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DIVÓRCIO, CASAMENTO GAY, ABORTO E OUTRAS QUESTÕES POLÊMICAS – OU TALVEZ NÃO TANTO

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Por Mark Zussman

Assistimos ao Jornal Nacional, na Globo, na noite depois do desastre aéreo em Medellín, e, como todo mundo, ficamos revoltados por uma perda de vidas tão estupidamente desnecessária. Eu não dirigiria até Cabo Frio, de carro, sem combustível o suficiente para chegar lá. De avião, sem combustível? Isso é mais do que idiota. Mas não é disso de que eu queria falar. Houve outras coisas que a gente estranhou no noticiário dessa noite. Primeiro, como todos nós sabemos, os velhacos de plantão na Câmera dos Deputados aproveitaram do luto nacional, e da calada da noite, para eviscerarem um pacote de medidas anticorrupção – e o JN fez o jogo deles, porra! Se eu fosse o chefe da redação lá na Globo, nessa noite, eu teria feito menção da tragédia em Medellín e prometido uma cobertura exaustiva em seguida. Eu teria começado, antes que o público começasse a desinquietar-se, com uma cobertura ampla e detalhada das maquinações escusas dos deputados.

         Mas não é nem isso que mais me espantou.

Nós assistimos, Barbara e eu, a mais de 30 minutos de cobertura do acidente em Medellín. Acompanhamos, depois, uma breve matéria sobre as traquinagens em Brasília. Depois, veio a previsão do tempo com a adorável Maju, depois alguns comerciais, e só nos últimos momentos da emissão, como se fosse uma nota de rodapé, o anúncio que a primeira turma do Supremo Tribunal Federal tinha decidido que o direito ao aborto nos três primeiros meses de gravidez é protegida pela Constituição em vigor.

Virei para a Barbara.

Você ouviu o que eu acabo de ouvir? E só essas poucas palavras?

abrindo-o-debatePeço a sua paciência. Vou voltar ao assunto do aborto, mas eu vou chegar lá por um caminho torto. Eu sou estrangeiro aqui no Brasil, e o papel do Conselho Nacional de Justiça é só uma das muitas jabuticabas (eu diria brasileiras, mas uma jabuticaba é brasileira por definição) que eu não consigo entender, e no caso co CNJ eu li o verbete na Wikipédia duas vezes. Sobre tudo, não entendo o que é a autoridade do CNJ em relação à do STF e outros tribunais. Pelo que entendi, o CNJ não é nem um tribunal exatamente. Mas o item sobre o aborto, nessa noite, nos lembrou um outro item, também  lançado meio às escondidas, numa edição do JN em 2013, no sentido de que, dali em diante, segundo o CNJ, todos os cartórios no Brasil teriam que oficializar o casamento gay.

Descobri, subsequentemente, que essa resolução, acho resolução o termo certo, do CNJ não era nem a última, nem a primeira palavra, a respeito do casamento gay no Brasil. Portanto, o desdobramento talvez não merecesse a manchete berrante que eu pensava, nessa noite, obrigatória. Aparentemente, o STF já tinha pronunciado, em 2011, no sentido de que o casamento entre pessoas homoafetivas teria o mesmo status, sob a lei, que casamento entre homem e mulher.

Os primeiros casamentos gays no Brasil foram oficializados em junho de 2011, um – masculino – em Jacareí, no interior de São Paulo, e, no mesmo dia, um outro – feminino – em Brasília. E tem muita legislação estadual que ou sustenta ou discorda com as decisões judiciais saindo de Brasília. Assim, a resolução do CNJ só requereu – mas não é um “só” tão negligenciável assim – que todo cartório se harmonizasse e se conformasse.

Mas eu acho o Brasil demais – no melhor sentido.

Nos EUA, meu país de origem, os primeiros casamentos gays foram oficializados em 2004, e segundo uma estimativa do U.S. Census Bureau – o IBGE de lá – os EUA conta agora, em 2016, com aproximadamente 400.000 casamentos gays. E, apesar disso, há muito combate de retaguarda. Trump, o Presidente Eleito lá, uma pessoa de posições extravagantemente contraditórias, diz que ele está “OK” com o casamento gay, mas muitos dos seus seguidores, sobre tudo os seguidores do ramo zelote religioso, veem, com a ascendência Republicana, a possibilidade de reverter o que parecia ser, para uma outra grande parte da população, uma jurisprudência assente e justa.

É assim que eu acho o Brasil demais – e estou chegando de novo à questão de aborto.

Eu sei que ser gay no Brasil não é sempre um mar de rosas. Ouvimos, com uma frequência inquietante, de atos de agressão contra gays mesmo em lugares presumivelmente civilizados como a Avenida Paulista, em São Paulo. Até aqui em Búzios. Mas parece-me que o Brasil, e mesmo o Brasil conservador, aceitou e assimilou o casamento gay com mais graça – e muito menos rancor – do que um grande segmento, conservador, da população norte-americana.

