Há alguns anos atrás, tomei conhecimento da “Síndrome de William Bonner”, ou do Cid Moreira, se você tem mais de 40 anos. Ela foi criada para por um pesquisador brasileiro que tentava investigar o impacto que os meios de comunicação têm na retenção e processamento de informação, principalmente entre o público mais jovem.
Ela pode ser descrita da seguinte maneira: uma pessoa mantém a televisão ou o rádio ligado ao longo do dia, enquanto faz as tarefas do trabalho, seja em casa ou fora dela. Enquanto William Bonner está falando dos últimos capítulos da prisão de Lula, e sua possível ou não soltura, a pessoa está passando roupa, digitando uma correspondência em um escritório, ou atendendo um cliente no caixa de um banco.
Vocês já repararam que hoje praticamente todos os ambientes possuem pelo menos, uma televisão ligada? Pode ser um restaurante, a sala de espera de um consultório médico, ou mesmo uma agência bancária, e lá está um aparelho de tela plana exibindo algum tipo de programa.
Em termos técnicos, pode-se dizer que a informação tornou-se “ubíqua”, ou seja, ela está em todo lugar, já que os meios de transmissão desta informação estão em todos os lugares.
Bem, e como o William Bonner entra nessa história? Se perguntarmos às pessoas que estão com algum aparelho de TV ou rádio ligados, se elas se lembram de alguma notícia transmitida há poucos minutos, é bem provável que elas pessoas respondam que não se lembram do que ouviram. É um tipo de atenção na qual o espectador está em um modo de atenção conhecido como “flutuante”, ou seja, ele está apenas assistindo ao que acontece, mas não necessariamente está processando a informação que está sendo transmitida.
É como se a pessoa estivesse prestando atenção apenas ao ‘meio”, no caso o âncora do Jornal Nacional William Bonner, e não à mensagem, a informação, a notícia propriamente dita.
Ora, quanto mais tempo se pratica este tipo de atenção flutuante, maior é a possibilidade de que a pessoa faça isso em outras situações, para além de simplesmente assistir rádio ou televisão. Com o tempo, o hábito de “assistir”, mas não compreender o que está acontecendo passa ser incorporado também ao trabalho, à escola, e mesmo à vida doméstica.
Percebi isso claramente ao longo dos anos em sala de aula. Na medida em que falava, tinha a impressão de que meus alunos realmente estavam prestando atenção àquilo que estava falando, mas qual não era a minha surpresa, quando ao perguntar sobre alguma coisa relacionada àquilo que estava falando, tinha como resposta apenas um olhar vago de meus alunos. Dei-me conta então, de que não era mais um professor, mas uma versão pobre do William Bonner. Esse é um paradoxo de uma época em que nunca houve tanta informação à nossa disposição. A ubiquidade, ou seja, a presença massificada desta informação, não aumentou o grau de conhecimento.
É tentador deduzir portanto, que a culpa por este tipo de atenção flutuante esteja na televisão, no rádio, ou mais modernamente, nos computadores e nas redes sociais, mas isso não é verdade. Parafraseando Marshall Mcluhan, o problema não está nem no meio, nem na mensagem, mas a meu ver, no filtro.
Imagine a seguinte situação: uma pessoa está em um quarto, por onde entra água por todos os lados. Se ela não conseguir tapar os buracos, o fluxo constante de água inundará o quarto, e ela morrerá afogada. Quando estamos cercados de informação vinda de todos os cantos, estamos passando por uma inundação semelhante.
Não é a quantidade de informação que diminui a nossa capacidade de compreensão, mas a ausência de filtros que nos permitam determinar, com clareza, o que é joio do que é trigo.
Construir filtros para este dilúvio de informação, não significa dar as costas a ele, criar formas de obter o que de melhor podemos conseguir com toda esta informação. Usando uma imagem que para mim é bem ilustrativa, é como se colocássemos na beira de um uma máquina para fazer a mineração de ouro ou pedras preciosas. Essas máquinas processam toneladas de cascalho para encontrar uma ou outra pepita de ouro.
Defendo uma posição que por ser puramente pessoal, corre o risco de ser desmentida facilmente, mas mesmo assim vá lá. Creio que a Escola, pode ter uma chance de revitalização exatamente pela possibilidade de ali serem criados alguns destes filtro para a informação. Explico.
Por exemplo, por melhor que seja a minha explicação sobre as causas da I Guerra Mundial, ou a Peste Negra na Europa Medieval, tenho plena consciência de que os alunos têm à sua disposição um conteúdo muitíssimo mais rico, do que aquele que transmito em uma ambiente como a sala de aula.
Isso elimina a presença do professor? Muito pelo contrário. Um professor poderia ser um dos muitos profissionais a criar estes filtros para o dilúvio de informação. Penso que devemos nos abster um pouco da necessidade de “educar”, em troca de uma ênfase maior em “perguntar”.
Quem pergunta e se interessa, não “assiste’, interage. Estamos apenas no início de uma compreensão mais profunda dos muitos significados da interação. As redes sociais são um ambiente para isso, mas recentemente temos tido evidências de que esta interação restringe-se a formar comunidades com valores, gostos e interesses com os quais partilhamos, são as “bolhas’ das redes sociais.
Confesso que isso é um terreno absolutamente novo para mim, e aproveito esse espaço apenas para externar mais dúvidas do que certezas. Lembro-me apenas da última cena de “Shakespeare Apaixonado”, quando os casal protagonista em uma distante e deserta praia do Novo Mundo cita um trecho do bardo inglês, escrita em “A Tempestade”: “Senhores, que País estranho e vasto é Esse?”