O Mangangaba, que descobri em um livro sobre o Clube da Esquina, que em Minas também é conhecido como mangaba, parece um besouro pelo tamanho e pela cor, mas é veloz e zune como uma abelha. Explico isso como introdução ao fato de que o mangangaba foi (descobri que ainda é) o grande temor da minha vida.
Quando criança em Tamoios, distrito de Cabo Frio, no início dos anos 90, eu devia ter uns 8 anos, aquilo era uma vastidão de areia e restinga, e, como diria o poeta Manoel de Barros, também era ‘lacuna de gente’. Tínhamos um grande “pé de maracujá” no fundo do quintal, e as belíssimas flores desse fruto tropical atraíam borboletas, abelhas e o tal mangangaba.
Meu medo originou-se das histórias da minha mãe, que contava que uma picada desse bicho geraria 24 horas de dor ininterruptas. Isso era repetido toda vez que um desses insetos (acho que são insetos) surgia, e surgiam aos montes todos os dias. Voavam pelo quintal, entravam em casa como caças de guerra em voos rasantes sobre nossas cabeças.
Eu os temia, mas passei a ir além do temor; passei a ter pânico só de escutar seus zumbidos ao longe. Porque minha mãe resolveu acrescentar à sentença das “24h de dor” os “causos” sobre o “mangá” – como o meu irmão Leo, que tinha problemas na fala, resolveu chamar aquela criação do capeta (Deus não poderia ter feito um bicho tão terrível).
“Seu avô me contou que uma vez na mata, quando cortavam lenha, uma mangangaba mordeu um homem e ele ardeu de febre por horas, delirava, e seus olhos saltaram da cara”, disse minha por toda a minha infância. Quando minha mãe usou a palavra “morder” no lugar de “picar”, fez com que eu imaginasse dentes terríveis no pequeno voador. Eu já nem dormia temendo que os mangangabas voassem à noite (o que eles não fazem). Por anos temi um bicho que nunca vi “morder” ninguém.
Já com 17 ou 18 anos, eu estava na casa de um amigo, já de volta à minha cidade natal, Cachoeiras de Macacu. Um mangangaba picou a mãe deste amigo, uma senhora com semblante sofrido pelas tantas dores que já tinha passado na vida. Ela, o marido e seus filhos, tinham sido dados como mortos cinco anos antes. Viviam no Pantanal Mato-grossense, e as histórias que contavam na nossa pequena Ribeira (bairro esquecido de tudo onde vivíamos) é que desta família, uma onça tinha comido um, jacaré comido outro, e os que restaram foram dizimados pela malária. Mas não, isso não era verdade, e eles um dia chegaram de volta a Cachoeiras. Contei isso para que entendam o espanto deles, que passaram por tantos perigos nas selvas do norte do país, ao ver como eu me levantei desesperado ao presenciar a senhora ser “atacada” pelo inseto “mortal”. Todos riram.
Ainda assim, fiquei incrédulo com a tranquilidade deles, esperando o momento em que a senhora iria estrebuchar no chão e seus olhos saltariam da face, como os de Arnold Schwarzenegger, ao cair no solo sem oxigênio de Marte, em “O Vingador do Futuro”. O máximo que aconteceu foi a mãe do meu amigo dizer com voz tremida: “Fulano, estou sentindo uma dor”. Eles compraram um analgésico qualquer, como um Tylenol, e pronto, acabou a dor. Imagino que tenha doído como uma picada de marimbondo ou de “formiga quente”, mas nada parecido com as atrocidades que minha mãe me fez acreditar que o mangangaba fazia aos seres humanos.
Hoje, aos 35 anos, sou casado e pai de três meninos, e alguns hábitos da minha origem agrícola estão voltando à tona. Fiz uma horta e plantei flores e árvores frutíferas em meu quintal. Plantei um pé de maracujá e ele cresceu bonito, é uma alegria ver sua floração. Mas agora ando me esquivando e olhando desconfiado para os lados porque os mangangabas chegaram. Tento não incutir meus medos em meus filhos, mas não posso deixar de alertá-los: “Cuidado com o mangangaba!”. Eles agora contam para minha afilhada, que nem tem um pé de maracujá em casa, que uma mordida desse bicho causa 24 horas de dor! Ela treme de medo.
- Texto publicado originalmente em Diário da Costa do Sol – 2016