Sem dúvida alguma, essa graça, ou aparente graça, brasileira é, em muitos dos rincões e grotões do país, tanto indiferença ou apatia quanto simpatia. Os dados para 2016 ainda não estão disponíveis, obviamente, mas, segundo IBGE, nada mais do que 14.165 casamentos gays foram realizados em cartórios entre 2013, quando o CNJ obrigou os cartórios a realizar esses casamentos, e o fim do ano 2015. Ou seja, para a grande maioria da população brasileira, a casamento gay é um fato quase tão remoto que os satélites de Júpiter. Não figura no seu dia a dia. Não é uma provocação. Não é uma bandeira vermelha frente ao touro.

Mas, de uma forma geral também, o brasileiro é muito menos confrontativo do que o americano. Mais do que o americano, o brasileiro adere ao princípio de viver e deixar viver. O Brasil também ocupa uma posição muito menos avançada no caminho esburacado da chamada política de identidade do que os EUA. Isso quer dizer que o brasileiro não tem, tanto quanto o americano, de proclamar constantemente a sua diferença – como gay, como portador de uma deficiência, como negro, como branco desempregado – e militar por reconhecimento e privilégios especiais. Pode ser por isso que os brasileiros gays não se apressaram a formalizar os seus relacionamentos em casamento com a celeridade dos seus irmãos e irmãs americanos.

Além disso o brasileiro convive com a ambiguidade melhor do que o americano. Lá, você é branco ou negro. Não tem meio-termo. Lá, você é casado ou você não é casado. A distinção entre casado com papel e sem papel inexiste. Inexiste por héteros. Inexiste por gays. Os americanos preferem que tudo seja claro e nítido. Mas, no Brasil, até muitos casais héteros não se casam formalmente – nem na igreja nem no cartório.

Eu não morava no Brasil em 1977 quando o divórcio foi legalizado. Nesse ano, eu estava morando na França, onde todo mundo, pelo menos no meu círculo social e profissional, já tinha divorciado pelo menos uma ou mais vezes. Mas eu leio em tudo que é lugar que, no dia antes da emenda constitucional que liberou o divórcio no Brasil, todo mundo pensava que essa liberalização nunca podia acontecer ou, se acontecesse, algum deus sairia da sua nuvem para fustigar o seu povo desobediente e devasso. Mas a emenda foi aprovada, sim. E nada sucedeu. Em pouco tempo, o divórcio no Brasil ficou a coisa mais corriqueira. E o divórcio no Brasil é somente uma das muitas coisas que foram absolutamente impensáveis até que, de repente, ficaram pensáveis porque, de repente, ficaram fatos.

Na minha infância dos EUA, o divórcio já era uma opção, mas todo mundo dizia que uma pessoa divorciada nunca poderia ser eleita Presidente. Tudo bem, Reagan, com um divórcio no seu passado, foi eleito Presidente em 1980 e, mês passado, o Trump, com dois divórcios nas suas malas, novamente casado por uma terceira vez e, além disso, sob suspeito de ser um estuprador em série, foi eleito. Na minha infância nos EUA, se dizia que um negro nunca poderia ser eleito Presidente, e aí veio Obama.

*

Eu não sou a única pessoa que, enganada pelas primeiras reportagens, achava que a recente decisão do STF, a respeito do aborto, fosse mais uma convulsão do que, na realidade, era. Veja a entrevista com Debora Diniz na página www.bbc.com/portuguese/brasil-38212236 da BBC Brasil. Descobri, primeiro, que a própria primeira turma do STF tinha dito claramente que a decisão não legalizava o aborto de forma alguma, não.  Só inocentou um grupo de cinco pessoas que praticava abortos numa clínica em Duque de Caxias. A decisão parecia ser um precedente, era escancaradamente um precedente, mas essa primeira turma do STF disse enfaticamente que não era um precedente. Precedente ou não, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e vários bispos e arcebispos independentemente da CNBB se apressaram a registrar o seu repúdio à decisão. Rodrigo Maia, o Presidente da Câmera dos Deputados, prometeu formar uma comissão especial para analisar e debater a questão. Pode ser que uma grande batalha esteja a preparar-se.

Nos EUA, o aborto foi descriminalizado por uma decisão da Suprema Corte (deles, é claro) em 1973. Desde então, os conservadores americanos vêm reduzindo o direito ao aborto, pouco a pouco, com restrições onerosas e esdrúxulas. Em alguns estados, uma grávida à procura de aborto tem que consultar um psicólogo primeiro. Nos mesmos, ou em outros, estados, tem que assistir a um filme arrepiante. (Detalhes na Internet para quem não consegue controlar a sua curiosidade mórbida.) Muitos estados requerem que menores de idade obtenham a anuência dos seus pais. Trump, que foi eleito por pessoas opostas ao direito ao aborto, promete nomear juízes que tornaram as restrições mais severas ainda.

Por enquanto, eu tenho mais confiança no Brasil do que nos EUA. O Brasil é que tem tradições de convivência e do viver e deixar viver – e não vamos esquecer a boa e velha apatia brasileira, e também a passividade brasileira, que simulam o viver e deixar viver sem o enaltecerem num princípio. Parece-me totalmente possível que, uma noite dessas, a gente ouça mais uma notícia escondida, em voz baixa, nos últimos momentos do JN, desta vez no sentido que o aborto é, agora, um direito absoluto, e, no dia seguinte, o sol brilhe, o céu fique onde sempre estava, e as pessoas vão às suas vidas como se absolutamente nada tivesse acontecido.

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