O Rio de Janeiro da segunda metade do século XX, era uma metrópole com mais de 2 milhões de cariocas, só perdia para São Paulo em termos de poder econômico. Esta também era uma cidade com muitos jornais e revistas.
Eu ainda não me detive nos números, mas posso dizer que o mercado de trabalho para jornalistas era bem diferente dos dias de hoje. É verdade que segundo alguns relatos, não se ganhava muito, mas também havia sempre a possibilidade de mudar de uma redação para outra.
Havia os grandes jornais como a “O Correio da Manhã”, “A Noite”, “Jornal do Commercio” e “O Globo”, entre muitos e muitos outros. Mas havia, por assim dizer um ‘nicho” para cada tipo de leitor.
Havia o leitor de ‘O Globo”, aquele identificado com a Classe Média da Zona Sul e os profissionais liberais, havia também o leitor da “oposição”, como o “Tribuna da Imprensa”, o jornal que dirigido por Carlos Lacerda, fez intensa oposição ao governo Vargas, até o trágico desfecho de seu suicídio, em agosto de 1954. Havia também o leitor do jornalismo policial que pode-se dizer, foi uma escola para inúmeros grandes nomes da comunicação brasileira.
Basicamente, o rádio e o jornal eram os dois principais veículos de comunicação acessíveis à maioria da população, apesar da televisão já estar presente em alguns lares cariocas. A maneira como esta informação era recebida e consumida baseava-se em um modelo já predominante, desde o início do século XX. A ‘informação, a notícia, a música, etc, era transmitida e distribuída de maneira centralizada para muitos consumidores.
Os jornais cariocas possuíam muitos leitores, ainda que uma parcela considerável da população carioca não soubesse ler. Segundo dados do censo demográfico de 1950, no Rio de Janeiro, 49% da população havia declarado não saber ler. Mas, se praticamente metade da população era analfabeta, como explicar tantos jornais e por extensão, leitores? Um exemplar de jornal vendido em banca poderia ter mais de um leitor, e realmente esta era a prática, assim como o rádio, cuja audiência era compartilhada com familiares e amigos.
Havia por assim dizer, muitos jornais mas a informação era escassa. Se a notícia do suicídio de Getúlio Vargas foi recebida por milhões de ouvintes e leitores no Rio de Janeiro, esta notícia demorou algum tempo para chegar ao resto do país.
A televisão anos mais tarde, foi a plataforma que mais ampliou a sua base de consumidores no Brasil, mas o modelo era o mesmo, ou seja, produção e disseminação de conteúdos centralizados e consumo da informação de maneira tradicional, ou seja, o receptor apenas “receber” aquela informação.
O usuário por sua vez, não tinha o trabalho de verificar a veracidade, qualidade ou procedência da informação, posto que toda a cadeia produtiva da informação já havia feito isso para ele. Este modelo funcionou muito bem no século XX, e teve seu auge entre 1950-1990.
Foi nesta época que chegou a Internet, os usuários passaram a também produzir timidamente conteúdo, com blogs e redes sociais, mas tudo ainda muito incipiente. A produção em larga escala de notícias, assim como sua distribuição, foram enormemente barateadas, a ponto de verdadeiras “fábricas de notícias” serem montadas em todos os lugares do mundo.
Se usássemos uma metáfora econômica para descrever a produção e o consumo deste “bem” que é a informação poderíamos colocar a coisa da seguinte maneira: por um lado, há o barateamento da produção de informações, que agora pode ser até automatizada, ou seja, algoritmos são capazes de produzir notícias, este processo está em acelerado desenvolvimento, e parece que veio para ficar. Por outro lado, esta mesma informação é agora cada vez mais personalizada, ou seja, ela é direcionada a um tipo de usuário específico, explorando nichos demográficos e socioprofissionais.
Ou seja, aquilo que chamamos hoje de “Fake News” seria por assim dizer, um efeito colateral do direcionamento de uma informação produzida em uma escala industrial, mas custos agregados decrescentes para públicos específicos. Se combinarmos estas duas forças, a produção em larga escala, devido ao barateamento destes custos de produção de informação, com a segmentação, temos aí condições bem propícias para o crescimento de um modelo de produção de informação totalmente diferente daquele tradicional, inaugurado desde o século XIX.
As “Fake News” ainda preservam esta relação tradicional de consumo da informação, ou seja, o usuário ainda recebe notícias, sem que participe mais ativamente de outras maneiras. Este usuário ao receber uma “Fake News” por uma rede social, não tem a possibilidade de “editá-la”, da mesma maneira que alguém pode hoje editar um verbete na Wikipedia. As ‘Fake News”, poderiam assim ser consideradas um estágio final de um longo ciclo de produção industrial da informação, inaugurado no século XIX, que teve o seu auge no século XX, mas que no século XXI, parece estar com os dias contados.
As “Fake News” não colocam apenas o problema da credibilidade de uma das instituições mais importantes das democracias, que é a imprensa. Elas, as “Fake News”, atacam de morte o núcleo do “negócio” da produção de informação, que é a confiança do usuário. De uma certa maneira, o “valor de face” da informação, aquele que costumávamos atribuir a uma notícia foi corroído. Mas as “Fake News” colocam na minha opinião, um problema ainda maior, qual seja, o paradigma do consumo da informação na Sociedade Moderna.
Se a Informação é um “bem”, e ela é isso mesmo, de agora em diante este consumo da informação tende a ser mais como era antigamente. As pessoas agora querem participar cada vez mais de uma produção coletiva da informação.
Os “comentários” que vêm acompanhados nas notícias distribuídas pelas redes sociais prestam este papel, as pessoas “comentam” porque esta é uma forma de participar daquele conteúdo. Portanto, a “notícia”, assim como o registro das reações a esta notícia, por parte dos leitores passam a ser uma coisa só.
Da mesma maneira, tende a crescer cada vez mais o movimento de verificar a qualidade das informações transmitidas fazendo com que o leitor de alguma maneira seja um “curador” destas informações. Estamos longe de que isto se torne uma realidade, que pode levar tempo para se concretizar, mas percebo que alguns indícios desta tendência já estão presentes.
*Paulo Roberto Araújo é professor de História e suburbano convicto