 2021 o Brasil deverá recuperar o nível de estoque de empregos formais que tinha no final de 2014, quando o país vivia uma situação considerada de quase uma economia de pleno emprego. Nesses últimos anos, o comércio foi o setor que mais demitiu após a construção civil, seguido das demissões na indústria e no setor de serviços. A agricultura e a administração pública, foram os únicos setores que criaram novos postos de trabalho.
A taxa de desemprego no Brasil só não é maior porque também aumentou o número de pessoas que desistiram de procurar emprego, dada a dificuldade de encontrar uma vaga e que estão no chamado desalento. A taxa de desemprego é tão alta, a queda de renda é tão pronunciada e a perspectiva de encontrar uma nova vaga é tão reduzida, que as pessoas acabam desistindo de procurar emprego. Segundo o IBGE, considerando o desalento e os trabalhadores subutilizados, falta trabalho atualmente para cerca de 24 milhões de brasileiros.