A truculência e a cultura da “Farinha é pouca, meu pirão primeiro” é escancarada na vida pública como nunca antes, pelo menos, não nos nossos tempos democráticos, pós 1988. A ideia de civilidade e cidadania, aliás, o mero verniz dessas ideias, se desbota, frente a atuação dos poderes executivo e suas emulações pelo território nacional.
Seria como a democracia representativa em todo seu ideal, e apenas seu ideal, se desmoronasse frente a uma série de imperativos existenciais e técnicos e a vergonha diante disso se materializa diante do mandatário nacional. E não só isso, as deficiências, desde sempre, mostradas, para quem está pisando o chão e colhendo, ou não, os frutos da democracia representativa, se torna risco real de eliminação da vida.
E aí, analisando a ideia de que o povo tem o governo que merece, no entendimento básico sobre o governante é fruto de um povo, sempre esse povo, com o ideal de desleixo em voga, ainda mais esse povo, principalmente, o eleitor, profundamente modificado, após a constituição de 88, que tal modificar um pouco essa ideia?
E a modificação parte de um pressuposto de que líder não emana do povo, o líder modela o povo. Como assim? Não sei se perceberam, nós naturalizamos o meio institucional como formador de opinião, de ética, de moral e de comportamento. Igreja, Escola e o Estado são exemplos básicos e o que reflete nessas instituições, reflete de certo modo, ou totalmente, o movimento das pessoas.
Agora pensa o Estado e suas replicações, governo estadual e governo municipal. Como a atuação dessas instituições atuam no imaginário e no psíquico das pessoas? E diante de um cenário em que você é condicionado, a partir de um espaço, a eleger pessoas para gestão de uma máquina, que deveria estar, prontamente, para nos dar assistência a uma série de necessidades correntes e fundamentais para vivência.
Ao mesmo tempo que você elege pessoas nas quais precisa para te dar suporte, existe uma lógica de obediência, no sentido de autoridade, porque se acredita que essas pessoas têm importância maior do você. E autoridade, você respeita e emula. Até para se manter como alguém funcional na sociedade em questão.
Essa administração, feita por autoridades, nos trouxe o que em nível de sustentabilidade social? Garantias de continuidade? De segurança, seja ela financeira ou alimentar? Moradia? Saúde? Garantia de vida, sem riscos e sem vulnerabilidades? Pensa.
O quanto essa fragilidade institucional se traduz em vulnerabilidade comportamental e afeta a maneira como as pessoas agem no dia a dia. O quanto se percebe a não garantia institucional de viver uma vida sem riscos nos molda a como dizem os cascudos a dar “nossos pulos”. E dar nossos pulos é tentar ter o máximo da vida, sem ter planejamento, sem se preocupar com o coletivo, apenas comportar aqueles ao seu lado, nos nossos círculos restritos.
E aí tem um grande desastre social, com proporções de negação real de grupos populacionais nos quais a institucional não alcança. E não alcança por deficiência administrativa, naturalizada e se admira quem despreza o grupo excluído das possibilidades de assistência.
E o grupo excluído, emula a administração, emula a deficiência da administração emula a ideia de truculência e de “farinha pouca e meu pirão primeiro”, emula a própria admiração da sua exclusão, das autoridades e aí estamos numa civilização que come seu próprio rabo.
Numa época de crise, entender a vergonha e assumir a ineficácia do modelo de sociedade para combater a autoridade como forma de representação, por si só, se torna urgente. Fundamental, até, senão aquilo que chamamos de Brasil, já era, antes mesmo de começar a existir, de fato…